19 de abril de 2023

Nunca te vi, sempre te amei

Tela: Niewierny Tomasz (Tomé em dúvida) - 1911 - Jacek Malczewski

Tempos atrás, assisti na TV a um filme interessante. Tratava-se de uma mulher e um homem que se corresponderam por cartas durante duas décadas sem nunca se encontrarem. Tudo começou, porque ela era uma escritora americana em busca de obras raras, que existiam numa livraria na Inglaterra, onde o homem era gerente. A troca de cartas entre a cliente e o vendedor tornou-se, com os anos, uma conversa entre dois amigos que passaram a nutrir um sentimento especial um pelo outro.

Deus também Se corresponde conosco. Seja através de um mensageiro (um anjo), seja pessoalmente mesmo. A diferença é que, em alguns momentos na Bíblia, essa relação foi pontuada pela incerteza e a insegurança. Há três exemplos notórios: o do juiz Gedeão, o do sacerdote Zacarias e o do apóstolo Tomé.

Gedeão viveu num tempo antes da monarquia - antes do reinado de Davi e Salomão, portanto. Uma época em que Israel estava dividida em tribos. Ele era um juiz, ou seja, um libertador: homem escolhido por Deus para livrar o povo oprimido. De acordo com o professor Wilfrid J. Harrington, o juiz "era um herói a serviço da comunidade e estava investido de força moral e física suficiente para afirmar sua autoridade sobre os seus concidadãos e para efetuar a queda de seus inimigos".

Gedeão trabalhava no campo, quando foi visitado por um anjo, que o saudou nestes termos: "O Senhor está contigo, valente guerreiro!". Ele fora escolhido para liderar os israelenses contra os madianitas - povo do deserto que oprimia Israel. Ante a sua relutância, o Senhor lhe garantiu: "Eu estarei contigo e tu derrotarás os madianitas como se fossem um só homem". Mas, Gedeão vacilou e pediu uma prova de que realmente era Deus quem lhe falava.

Ficou combinado que o juiz traria uma oferta (um cabrito e pães sem fermento, junto a um caldo) e a colocaria numa pedra. Então, o anjo do Senhor estendeu a ponta da vara que tinha na mão, tocou a oferta e imediatamente jorrou fogo da rocha, que consumiu a carne e os pães. Diante disso, Gedeão acreditou. E o Senhor lhe asseverou: "Não temas, não morrerás". Porém, a insegurança do escolhido não cessou.

Mais tarde, ele alegaria a Deus: "Se quereis realmente salvar Israel por meio de minha mão, eis que vou estender uma lã na eira: se o orvalho cair só na lã, ficando toda a terra seca, reconhecerei que é por minha mão que livrareis Israel". E assim aconteceu. Contudo, Gedeão propôs de novo a Deus: "Só quero fazer mais uma prova com a lã: peço que só ela fique seca e o orvalho molhe toda a terra em redor". E Deus assim o fez.

Com um agrupamento de apenas 300 homens - conforme outra ordem dada por Deus -, Gedeão surpreendeu o acampamento de milhares de madianitas, colocando-os em fuga, capturando e matando seus chefes mais tarde. O sucesso foi tamanho, que as tribos quiseram que ele assumisse um reinado, o que Gedeão rejeitou sob o argumento de que só Iahweh é o rei do povo.

Outro que duvidou de Deus foi o sacerdote Zacarias. 

Igualmente surpreendido por um anjo, ele estava no templo em Jerusalém, oferecendo o perfume no santuário. O anjo então lhe traz uma boa-nova: sua mulher, Isabel, não obstante estéril e idosa, lhe daria um filho, que seria grande diante do Senhor, convertendo muitos filhos de Israel a Deus, preparando ao Senhor um povo bem-disposto. E o que faz Zacarias? Interpela-o: "Como terei certeza disso?".

O anjo não gostou. Identifica-se como Gabriel e determina que, por haver duvidado, ficaria mudo até a data do nascimento do menino. Quando esse dia chega e Zacarias escreve numa tabuinha que ele se chamaria João, tal e qual o anjo determinara, o sacerdote abre a boca e sua língua se desenrola, profetizando que Deus suscitara um "poderoso Salvador, na casa de Davi", ou seja, Jesus.

Por falar Nele, outro famoso incrédulo na Bíblia foi Seu apóstolo, São Tomé.

Depois da ressurreição, Jesus aparece no meio dos discípulos, que estavam reunidos numa casa a portas fechadas, cheios de receio dos judeus. Desejando-lhes a paz, Ele mostra as mãos e o lado (aberto, após ser traspassado por uma lança durante a crucificação) e sopra o Espírito Santo sobre todos. Sobre todos, não: faltava Tomé. Ao regressar à casa - e tendo Jesus partido -, os que viram o Senhor lhe contam tudo o que se sucedeu, mas Tomé replica: "Se não vir nas Suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no Seu lado, não acreditarei!".

Jesus volta à casa oito dias mais tarde. Pondo-Se novamente no meio deles, oferece a Tomé as Suas mãos e o Seu lado, para o apóstolo pôr o dedo e a mão. Não sabemos se o discípulo o fez, e sim apenas que declara com fé: "Meu Senhor e meu Deus!". Ao que Jesus retruca: "Creste, porque me viste. Felizes aqueles que creem sem ter visto!".

Deus Se corresponde conosco. Às vezes, através de um anjo, noutras pessoalmente. No entanto, em sua maioria, essa relação se dá a distância. O filme "Nunca te vi, sempre te amei", sobre a troca de correspondências entre uma americana e um inglês, mostra que ainda assim, afastados fisicamente, sem se verem, é possível uma relação genuína e forte entre duas pessoas. Sem margem pra dúvida.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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