30 de abril de 2019

Sem escolha

Tela: Stormy sea at night (1849), Ivan Aivazovsky

Louca pra se perder num abraço, a lua
entre 2 humores do mar se debruça:
ou ele é calmo, frio... Qual sepultura
ou, de tão agitado, mal a segura!


Mar e Lua

Tela: Морской пейзаж (1850), Ivan Aivazovsky

Se por exigência do ofício
ou inclinação da matéria,
ele não falta ao compromisso.

Não importa a distância dela,
a queda pra ele é um risco
e amortecê-la, coisa séria.


29 de abril de 2019

Enigmática

Tela: The Elbe by Moonlight (1856),
Johan Christian Claussen Dahl

Lamuria o rio, tão límpido,
a falta de affaire genuíno
com a lua, tão clara, no cimo.

Enquanto ele expõe o seu íntimo
toda a face dela, a princípio,
mais vela que mostra indícios.


Caruso

Tela: L'Orage (The Storm)
- 1880 - Pierre Auguste Cot

Vagando só em todas as partes
esse nômade silencioso,
que faz quase todas as viagens
sem causar o mínimo rumor.

Porém, quando canta com vontade
deixa muito ouvinte receoso
pois é prelúdio de tempestade
o Vento com um quê de tenor!


28 de abril de 2019

Compulsório

Imagem: Teradomari no yosame
(Night rain at Teradomari)
- 1921 - Hasui Kawase

Da necessidade de ir adiante
quem consegue se desvencilhar?
Nem temporal nem uma avalanche
impedem os caminhos de levar.
E assim perseguimos, mesmo estanques,
o que de "futuro" vão chamar.


A Fera

Tela: Abendlandschaft (1895), August Seidel

Quem pode contra uma recordação?
Somos todos presas da nostalgia!
Que o próprio firmamento o diga:
no que consiste a Tardinha, senão
num souvenir doloroso do Dia?


A Parceira

Foto de Omasz

Não é nunca mero acaso
que na escuridão são feitas
muitas das maiores juras.

Sob a claridade, é fato
que a lealdade perfeita
só a sombra configura.


26 de abril de 2019

Cristianismo

Tela: Ogród miłości (Garden of Love)
- 1876 - Adam Chmielowski

Dá-se a luz e tudo é dividido:
baixo ou esguio; perto ou longínquo
ínfimo ou vasto; bojudo ou fino.
Cai a noite e termina com isso:
na penumbra, tão mal-definido,
o que é dele ou teu fica omitido.


Encomendas

Tela: Sea idyll (circa 1891), Rupert Bunny

Uma garota posta
umas flores ao mar
e mais outros insumos.

Logo, então, vai embora
para um outro lugar -
se evapora no mundo.

Se soubessem onde mora,
poderiam avisar
o que veio do fundo:

algas murchas de sobra
conchas (pra variar)
- calhou disso ser tudo.


25 de abril de 2019

Sobre a noite

Tela: Nocturne: Blue and Silver — Bognor
(from 1871 until 1876), James McNeill Whistler

Quisera ser uma impressionista
mas nasceu com sua mão bruta:
os seus potinhos todos de tinta
tombam e fazem uma cor única
que utiliza sem economia
e com tempo (ela até madruga),
deixando as vistas escurecidas
quase sem nuance nenhuma.


Potestade

Imagem: Evening at the Lumber Yards of Kiba
(1920), Hasui Kawase

A escuridão tem um rumor
que leva o dia a entender
que à Tardinha vai se impor
restando a ele estremecer
e acanhar-se com rubor
até a noite acontecer.


Dorminhoca

Tela: Die alte Mühle (1884), Anna von Wahl

Dorme a Noite, noite afora
alheia ao passar das horas.
De manhã ainda indisposta
faz que vai, mas não acorda!
(O que uns chamam de Aurora
é só seu sonho que aflora.)


24 de abril de 2019

Panaceia

Foto de Chad Teer from Coquitlam, Canada

O crepúsculo é uma ferida
que atinge o céu de baixo a cima
deixando-o em carne viva
(com tons de escarlate, ele fica)
até chegar a medicina
que sem demora o cicatriza:
só as mãos alvas e assertivas
de um luar tudo amenizam.


Cocote

Tela: Landskap i måneskinn (The Elbe in Moonlight)
- 1833 - Johan Christian Dahl

Há tanto tempo ela vaga
e ainda age sem tino!
Não aprendeu quase nada
em tantos anos a fio?
Pra quê a face empoada
e aquele esmero no brilho
se dar-se de mão beijada
o deixa inerte, tranquilo?
O que são favas contadas
nunca tem graça pro rio!


23 de abril de 2019

Discreta

Tela: Summer night by the beach (1902-03), Edvard Munch

Lá no alto paira a Dama
que acompanha tantas tramas
e pelos anos avança
com a mesma face branda!

São complôs e artimanhas
de amas ou de mucamas
por Alá, por Deus, por Brahma
- tudo isso a alcança.

Mas com o rio (onde se banha)
ou com a maré (com quem dança),
nunca ousou a milenar Dama
a dividir o que apanha.


Sobre a Lua

Imagem: San Giorgio by Moonlight
(between circa 1880 and circa 1882),
Ralph Wormeley Curtis

Seu talhe de porcelana da China
vai evocar uma e outra iguaria
ao apetite de vistas famintas
que não se dão conta, nem adivinham
que sua louça está cheia de trincas
e mal comporta matérias tão finas
como os delírios e as fantasias.


22 de abril de 2019

Democrática

Tela: The Courtesan (1927), Jan van Beers

A noite tem braços largos:
o que é alto feito o monte
e está perto ou além -
tudo cabe no abraço
que envolve e esconde
o que é baixo e vil também.


À luz

Foto: View of Moon limb with Earth on the horizon, Mare Smythii region
(1969) - Autor: NASA

A Claridade, o dia todo,
oculta - deixando ignoto -
o que traz à luz só aos poucos:

que na verdade ela é um estorvo
entre os Seres e o fato posto
de que o breu nos tem absortos.


21 de abril de 2019

O pouso

Imagem de peasap from San Diego, USA

De colo em colo, salta em busca
de um pernoite (escolhido a dedo):
o rio corre, dá gastura -
seu leito não trará sossego;
do mar, de grande envergadura,
não sentirá um aconchego...
Prefere então por fim, a lua
mãos miúdas, cheias de zelo
da poça no meio da rua
pro pouso até amanhã cedo.


20 de abril de 2019

Funcionária do mês

Foto de MOs810

Seguir pela trilha extensa
antes que fique bem tarde,
munida de lista imensa
com tantas necessidades,
que pisadas e outras prensas
são vistas como detalhes
na rotina de quem pensa
em só cumprir sua parte.


Os 2 tempos

Foto de George Hodan

No jardim, modéstia é religião -
pelo menos na hora de nascer.
Sem nem um pio, se empina o botão
e tudo o mais que está pra florescer.

Mas na partida, dá-se a contramão
e de longe qualquer um pode ver
que mudam de cor e disposição:
é no chão que acabam de fenecer.


Artimanha

Imagem: Summer (1896), Alfons Mucha

Da perda, todo o quilate
se mede pelo vazio.
Disso, a natureza sabe
e estabelece o Estio
quando a Primavera parte -
minorando o prejuízo.


18 de abril de 2019

Vida de artista

Tela: En sky og landskap studie av måneskinn
(A cloud and landscape study by moonlight)
- 1822 - Johan Christian Claussen Dahl

Lá no alto dá mil voltas
num trapézio bem-armado
onde paira desenvolta
sobre vários obstáculos.

E se queda numa hora
sobre um rio, mar ou lago
põe-se logo recomposta
sem perder o rebolado.

Ela ainda tem de sobra
um belíssimo cenário
com estrelas bem-dispostas
até o fim do espetáculo!


Farrista

Tela: The Man in the Moon (before 1929), Robert Lewis Reid

Ser roliça não dificulta -
em realidade, até convém:
poder rolar lá das alturas
ou pular de uma vez também
no mar ou numa poça turva
(de todo jeito se entretém).
A olho nu ou lentes múltiplas
que tornam próximo o além,
quem de ensimesmada a acusa
é porque não viu muito bem.


17 de abril de 2019

Canto dos cisnes

Foto de any bay

Qual dentre os seres lidaria
bem com a noção vaga ou precisa
da hora em que a sorte termina?

Mesmo a luz, que tudo ilumina,
faz que não vê nem imagina
que lá pelas 6, à tardinha
vai começar sua elegia!


16 de abril de 2019

A Musa

Tela: Nagare Pleasure Quarter, Kanazawa (1920),
Hasui Kawase

Quem passa o dia recolhida
se empetecando com afinco
para ressurgir à tardinha
numa comitiva de brilhos
com sua pose altiva às vistas
e a face empoada (um brinco!)
mal se dá conta, todavia
que cá embaixo os casarios
quase nunca lhe dão a mínima:
sem tempo para seus caprichos
puxam de pronto as cortinas
fechados em seus desvarios.


15 de abril de 2019

Diva

Foto de Anderson Mancini from Sao Paulo, Brazil

Desconhece, a Primavera
o que seja hesitação:
ao chegar a sua época
não aceita um senão -
jardins; ramas e as relvas,
quer tudo à disposição
até dar a hora dela,
quando sai de supetão
e da orquídea à flor singela,
lançará tudo no chão!


14 de abril de 2019

A parceria

Tela: Flora - Spring in the Gardens of the Villa Borghese
(1877), Lawrence Alma-Tadema

Quem tem confiança um no outro
tal qual a terra e a primavera?
Foram eras pra dar endosso
a essa ligação tão terna,
que nem um inverno rigoroso
à divisão admoesta:
uma, firme, aguarda o retorno
daquela que sempre regressa.


13 de abril de 2019

Desejos

Tela: Far, far away Soria Moria Palace shimmered like Gold
(1900), Theodor Kittelsen

Contra tantos tão cheios de fé
que querem mover uma montanha
ela também investe uma reza...
... Para não lhe arrastarem o pé
nem um milímetro de distância
porque perderia a estância certa
onde um astro do topo ao sopé
desliza e a toca cheio de manha.


12 de abril de 2019

Falando de amor

Foto de Anna Langova

Não. O arco-íris não é divino.
Nem um fenômeno químico ou físico.
Ele é obra de um ser especialíssimo
que, quando parte sem deixar resquícios,
leva as cores a um quinhão inaudito
tornando o gozo sob o céu, finito.


11 de abril de 2019

A Mariposa

Imagem: Winter moon, Toyama Plain (1920), Hasui Kawase

Tateando pela noite escura
em que a vista se torna obtusa
ante matas com folhas graúdas
no encalço do rio, sai em busca
fagueira - como é próprio das luas -
embora esteja cheia da dúvida
se só gira em volta... Ou se mergulha.


Às claras

Tela: Bords de L'Oise (Banks of the Oise),
Charles-François Daubigny (1817-1878)

Do meio-dia até o crepúsculo
expõem um recado, as alturas:
aos poucos, deixa-se de ser.

Assim, mais raro o dano abrupto -
se há ruína, houve rachaduras
que todo olhar consegue ver.


10 de abril de 2019

Velha infância

Tela: Mount Tamalpais from Napa Slough (1869), William Marple

Com tantos anos sobre as costas
e ainda brinca de esconde-esconde!
Subindo aos pouquinhos a encosta
para então se pôr atrás do monte
bem quietinho e por tantas horas
... Que só amanhã surge defronte.


9 de abril de 2019

Mamãe Natureza

Foto de axelle b

Nunca se abstrai em outra esfera:
sempre atenta, voltada pra fora,
dá um jeito (como se desdobra!)
pra que tudo se alinhe com ela.

Feito o nó dos dedos na janela,
suas gotas de chuva pipocam
e a moça presa na própria órbita,
chama então pra uma escapadela.


8 de abril de 2019

Entorpecida

Tela: Une nuit d'hiver (Winter Night) - 1920 - Alfons Maria Mucha

As estações dificilmente erram
pois têm senso de tempo e de lugar;

porém há vezes em que o frio medra
de tal modo, difícil de extirpar,

que os brotos e bênçãos da Primavera
passam batido pra alma a hibernar.


7 de abril de 2019

Sobre a chance

Tela: Yes or No? (1871), John Everett Millais

Estrangeira em continente ignaro
a sua língua é um idioma raro:
quando captam o significado
geralmente, é tarde demasiado
pois partiu de volta ao seu país bárbaro.


6 de abril de 2019

Jardinagens

Tela: Hope (1896),
Sir Edward Coley Burne-Jones

A esperança é rebento inoportuno
que irrompe até em jardim bem-cuidado.
Para demovê-la, uns fazem de tudo;
outros sabem que isso é desnecessário:
lá se vai o brotinho resoluto
com o primeiro calor da luz dos fatos.


5 de abril de 2019

Mão Única

Tela: La Seine à Suresnes (before 1911), Henri Rousseau

Já que ele não move uma palha
só ela se dá ao trabalho
de lá das alturas descer

enquanto as estrelas, pasmadas,
cercando-a por todos os lados
perguntam: "Como pode ser?

Portar-se tão enamorada,
cobrindo-o de brilhos e afagos
sem nada em troca receber!".


4 de abril de 2019

Amoureux

Tela: Sommerdag på Skagen Sønderstrand
(Summer Day at Skagen South Beach)
- 1884 - Peder Severin Krøyer

Por ter um porte robusto
é dado a espalhafatos
mas tem um lado profundo
que o leva a agir com tato
(apesar de ir com tudo)
enchendo a orla de afagos
e, se isso não fosse muito,
de uns adornos prateados.


3 de abril de 2019

Galãs

Imagem: Bamboo, Plum Blossoms and Moon (1713), Gao Qipei

À flora exposta nos galhos
há 2 tipos de abordagem:
a do Vento, sem um tato
nem qualquer camaradagem,
que qual "dono do pedaço"
não poupa o broto na vagem
e a do Outono, delicado,
que espera - não faz alarde -
respeitando tempo e espaço
(mesmo cheio de vontade)
até que caia em seus braços.


Sobre ocasos

Tela: Sailing off the Coast (1869), Martin Johnson Heade

Assim como a mais fina safra
serviu-se nas Bodas mais tarde
e uma vida que foi errada
na cruz ganhou a Eternidade
o pôr do sol é prova exata
de que o fim é a melhor parte.


2 de abril de 2019

2 em 1

Imagem: Izumi-bashi no Ame (Rain on Izumi Bridge)
- 1923 - Takahashi Shōtei

Foi posto no alto e é tão imenso,
que não 1, e sim 2 temperamentos
expõe à luz (cada qual a seu tempo):

ora é aberto, se está a contento
ora ranzinza, fechado em si mesmo -
feito carranca num busto cinzento.


1 de abril de 2019

Relações

Tela: Falling Leaves (circa 1900), Olga Wisinger-Florian

Muito embora a Primavera
mantenha os galhos ornados
é o Outono quem, deveras,
acolhem com entusiasmo -
dando-lhe chuva de pétalas
mais um tapete dourado.