25 de abril de 2023

Sobre a Melhor Parte, a que Maria escolheu

Tela: Christ in the House of Martha and Mary
(1654-56), Johannes Vermeer

Eu estava em um velório quando uma conhecida se aproximou, falando que a pessoa sendo velada gostava de ir pra matas, fazer trilhas e acampar sozinha. "Isso não era certo", frisou, "Pois ela parecia essas freiras católicas que vivem isoladas do mundo, só rezando!". Essa postura, que critica quem gosta de se retirar pra contemplar ou pra orar, lembrou-me a de Marta, da localidade de Betânia. Num dia, ela recriminou a irmã Maria, que estava sem fazer nada, apenas parada aos pés do Senhor.

O fato aconteceu quando Jesus estava a caminho da Galileia para Jerusalém, onde sofreria Sua Paixão. Ao longo do trajeto, como pontua Rinaldo Fabris no livro Os Evangelhos II (Edições Loyola, 2006), "alternam-se as cenas de acolhimento e de rejeição, de hospitalidade cordial e de convites ambíguos. Na casa das duas irmãs, Jesus encontra o acolhimento e a hospitalidade que lhe foram recusados no começo da viagem, no país dos samaritanos".

Para J. W. Shepard, citado em As Palavras e As Obras de Jesus (Hagnos, 2022), Marta seria a dona da casa ou ao menos a figura dominante e irmã mais velha. O autor observa ainda: "Aquela não era uma casa na qual Jesus era tratado com um estranho. Ao contrário, Ele era recebido como membro da família. Vemos a liberdade com que foi tratado quando Maria se sentou a Seus pés e ouviu Suas palavras, enquanto Marta se movimentava pela cozinha para preparar uma refeição".

São duas, portanto, as atitudes de acolhimento a Jesus: o serviço generoso de Marta e a escuta atenta de Maria. De acordo com o professor Rinaldo Fabris: "A primeira desenvolve o papel tradicional da dona de casa ou doméstica; a outra inaugura um papel que, para a mulher, é novo e, não obstante, essencial: ficar aos pés do mestre como um discípulo".

Como Ruthann Williams analisa na obra Vá em paz - A cura na Bíblia (Paulinas, 2001), "no mundo judaico do tempo de Jesus era uma prerrogativa para o homem estudar teologia, 'sentar aos pés' da sabedoria de Deus e aprender dela. A própria presença de Jesus era suficiente para libertar Maria dos limites que sua cultura havia imposto a ela. Um ensinamento popular daquela época afirmava que 'seria melhor que as palavras da Torá fossem queimadas a serem confiadas a uma mulher'. Jesus obviamente não acreditava nisso e - pela liberdade que Ele deu a ela - Maria também não".

Jesus também libertaria Marta. Ao ver o comportamento de Maria, ela se indignou, dirigindo-se a Jesus nestes termos: "Senhor, não te importas que minha irmã me deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude". Ele, porém, respondeu: "Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada".

Ruthann Williams pondera: "Marta foi curada quando Jesus mostrou a ela a 'melhor parte'. Ele não estava sugerindo que as tarefas domésticas fossem inúteis ou algo que devesse ser negligenciado. Jesus não era cego à necessidade dos serviços domésticos. O que ele mostrou para Marta, contudo, era que qualquer tarefa pode tornar-se 'inferior', se interferir no relacionamento com Ele". Para essa religiosa, Jesus libertou Marta das expectativas de sua sociedade, de que ela fosse confinada às tarefas da casa.

Jerome Kodell em Comentário Bíblico - Volume 3 (Edições Loyola, 2014) sustenta que o Evangelho todo não está contido no serviço aos outros, por mais importante que seja: "O discipulado cristão é, primordialmente, a adesão pessoal a Jesus. Deve haver tempo para ouvir a Sua palavra; para Jesus uma só coisa é necessária: a devoção". O autor completa: "Sem a oração, o cuidado pelas necessidades alheias pode não ser amor".

"Estar ocupado com Cristo é mais importante do que estar ocupado por Cristo", conclui John Dwight Pentecost, autor de As Palavras e as Obras de Jesus. Ele continua: "Maria estivera ajudando Marta no preparo da refeição. Mas então ela foi desviada daquele serviço pela pessoa de Cristo e deixou seu trabalho para sentar-se aos pés Dele, onde ficou envolvida por Ele e por Sua palavra". A melhor parte, para esse professor, é estarmos preocupados com Ele.

Rinaldo Fabris explica: "O retrato das duas irmãs e, sobretudo, o diálogo característico entre Jesus e Marta não querem tanto contrapor a ação de Marta à contemplação de Maria, quanto pôr em relevo a atitude essencial e distintiva dos discípulo: escutar a palavra do Senhor é condição para que o serviço, a diakonia, não se torne uma estéril agitação no vazio pela necessidade de autogratificação".

Jerome Kodell resume: "A parábola do bom samaritano e a história de Marta e Maria servem para ilustrar o duplo mandamento na ordem inversa: a ação do samaritano enfatiza o amor ao próximo; a ação de Maria enfatiza o amor a Deus". Quisera eu haver dito no velório que certas estão as devotas freiras católicas de dobrarem o joelho no chão e fazerem contínuas orações, que sobem como oferta de seu coração ao Senhor nos Céus.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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