31 de dezembro de 2018

Rocio

Foto de Gunnar Ries

Aos de fora é coisa minúscula -
e o fardo da flor, desmerecem.
Porque tem garbo na postura,
os poucos que se compadecem
são aqueles que testemunham
o alívio com que ela recebe
o sol que aporta nas alturas
esquentado, mas de mão leve.


30 de dezembro de 2018

Afastamento

Tela: Coucher de soleil sur l'Oise (Sunset on the River Oise)
- 1866 - Charles-François Daubigny

Nunca se vai de repente:
ao abandonar o espaço
(mesmo temporariamente)
um bilhete intitulado
"lusco-fusco", no batente
da porta, deixa pregado.

Como poucos entre as gentes,
o Dia é delicado.


29 de dezembro de 2018

Registros

Tela: Le baiser (1868), Carolus-Duran

Conjunções feito as dos astros
têm milhões de estupefatos
pra fixarem cada quadro.

E existem aquelas - não raras -
só por 2 testemunhadas;
sem película, cravadas.


28 de dezembro de 2018

Intimidades

Tela: Liebespaar bei Vollmondnacht am Flussufer mit Ruinen (1816), Jakob Alt

Existem Bens que bem rápido
vêm na nossa direção,
depois vão sem deixar rasto -
a não ser exclamação.

E nos pomos feito o lago
que amanhece sem noção
se foi sonho ou se foi fato
ter a lua em suas mãos.


27 de dezembro de 2018

Um Pássaro

Tela: Sunrise (Marine) - 1873 - Claude Monet

Mesmo sem a vista plena
não dá asas pra descrença,
pois o Breu não é sentença.

Dá-se assim à espera extensa
- sem um pio e muitas penas -
de que o Alvor pouse na cena.


26 de dezembro de 2018

Soturna

Tela: Moon kveld over Dresden (Moon night over Dresden)
- 1827 - Johan Christian Claussen Dahl

Nas suas vestes recatadas,
de um brilho muito parco,
há uma tenção voluntária
de deixar tudo velado
ao longo de sua estada.
Se não fosse pelo galo,
nem se nota quando passa!


25 de dezembro de 2018

Sortes

Tela: Mondaufgang über dem Meer (Moonrise over the Sea)
- circa 1821 - Caspar David Friedrich

O ocaso tem uma fortuna:
sentar à margem do mundo,
certo de a noite aparecer.

Ao capricho da conjectura
outros seguem, por seu turno -
esse é o caso do alvorecer.


24 de dezembro de 2018

Galhardia

Foto de Thomas Bresson

Quando fecha lá em cima
num relance, alguém cisma
que se encrespa toda vista.

Sob a chuva e a ventania,
se regra é perder a linha
goza, a relva, de outra sina:

assim que o clima esfria,
vai se encher de pedraria
porque é hora de ser fina.


23 de dezembro de 2018

Moonlit

Imagem: "without name" - 19th century - Ohara Koson

Luz é luz de todo jeito:
empunhando um candeeiro
mesmo tendo o foco estreito
põe, a noite, em relevo
se não tudo, só um trecho
do que foi velado inteiro.


21 de dezembro de 2018

As Faíscas

Tela: Noc ukraińska (1895), Stanisław Witkiewicz

Com seus finos e ternos dedos
a manhã, tão cheia de zelo,
mantém um fogaréu aceso
quente, pra diluir o gelo.

A vista, porém, desde cedo
sonha acelerar os ponteiros
pois sabe: no frio em seu seio,
só lumes noturnos dão jeito.


Tesouros

Tela: Seashells (second half of 19th century),
Albert Joseph Moore

Um coração, não se rasga
para pôr tudo ao relento.
O sumo não fica às claras:
tem que vir à tona lento.

De uma ostra ignorada,
o mar não ouve um lamento.
Um consolo ela guarda:
não viram o que tinha dentro.


20 de dezembro de 2018

Sensações

Tela: La Charmeuse de serpents (The Snake Charmer)
- 1907 - Henri Rousseau

Sabem os seres do mato
que de noite (e não cedo)
há um menu variado
que enriquece seu meio:

algo anda de rastros
e se estalam uns gravetos;
outro roça num braço
e se encrespam uns pelos;
advertem, os faros
de qualquer movimento.

É por isto que os galhos
põem-se altos e tesos:
aos Céus, têm implorado
que o breu dure mais tempo!


19 de dezembro de 2018

As ilusões

Tela: Phantasy (1896), William Savage Cooper

Gaba-se o olhar acurado
de conter minimalismo,
pois ao cravar só no básico
depuraria o legítimo.

A um leigo, pelo contrário,
(um amador no ofício?)
qualquer valor de mercado
reside nos artifícios.


18 de dezembro de 2018

A condição

Tela: Hus i solnedgång (House in sunset),
Per Ekström (1844-1935)

A feição da despedida
é o que torna decisiva
a sorte de uma acolhida -
se acontecer outra vinda.

A paisagem abraça o dia,
porque não é imprevista
a hora da sua partida:
sempre afável, à tardinha...


Encristado

Tela: El pescador (1904), Joaquín Sorolla y Bastida

Só tem tamanho, não é de nada
aquele que tantos dão-se a temer.
Sofre náuseas, quer sair de casa
então se arroja... Pra se recolher.
Cresce metros e morre na praia:
o mar que intimida, sabe tremer!


17 de dezembro de 2018

Índole

Tela: Hôtel des roches noires. Trouville (1870),
Claude Monet

Esqueça a rusga
com a inclinação:
alta é a quantia
para endireitar

quem de butuca,
feito o pendão,
à menor brisa
começa a dançar.


Gentleman

Foto de Quartl

Desde o tempo que era broto
a flor tem o flanco exposto
à precisão de cada olho:
ao rocio, é ancoradouro
e um bufê apetitoso
à operária sem repouso.
Ou um alvo bem-disposto
pro rei quente e poderoso
descontar os seus desgostos.

Porém, um dentre os outros
ao passar por ela há pouco
e ver só um ser formoso,
a arrebatou de todo.


16 de dezembro de 2018

Maturidade

Foto: Bureau of Land Management Oregon and Washington
from Portland, America

Ao saltar na correnteza
por perder o seu suporte,
notam uns na redondeza
que a queda trouxe sorte:
justo quando ficou seca,
a folha ganhou um norte!


15 de dezembro de 2018

A Mãozinha

Tela: La vague (The Wave) - circa 1870 - Gustave Courbet

Com tanto segredo no fundo,
quem não ficaria soturno?

Não corre esse risco, contudo,
quem o vento anima com pulso
e impõe um bailado convulso
depois, um mais calmo no curso
de jeito que o mar segue o fluxo
e nunca se perde em seu mundo.


14 de dezembro de 2018

Desencanto

Tela: Ariadne Abandoned by Theseus (1774), Angelica Kauffmann

Este, que tira agora
da própria manga
o truque trágico
que fana a ilusão,

antes, sem a cartola,
cheio da manha
foi mais fantástico
com fascínio à mão.


Na matina

Tela: Les Larmes de Saint Pierre
(The Tears of Saint Peter) - 1610 - Juan Bautista Mayno

Decerto a noite não queria
sair do posto lá em cima
e o galo assim personifica
com sua voz, que lamuria,
quem no crepúsculo rumina
a dor de ver entrar o dia.


Errante

Imagem: A conjunction of Mercury and Venus,
aligned above the Moon
- Autor: ESO/Y. Beletsky

Embora paire no cimo
com a face no infinito,

reflete a lua consigo
(atada há eras num ciclo)

que podia ser legítimo
abrir mão do mesmo sítio!


13 de dezembro de 2018

Empatia

Foto de GanMed64

O meio-dia e o orvalho
nunca falam a mesma língua.

Enquanto, por outro lado,
a alguns sobra sintonia...

Entende-se bem, o lago,
com a alvorada e a tardinha:

cada qual em seu horário,
ele as acolhe inteirinhas!


Indelicada

Foto de Arian

Há insensatez no bailado
da libélula, por intervir
sem indício de embaraço

na languidez do riacho
que, se parece consentir,
no fundo sente cansaço.


12 de dezembro de 2018

Absorto

Foto de LassenNPS

De se entreter com as estrelas,
ninguém desvia o lago:
nem as inúmeras prendas
que se desprendem do galho;
nem receber de surpresa
de certa barca, um afago.


11 de dezembro de 2018

O aguilhão

Foto de Ivar Leidus

Tanto Ser, da Flor, se acerca
e ela não se põe acerba:
com Abelha ou Vespa é terna
pois assim lhe inflige o néctar.


Excêntrico

Tela: Am Gmündner See (circa 1874), Josef Mayburger

O luar, ante alguns obstáculos,
age de uma maneira adversa:
desfaz-se em fragmentos no lago,
mas encara coeso uma pedra.


Arrebol

Foto de Christian Thiergan

Já bem perto do ocaso,
a Estrela acreditava
que o Céu trocou o traje
só pra despedir de si.

Mas quase n'outro lado
viu na última olhada
que pra Lua, na verdade,
ele se enfeitou assim.


10 de dezembro de 2018

Veemente

Foto de rajagopal

Todo amante que é cioso
está sempre inflamado.
O sol, sem distância boa,
acha meio proveitoso
de ao menos um recado
caloroso pôr na folha.


Mineração

Tela: The Judgement of Midas,
Domenichino and assistants (1581-1641)

O que falseia, preserva
e lhe escapa o genuíno.
Essa bateia às avessas
chama-se Olhar Estrito.


9 de dezembro de 2018

O Espectador

Tela: Skrik (The Scream) - 1895 - Edvard Munch

Na calada da noite há um brado
tão agudo, que começa a subir.
Ganhando asas e halo dourado,
pra que os Céus possam acudir.

Mas sabe um músico aplicado
que notas altas, pra percutir,
exigem ouvido tão apurado
que apenas o cão, vão atingir.


7 de dezembro de 2018

Sentidos

Imagem: Goldener Sonnenring (Augsburger Wunderzeichenbuch — Folio 24?)
- circa 1552 - Unknown

Apenas um olhar sem tato
não sente gosto na rotina:
torce o nariz; não cheira lucro.

Já à vista, o sol nos braços
soa tão bem no dia a dia,
que firmaram um acordo mudo.


6 de dezembro de 2018

Dilema

Tela: The Shadow (circa 1909), Edmund Blair Leighton

Bendizemos a presença
fulgurante conosco;
mas se ela se ausenta,
deixa sombra em dobro.


Piegas

Foto de Dana Tentis

À tardinha, seis em ponto,
a luz retoca a sua figura
pra estar com o horizonte.

O rio corre e deixa pronto
o seu leito pra que a lua
ao reclinar, beba na fonte.

Às palmas de seu sonho,
dá o ipê, floradas muitas -
ainda que umas tombem.

Sem receio nem confronto,
na natureza, a conjuntura
é quem sente não esconde!


5 de dezembro de 2018

Presentes de grego

Tela: Wheat Field in Rain (1889), Vincent van Gogh

Com as palmas abertas,
põe-se sempre a paisagem.
Será porque é quieta
ou por pura ingenuidade
que nunca se acautela,
como se camaradagem
viesse de quem oferta
cheia ou longa estiagem?


4 de dezembro de 2018

Reminiscências

Imagem: Yuki no Zōjō-ji (Snow at Zōjō Temple)
- 1922 - Hasui Kawase

No tempo hostil, muito se aquieta
e volta à vigília só na hora certa.
Oxalá o que bem fundo hiberna
perca a estação em que desperta.


3 de dezembro de 2018

Os residentes

Tela: Öländsk gård i solnedgång (Estate at Öland in sunset),
Per Ekström (1844-1935)

Sempre ao mesmo inquilino,
abre-se a porta nas alvoradas.

Por todo o térreo e o mezanino,
ele passa e se sente em casa.

Porém, não pode fazer ninho
ainda que esquente a estada:

é da praxe que saia de fininho
antes da noite fazer pousada.


1 de dezembro de 2018

Outono 5

Tela: Oktyabr (The October) - 1883 - Yefim Volkov

Assim que às cenas chega,
desarranja copas inteiras
e não deixa uma folha ilesa.

Age feito criança birrenta,
o tempo em que se viceja
o que devia ter madureza.