Aconchego

Imagem: Kasuga-machi, Kumamoto, from
the series Selected Views of Japan (Nihon fūkei senshū)
- 1922 - Hasui Kawase

A paisagem toda se agita
pela hora crepuscular
quando a Terra se faz benquista
ganhando uma feição de Lar,
onde uma manta espessa abriga
e convida a se aquietar.

Riquezas

Foto de Colin Marquardt

Coisas parcas e fugidias,
em alta conta há de levar
só quem foi, da graça, investido
de não se inclinar a juntar -

esse, o caso da Margarida
à qual tão pouco há de bastar:
uns zum-zuns; depois o rocio
e ei-la na haste a se empinar!

Anima

Tela: Psyche (1901), Antonín Hudeček

Tão tênue, que não ocupa um cômodo,
mas seu peso se pode aferir
quando deixa na mão o seu dono -
então, alijado do existir.

Sobre a carícia

Tela: Den Esrum sjøen i måneskinn (Lake Esrom by Moonlight)
- 1814 - Johan Christian Dahl

Para aquela que é amante
todo gesto, mesmo mínimo,
tem sempre tanta grandeza!

Embora altivo e distante
o luar, com um carinho,
balança a lagoa inteira.

Dedução

Tela: Garden in May (1895), Maria Oakey Dewing

Intuição é esse frio
que os mais atentos têm na alma,
deixando-os de sobreaviso -
apesar do calor lá fora.

Uma flor mantém-se impassível
ante o rebuliço da fauna,
porque capta o prejuízo:
seus tesouros, levam embora.

Lesa-majestade

Tela: Landscape with Clouds (1820-22), John Constable

Atrás de um céu enevoado
virou alvo de desacatos
por descumprir o seu papel,
o que há eras de reinado
só quis descansar um bocado
mas acabou de rei a réu!

Catwalk

Tela: Coucher de soleil à Ostende, Évariste Carpentier (1845-1922)

A graça com que caminha
o percurso até o ocaso
só exibe o que confia
que amanhã dá novos passos!

Armistício

Tela: Clouds at Sunset (Unknown artist and date)

São tantas, as vistas obstadas
que a luz confronta todos os dias
que por se sentir tão enjeitada
decerto acha forças, à noitinha,
pra deixar a arena apaziguada
sem dar para trás uma olhadinha.

À francesa 2

Pôster: Cocorico (1899), Théophile Alexandre Steinlen

Pra noite é um gesto frustrado
partir do Baile da Alvorada
com discrição (mas pouco tato)
porque acaba denunciada
pelo estardalhaço dos galos...

The Late

Tela: Неутешное горе (Inconsolable grief)
- 1884 - Ivan Kramskoi

Ao redor e dispor
de mãos enrijecidas
uns punhados de flor
(tão remotos em vida!)
louros, o que mais for
e enfim: ei-las queridas.

Paganismo

Tela: Nocturne. Swans in the Saxon Garden in Warsaw by night
(1893-94), Józef Pankiewicz

Porque o alvor não me cativa,
minhas ofertas vão pra Lua.
No escuro, somem as trilhas
os atalhos e a rua -
se o Sol realça as divisas
a noite, a distância, anula.

Gestações

Tela: View of Toledo (1596-1600), El Greco

Aquela nuvem carregada
tão prenhe de chuva e de vento
que tem, o céu, atravessado
sem que uma garoa aconteça

evoca a expressão enjeitada
do que se concebe por dentro -
a qual, diverso do esperado,
perece sem que a luz conheça.

Oportunista

Tela: Heath near St Hippolyte at the Foot of the Vosges in Alsace (1848),
Christian Ernst Bernhard Morgenstern

Ao corner de cada paisagem
chegando na hora e a contento
mostra, a sutil claridade
que se vence um breu que foi denso
com senso de oportunidade.

Marítimos

Tela: Cloud Study, Moonlight (circa 1860),
Albert Bierstadt

Barca que singra o espaço
sem esbarrar o seu casco
em recifes estrelados,

indo com muito cuidado
pois vão sendo transportados
olhinhos extraviados

ou de um sono abençoado
ou do destino esperado -
nela, não embarcam os fartos.

O detalhe

Tela: Motiv aus Helgoland (1859), August Schaeffer von Wienwald

No tecido do firmamento,
sempre aparece uma ruga.

Às vezes, é algo pequeno;
em outras, tem mais largura.

Está lá a todo momento -
sumindo, só se a nublam.

Tem mais um quê de paramento
que de coisa que macula:

pra uns, dá à noite portento;
a outros, graça nenhuma.

Marés

Tela: Dubrovnik bei Mondlicht (1915), Eduard Kasparides

Cândida pastorinha
que sem cajado em riste

ora espraia, ora ajunta
as alvas ovelhinhas

que sob o pulso firme
de quem está por cima

se prestam, quase nunca,
a saltar os limites.

Luzeiros

Imagem: A Seated Woman with a Lacquer Candle Stand
- between 1875 and 1899 - Toyohara Chikanobu

O que vem do coração
deixa as coisas distorcidas -

qual da vela, o clarão,
que ao redor tudo, varia.

Pôr de lado a emoção
é o melhor que se faria:

nem sempre luz é bênção
(que o diga a parafina).

Moonset

Tela: Landskap i måneskinnet
(Wanderer on a Mountain Top - Landscape in Moonlight)
- 1823 - Johan Christian Clausen Dahl

Jogam o Ocaso e a Aurora
um voleibol meio estranho:
só se pontua no início
ou com a partida acabando.

Suspensa no ar, a bola
num rally segue rolando
até o empate previsto -
quando se põe em um canto.

Post mortem

Tela: Palm Sunday - circa 1862 - Alfred Stevens

Existem mortos que, de tão vivos,
sub judice e com juramento
(embora sem provas a contento)
testemunhamos que estão conosco.

Mas há também os de um outro tipo:
mesmo aqui, na passagem do tempo
sepultaram-se no esquecimento
ou num proceder silencioso...

The End

Foto de Anderson C Sandes Anderson

O broto, por muito que se cuide,
vai passar pela maturidade
à qual se sucede a decrepitude
e seu replantio na Eternidade.

Mesmo que ganhe grande altitude
e lamba as estrelas à vontade,
tudo vira cinzas num ataúde -
o fogo sabe bem dessa verdade.

Yoga

Foto de Brocken Inaglory

Aquela gota que encima
uma superfície plana
numa pose tão contida
(que alinha chacras e o prana)

não será reconhecida
nem por um deus feito Brahma
se ficar bem quente o clima,
pois desfaz-se a face branda!

Swimwear

Foto de Larisa Koshkina 

Na lagoa paradona
- mal-empregada -
onde umas pedras matronas
ficam alojadas;
algumas tantas na sombra
(= bem-comportadas)
não é que estão vindo à tona
desajustadas
num maiô verde-musgo
de costas cavadas?

Atração

Tela: Nude with Apple (1909-10), William Glackens

É no tempo da colheita
que o safrista adivinha
se é o fruto que anela
cair nos braços da terra
ou se é ela, já afeita,
que o retoma bem faminta.

Reta Final

Tela: Sunset (1890-95), Arkhip Kuindzhi

Pra se entreter com a visão do todo,
basta completar sua jornada.
É no instante do ocaso (não noutro)
que a luz se detém - maravilhada.

Zigmunt Bauman

Foto de George Hodan

Em um canto, empina-se a muda
e por ela o tempo passará...
... Tomando seu viço e a doçura
somente pra depois avançar;
deixando atrás alguém tão murcha
sem, por um instante, se abalar.

De mão beijada

Foto de Wil Stewart wilstewart3

Enquanto tantos metem as mãos na massa
pra ver se o mundo (com as pernas) abraça;

a lagoa sem mover uma palha
todo o firmamento (ou quase!), ela abarca.

Mesmices

Foto de Jack Woodcock

Das almas devotas da rotina
é moleza antever as andanças
pelas vias-sacras demarcadas.

O Sol é outro, na mesma trilha
só por "medida de segurança":
pra não se perder na Via Láctea...

Dança do acasalamento

Tela: Moonlit Landscape with Bridge (1648-50),
Aert van der Neer

Chega pé ante pé à Tardinha
mal disfarçando (pois se ilumina
à visão do rio, lá de cima).

O flerte em breve se principia
e se arraasstaaa... Até a Manhãzinha...
Sem que nenhum tome a iniciativa.

O rio é plácido em demasia;
já a lua míngua, esmorecida,
e até que volte plena num dia

(qual toda cândida, otimista!)
ao redor ouvirá "Coitadinha"
dos pessimistas de carteirinha.

Medições

Foto de aussiegall from sydney, Australia

De perto, um ourives examina
pra ver, do metal, a qualidade;
também, de uma rosa, se aproxima
a abelha pra provar seu quilate...
Quem disse que a distância avalia
a grandeza de um amor de verdade?

Repúdios

Tela: Regnvær, Etretat (1886), Claude Monet

Profundas... À deriva...
A cada alma, o tempo instrui
das várias formas de um "Não".

Paira uma negativa
na praia, que o mar intui
e recua: o avanço é vão.

A Procedência

Tela: Eleanor Holding a Shell (1902), Frank W. Benson.

De onde vêm, as criaturas
mal conseguem disfarçar
pois há um quê que as vincula.

Com o idioma do mar
é que uma concha sussurra -
não importa aonde ela vá.

Prematuras

Tela: Not willing, Carl Schweninger the Younger (1818-1887)

Feito gemas brutas
sem nenhum aparo;
trôpegas, no escuro,
tão desarranjadas...

... Elas se acumulam
e fartam dois lábios,
vindo à luz com tudo:
chamam-se PALAVRAS.

A Tardinha

Tela: When the blue evening slowly falls
(1909), Frank Bramley

Só até a soleira
(que está rente à rua)
vai a que tem pressa -
pois tem vida curta.

A paisagem inteira
então se enluta,
que à partida dela
nunca se acostuma...

Ângulos

Tela: Die Sentimentale (circa 1846),
Johann Peter Hasenclever

A Lua que se declina
num quarto e é envolvida
na trama de uma cortina;

também é a que se livra
das amarras bem-tecidas
e vai só - estrada acima.

Laticínio

Imagem: Moonlit Forest
- 19th century - Mori Ippō

Porque não é vegana,
a flora se sacia
com essa lua tamanha -
que ralam e polvilham,
suas diversas ramas!