A Pista

Foto de böhringer friedrich

Tudo se presta ao pouso
do orvalho, na madrugada.
E mesmo a flor (como poucos)
acolhendo-o com cuidado
na alvorada, com o calor,
retoma o voo - evaporado.

Leviano

Tela: Le Parlement, soleil couchant
(Houses of Parliament, sunset)
- 1902 - Claude Monet

O Céu, propenso a veleidades,
mantém seus vínculos quebrados:
a aliança com a Claridade
sempre sucumbe nos ocasos.

Temporário

Tela: The Triumph of Aurora, After Guido Reni (1575-1642)

O céu sabe que acolher
não é algo que perdura:
amanhã, pode não ver
o que ontem já foi sua -
é assim que o alvorecer
arrebata toda a lua.

De sol a sol 2

Tela: Landscape at sunset (circa 1906), Tadeusz Makowski

Não se importa nem um pouco
com a cabeça ficar quente
quem compensará o esforço
com um cochilo no poente.

Irresoluto

Tela: Bather at the beach (circa 1920), Paul Gustav Fischer

Tem um jeitinho bastante estranho
de flertar com a Areia, o Oceano
pois oscila até a borda (um tanto)
e, sem se entregar, já está voltando.

Franciscana

Tela: A Water Nymph (1898), Léon Bazille Perrault

Porque não desconfia
que o Oceano conserva
incontáveis tesouros

é que a Areia se alegra
com singelas conchinhas
que são puro engodo!

Superficial

Tela: Sittande ostronplockerska på stranden,
August Hagborg (1852-1921)

Sentir a brisa
sem se arriscar
a ir com tudo -

de mãos vazias,
só deixa o mar
quem não foi fundo.

Contato

Tela: Un día de verano en la playa
(A summer's day on the beach)
Manner of Joaquín Sorolla (1863-1923)

Porque não muito se dista
quem uma corda bem fina
e prateada separa;

quente de expectativa,
a Areia na orla aspira
pela Maré ser tocada.

Indelicada

Tela: L'Aurore (1868), Adolphe Alexandre Lesrel

Toda noite, dá-se a Lua
a um esforço aplicado
de ofertar sua luz miúda.

Então, sem fazer mesuras
chega a Aurora ao cenário
e, aos poucos, a expulsa.

Solução

Pôster: Cigarrillos Paris (1901), Aleardo Villa

Quando enevoa em toda parte,
basta erguer a cabeça um pouco:
se a fumaça é densa na base,
ela se dissolve no topo.

Consequências

Imagem: River Scene, in The Fifty-Three Stations of
the Tokaido Road (ca. 1834), Hiroshige

Uma causa tem efeito duplo,
dependendo de quem alcança:
o mesmo vento que verga o junco
é aquele que eleva a paina.

Desportista

Tela: Aftenstemning (1878), Amaldus Nielsen

Depois de se lançar ao mar
e atravessar rios e lagos
ao alvorecer, o luar
sai das vistas extenuado.

Aos bastidores

Tela: The Gates of Dawn (1900),
Herbert James Draper

Por muito que seja diva,
não desconhece o recato:
ao raiar de mais um dia,
a lua deixa o cenário.

Descompromisso

Tela: Pôr do Sol (Sunset) - 1897 -
António Cândido da Cunha

A natureza em alguns dias
prescinde da hora marcada
e assim a Tardinha se estica...
Disfarçando a noite atrasada.

Polivalente

Tela: Moonlight on the Water,
Ivan Fedorovich Choultsé (1874-1939)

A lua que se refresca num lago
nunca se inclina à diferenciação:
também se aperta na gota de orvalho,
sem ligar pra pequena dimensão.

Estrelinhas

Tela: The Starry Night (1889), Vincent van Gogh

Basta cair a noitinha
que os luzeiros lá em cima
já se agitam em demasia.

Por que razão tremeriam:
porque a noite é muito fria
ou a altura é que intimida?

Frigidez

Tela: Boreas (1903), John William Waterhouse

Corre os seus dedos na natureza
mas exceções não pode evitar:
por carinhoso que o vento seja,
nem todo broto põe pra vibrar.

O albergue

Tela: A view of the Roman Campagna from Tivoli, evening
(1644-5) - Claude Gellée, called "Le Lorrain"

O Sol atravessa o firmamento
com a tranquilidade de quem sabe
que terá propício alojamento
no horizonte, ao final da viagem.

Cauteloso

Imagem: Tichnor Brothers, Publisher (1930-1945)

Com seus olhos marejados
sem distinguir bem a lua,
segue oscilando o lago -
sem tomá-la como sua.

Mão aberta

Tela: Moonlit Harbour (1916), Julius Paulsen

Quem ousa tachá-la de sovina,
se desde os primórdios do arrebol
a Noite se desdobra inteirinha
pra compensar a falta de sol
dispondo luzeiros logo acima
e ainda a lua como farol?

Lullaby

Tela: Fishing Boats along the Pier,
Lionel Walden (1861-1933)

Sentada diante do mar
fazendo nada de mais
embora não possa escutar
de algum ou vários locais
vem a canção de ninar
que embala os barcos no cais.

Pragmatismo

Tela: Off the Greenland Coast under the Midnight Sun
(1873), William J Bradford

Na natureza, ninguém reclama:
todos acatam o seu destino.

Desde o nascente, sem fazer drama,
o sol caminha pro seu jazigo.

Efeitos

Imagem: Nihon Embankment, Yoshiwara
(1857), Hiroshige

Eis que um bando de gansos
ao voar, sombreia a lua -

nada aqui é tão tacanho
que não afete outras figuras.

Pernoite

Imagem: Kōtsuki River in Kagoshima (1922), Hasui Kawase

Às vezes, de tão cansada
de voar há várias eras
sobre tanta vista esparsa;

em uma nuvem que passa,
a lua para e se hospeda
sem perder a sua graça.

Zooms

Imagem: Mannen Bridge, Fukagawa, from
the series "One Hundred Famous Views of Edo"
(1857), Hiroshige

Se de perto tanto se agiganta
e a muitos intimida;
a distância, até uma montanha
se curva à perspectiva.

2 tempos

Foto de Barb Ver Sluis

A mão que equaliza
os trovões na tormenta
é a que em seguida
um arco-íris, sustenta.

À noitinha

Tela: Twilight (1890-95), Arkhip Kuindzhi

Dá-se o nome de crepúsculo
quando o clarão sai de cena
sem perturbar meio mundo -
com passadas bem pequenas.

Porém, quase ao fim de tudo
- dessa despedida amena -
o breu sem qualquer escrúpulo
abrevia todo o esquema.

Mania de grandeza

Tela: Bacchus (1648), Jan van Dalen

Rente à janela a noite toda
erguendo o copo à lua cheia
o ébrio soberbo apregoa
que pôs para dentro ela inteira.

Ternura

Tela: Red sunset (1890-95), Arkhip Kuindzhi

A jornada que dura o dia todo
deixa o horizonte bastante ansioso
por aquele momento em que de novo
a luz, enfim, afagará seu rosto.

O apoio

Tela: Abendstimmung ueber einer Kuestenlandschaft
(1864), James Hamilton

Dar tudo de si é uma barbada:
a luz sabe que ao fim da jornada
de braços abertos, na vanguarda,
eis o horizonte pra confortá-la.

A espada

Foto de Thelittlethings Love

Com uma intenção precisa
o sol desgasta o seu fio
em meio à tarde tranquila
cortando o ar desde o cimo.

O conselho

Tela: Dame mit Weinglas (1908), Lovis Corinth

Ébria, ela se põe à espera:
"É melhor não caminhar!".
Bobagem. Quem troca as pernas
também chega a um bom lugar.

Verdes

Foto de Shubhammaideo

Na natureza a experiência
é uma inútil aquisição:

só folhas cheias de inocência
lidam bem com a tribulação.

A carga

Foto de Michael Favor

Só celebra a primavera
quando vê os brotos pensos
quem não faz nenhuma ideia
de que deixam os galhos tensos.

Contratempos

Foto de LBM1948

Dançar de acordo com o ritmo,
há eras a natureza pratica.
No outono, as flores no rio
logo viram nadadoras exímias.

Persona non grata

Tela: Orchard in winter (1907), Valerius de Saedeleer

Embora não dê indícios,
o inverno se ressente
da frieza da acolhida.

Ansioso e sem amigos,
para a primavera estende
suas palmas ressequidas.