A inclinação

Imagem: Boston Public Library

Lá no alto, toda noite ela plana
proporcionando-te imenso deleite.
Embaixo, tu te enches de esperança
de que contigo ela, um dia, se ajeite.

Oh rio ingênuo, até quando te enganas
com esse coraçãozinho doente?
Pois a Lua tem alma de cigana
e, na hora certa, parte indiferente.

O artifício

Foto de George Hodan

No jardim ao Sol disposto
uma flor se insinua -
se já não é mais um broto
inda lhe resta a doçura.

O enlace

Foto de Jessie Eastland

Arde a luz (e não esconde)
por ter uma aspiração
que a move para frente:
reunir as suas mãos
com aquelas do horizonte
bem à hora do poente.

Soldada

Foto de W.carter

Cai a noite e a Lua altiva
com uma farda branquinha
vai enfrentar a escuridão.

Ela nunca se intimida:
seu posto assume tranquila
mesmo só na amplidão.

Se à frente nuvens se alinham
nunca perde a própria linha -
não importa a situação:

a farda alva segue limpa
até a batalha finda
à hora que vem o clarão.

Inexorável 2

Foto de Alexander Gude

Toda imponência fraqueja:
é só questão da hora certa.
Pra ofuscar uma estrela,
basta uma nuvem modesta.

O sinal

Tela: Winderige dag (1789), Gerard van Nijmegen

Pode até ser invisível
mas ao ir se insinuando
a folhagem, tão sensível,
logo vai sacolejando
tornando admissível
que a brisa está passando.

Solar 2

Foto de Christopher Michel

A leste, pela manhã,
o rei ocupa o seu posto
erguendo-se, com afã,
pra circular no entorno
com intenção nada chã
de iluminar todo o povo
até que a oeste, do elã,
ele abdica - indisposto.

Céu 2

Foto de R. Scott Hinks

Não por acaso alguém se pergunta
se alguma vez teve algo no fundo
quem toda noite estrelas ajunta
mas de manhã abre mão de tudo.

Sobre o Sol

Foto de Wingchi Poon

Por natureza, é apoquentado
e leva só uma coisa em mente:
executar logo o seu trabalho
e a cabeça esfriar no poente.

Persistência

Tela: Ночное (1905-08), Arkhip Kuindzhi

Quem persevera feito a Lua
que vai da poça até o mar
se entregando na procura
d'onde melhor se acomodar?

Antes de desabrochar

Foto de Dominicus Johannes Bergsma

Guardando cor, aroma e néctar
- tudo, dentro do matulão -
até chegar a primavera...
É um fardo ser um botão!

O Transporte

Imagem: Blowing wind - 1889 - 
 Toyohara (Yōshū) Chikanobu

Um bocado de brisa
tem vigor suficiente
pra deixar o perfume
cavalgá-lo prontamente.

Indelicado

Foto de Lystopad

Se, ao outono, dotasse a natureza
de um pouco de tato e de discrição
conheceria ele boas maneiras
pra não passar lançando tudo ao chão!

Inevitável 2

Foto de RonAlmog, (Flickr page)

Não existe ente soberbo
que escape à sujeição
no momento condizente.

Mesmo o Sol não fica ileso:
perde toda a ostentação
quando aporta o poente.

Bailarinas

Tela: The Shore of the Turquoise Sea (1878), Albert Bierstadt

As ondas do mar sempre tão densas
contrariam qualquer pensamento
de que só quem não tem consistência
vai dançar desenvolto com o vento.

Rompimentos

Foto de Bijan Moravej alahkami

Por que dizer que depois de se quebrar
não é mais o mesmo, o jarro remendado?
Se no céu se encaixa tão bem, o luar -
como se não tivessem se separado!

Independente

Foto de Diego Torres Silvestre from Sao Paulo, Brazil

O mar, o regato e o poço...
Parece, mas não a contêm:
se a Lua se dá a todos
de manhã, não é de ninguém.

Pleno outono

Foto de LBM1948

Às flores e frutos caídos
que tomam uma outra jornada,
a árvore à beira do rio
assiste de palmas atadas.

O alívio

Foto de Chris S

A canseira que o ego dá é tanta
que quem não quer um pouco de refresco?
Atrás da conjunção de nuvens brancas,
até o Sol descansa de si mesmo.

Véus

Foto de Jon Sullivan (PD Photo.org)

Quanta parecença tem o orvalho
com a renda num colo ou num rosto:
acha que deixa o jardim velado
mas todos veem o que está disposto.

Inclinação

Foto de George Hodan

Onde passa, deixa o seu rasto:
sutileza não é o seu forte.
Tornar curvo todo emproado
é, do tempo, o único norte.

Sombras

Foto de Sergeant Ian Forsyth RLC

Um paradoxo, a sombra desvela
tão logo se dá o alvor do dia:
maior é o esplendor de sua treva
quanto mais a luz se precipita.

A Performance

Tela: Au cirque Fernando (1888), Henri de Toulouse-Lautrec

Dócil à coreografia
ele se põe a dançar.
Sem ter área restrita,
roça as nuvens no ar
até que, todavia,
o chicote perderá
a performance tranquila
que, num lombo, acabará.

Proteção

Foto de Jules Verne Times Two

Mamãe natureza pensa em tudo:
não deixa filhos desamparados.
Ainda que o demonstre, contudo,
de um jeito um tanto inadequado:
tremem de noite, brotos miúdos
sob uma colcha fina - de orvalho.

Xepa

Foto: Agência Brasil Fotografia

O chão tem as palmas erguidas
às várias ofertas do outono:
folhas e flores ressequidas
aos borbotões e com desconto.