18 de abril de 2012

A Sessão da Tarde e o aborto de anencéfalos

Um filme exibido na Rede Globo tem muito a ver
com as mulheres que optam por abortar
um feto sem partes do cérebro


(Imagem de Raoli)


Sou do tempo em que a Sessão da Tarde da Rede Globo de Televisão passava filmes decentes. Digo: dignos de serem vistos. Pela minha mente perfilam-se os longas do maravilhoso comediante Jerry Lewis; dos Três Patetas; aqueles dos anos 1970 sobre acampamentos juvenis e relação pais e filhos; aqueles dos anos 1980 sobre cursos de verão e temáticas mais dramáticas como Só Resta uma Esperança (título que ganhou no Brasil), com o então jovem e gatíssimo Mark Harmon.

Pois um desses filmes de drama, do tempo em que a Rede Globo não tinha medo de pôr qualidade no conteúdo que nos oferecia à tarde, me veio hoje assim... Meio do nada. (Será?)

Não me lembro do título, nem dos atores. Só guardei o roteiro e - talvez - o nome da personagem principal: Izobel. Tratava-se da história de uma mulher de cerca de 40 anos de idade, divorciada, que reencontra o amor num homem cerca de dez anos mais moço. No final do filme - cena que mais me marcou -, o rapaz pichava no muro que dava para um túnel: "Izobel, eu te amo". Em letras pretas e garrafais.

O longa não discorria sobre uma história de amor água com açúcar (como dizemos aqui no Brasil). O cerne do roteiro abordava um drama (eu falei de "temática dramática", lembra?).

Izobel era uma mulher bonita, interessante, culta... Porém, não acreditava em si. Padecia - embora de jeito algum aparentasse isto - de falta de autoestima. Costumava pintar quadros, mas os anos de casada levaram-na, pouco a pouco, a abandonar a vocação. Há um momento no filme - e disto me recordo bem - em que ela resolve mostrar suas obras antigas para o novo namorado. Ele se surpreende, se entusiasma e a elogia: "Izobel, você é boa! Você é muito boa! Você é ótima! Você tem que voltar a pintar! Você tem que retomar!".

Izobel apela, xinga o namorado, diz que ele está "mentindo". Eles brigam. Até se separam.

Procurando entender a reação irada da amada, o jovem acaba descobrindo que seu ex-marido, na época em que ainda era casada, acabou com toda a confiança que ela tinha no próprio talento. Também se não me falha a memória, há uma cena na qual Izobel, em prantos, diz: "Eu sou ruim. Eu sou ruim. Ele [seu ex-marido] tinha razão. Eu não pinto bem...".

10 de abril de 2012

Memórias tão sentimentais de amigos

O problema da amizade, mesmo que uns não queiram, é que mais dia menos dia
deixamos de estar com os amigos, levados pelas ondas de interesses diversos...


Imagem: Icon of friendship - Christ and Saint Mina - 6th century


parece que foi ontem. aquele dia nublado na praia, aquela menina de 8 anos de idade pulando ondas do mar comigo - eu tinha 20. era a primeira vez em que nos víamos e ela foi direto ao ponto: "quer ser a minha amiga?". aquele pedido curto, sincero e seco me pegou de surpresa. já vi pedirem os outros em namoro, mas "para ser amiga"? estranho. meio sem pensar, respondi: "sim, claro". nunca mais nos vimos.

o pedido de amizade foi sincero, escrevi. só que, ao contrário de um namoro, a amizade não começa assim. ela começa espontaneamente, sem a gente perceber e, em alguns casos, quando nos assustamos, nos tornamos "o grande amigo" de alguém.

passei em revista os grandes amigos que tive ao longo da minha vida e até agora. lembrei que, no começo, fazia questão de guardar seus nomes e sobrenomes.

como o da Adriana S. de T. ela foi minha cúmplice durante um dia de chuva no colégio onde estudávamos. estivemos ilhadas entre um bloco e outro, muita água e ventania, e ficamos sem saber se permanecíamos ali, paradas, ou se nos atrevíamos a nos molhar para retornar à sala de aula. de tudo o que envolveu a nossa amizade, foi isto o que ficou como recordação: duas meninas de cerca de 9 anos de idade numa tormenta.

depois vieram a Lucimar e a Giordânia. era 1986.

passávamos o recreio juntas, em trio - às vezes a Janaína se juntava a nós. foi a Lucimar quem me ensinou que não se escreve uma carta batida à máquina, que é falta de educação. "minha mãe me falou que cartas devem ser de próprio punho", frisou. é que a Janaína havia lhe dado uma datilografada, com versos de uma canção da Rita Lee: "Porque essa vida é muito louca/ E loucura pouca é bobagem".

engraçado: não existem mais cartas - a não ser as de cobrança - e os e-mails são digitalizados. (o que a mãe da Lucimar diria disso?)

nesse ínterim, tive uma vizinha-amiga chamada Cristina V. L. nas férias, os primos dela - Rodrigo e Luciano - vinham visitá-la. Com o Rodrigo, mais velho do que nós, aprendi um gesto de gentileza. num dia estive com febre e não desci para brincar com o pessoal do prédio. ele tocou a campainha, minha mãe atendeu, só para saber como eu estava. achei isso tão grande e tão singelo. me fez sentir "importante". nunca mais esqueci.

veio a Raquel. esquisito. não me lembro do seu sobrenome.

1 de abril de 2012

Procissão do Domingo de Ramos

Um poema sobre a participação de uma brasileira comum
no dia que marca o início da Semana Santa


Imagem: The Palm Leaf, William-Adolphe Bouguereau (1825-1905)

deixou as vasilhas sujas dentro da caçamba inox da pia.
tomou um leite com Nescau.
estava pronta.
blusa branca, calça, sapato confortável.

desceu correndo os lances da escada -
quantos seriam mesmo?
não sabe. nunca contou.
voou sobre eles -
quase escorregou e caiu
estatelada.

bateu as duas portarias.

saiu a passos curtos, mas rápidos,
desembestada pelas ruas do bairro:
era preciso chegar correndo à igreja.

a procissão do Domingo de Ramos
sairia pontualmente às 8h da manhã.
era importante estar lá desde o começo,
vivendo a expectativa da partida,
participando de cada passo, de cada esquina
percorrida.

ops.

esqueceu o ramo verde.
a pressa tem dessas coisas.
ficou decepcionada consigo mesma:
havia escolhido a folha a dedo. no Mercado Central.