27 de abril de 2023

E a hemorroíssa saiu pro abraço da comunidade

Imagem: L'hémoroïsse
(The Woman with an Issue of Blood)
- 1886-94 - James Tissot

A questão da pureza versus impureza era crucial para os judeus que viviam em Israel na época de Jesus. De acordo com Stuart S. Miller, em Jesus - A Enciclopédia (Editora Vozes, 2020), para eles, a observância dos ritos de purificação garantia a santidade do povo e da terra. Assim, a partir do ano 100 antes de nossa era, piscinas artificiais com degraus começaram a se difundir para banhos rituais. Elas existiam nas imediações do Templo, na proximidade de túmulos, em sinagogas, perto de lagares de vinho ou de azeite e, especialmente, nas moradias.

É que a Torá enumera inúmeros objetos e situações que tornam uma pessoa suscetível de contrair um status de "impureza". Ainda conforme Stuart S. Miller, são eles: os restos mortais de um ser humano, o cadáver de certos animais, pessoas atingidas por doenças de pele, gonorreia e... A menstruação. "Uma mulher na menstruação permanecia impura durante sete dias pelo menos e em seguida precisava de uma imersão ritual; nesse tempo tornava impuro tudo aquilo que ela tocava e até os móveis nos quais sentava", o professor pontua.

E o que dizer então de uma mulher com hemorragia?

Segundo o capítulo 15 do livro do Levítico, "quando uma mulher tiver hemorragias frequentes, fora ou depois da menstruação, ficará impura como na menstruação, enquanto durarem as hemorragias. A cama em que ela se deitar, enquanto tiver as hemorragias, ficará impura, como na menstruação. O lugar em que ela se sentar ficará impuro, como na menstruação. Quem tocar nesses móveis ficará impuro: deverá lavar as roupas e tomar banho; ficará impuro até à tarde".

Esse é o contexto da história da hemorroíssa, a mulher que padecia de um fluxo de sangue havia 12 anos, sem que médico algum a curasse. De acordo com Padre Léo, no livro Corações Curados (Edições Loyola, 2007), a situação dela "não encontra nenhum outro paralelo em toda a Bíblia. Sua doença física, vista pelo ângulo religioso e social, acabou se transformando numa terrível espécie de marginalização e opressão. Ela não tinha outra saída na vida. Por isso, quando ouviu falar de Jesus, viu aí a sua única saída".

O encontro entre os dois acontece assim que Ele chega a Cafarnaum, na Galileia, de volta da região dos gerasenos. Muito popular, devido às pregações e curas que empreendia, uma multidão O cerca. É quando a hemorroíssa se aproxima por detrás e toca a orla do manto de Jesus.

J. W. Shepard, citado em As Palavras e As Obras de Jesus (Hagnos, 2022), observa: "Uma tradição diz que ela era uma mulher gentia, o que parece razoável, considerando que uma judia dificilmente teria se aventurado no meio da multidão, contaminando todos que ela tocava com sua impureza ritual". Já para Padre Léo, porque toda a comunidade sabia da sua doença, isso tornou fácil seu acesso até Jesus, ainda que Ele estivesse comprimido pelo povo, pois todo mundo se afastou pra dar passagem: ninguém queria encostar nela...

Na mesma hora em que houve o toque, a hemorroíssa fica curada. Jesus então pergunta: "Quem foi que me tocou?". Ele continua: "Alguém me tocou, porque percebi sair de mim uma força". J. W. Shepard descreve o que se deu a seguir: "A mulher, com medo e tremendo, consciente do que havia acontecido com ela, sabendo que não poderia se esconder, veio e caiu diante Dele e Lhe contou na Sua presença toda a verdade, assim como o motivo que a levou a tocá-Lo, a lamentável história de anos de miséria crônica, bem como sua atual experiência feliz de cura imediata".

Jerome Kodell, em Comentário Bíblico (Edições Loyola, 2014), compara a confiança da hemorroíssa com a da mulher pecadora, que ungiu com perfume e beijou os pés de Jesus. A palavra final Dele a ambas é exatamente a mesma: "Tua fé te salvou. Vai em paz". Com uma diferença: Jesus chama a hemorroíssa de Minha filha. Padre Léo analisa:

Ela, a impura e marginalizada, agora é filha. É alguém da família. E alguém muito especial, porque, mesmo depois de 12 anos de sofrimento, de doença, de fraqueza, de humilhações e marginalização, ela ainda manteve a fé. E que fé fabulosa! Só de ouvir falar [em Jesus], ela já acreditou. Acreditou e traduziu sua fé em gestos: foi até Ele, caminhou em Sua direção. Não ficou parada, esperando que Ele a encontrasse. Não se fez de vítima... Não ficou choramingando. Ela foi até Jesus. É uma fé dinâmica.

Segundo J. W. Shepard, a hemorroíssa "havia encontrado cura para seu corpo e com ela compaixão e o perdão de seus pecados. Essa última cura ela não teria obtido se lhe tivesse sido permitido tocar nas vestes Dele e desaparecer na multidão sem uma confissão". Tua fé te salvou; vai em paz: ela ficou livre de sua doença física e ainda curou a alma. Assim, da discriminação humilhante, devido à sua condição "impura", a mulher com fluxo de sangue saiu para o encontro, o abraço da comunidade!

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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