21 de abril de 2023

Adorando o Pai longe da igreja: só no coração

Imagem: Daguerreotype of the poet Emily Dickinson,
taken circa 1848. (Original version.)
- Autor Desconhecido

Uns - vão à Igreja - aos Sábados
Eu fico em Casa - o Triste-pia
É quem me benze - e canta -
No Pomar tem sua Pia -

É assim que a poeta americana Emily Dickinson abre um de seus (quase) 1.800 poemas: dando as costas ao culto em um templo. Integrando uma família calvinista, essa mulher singular abraçou cedo uma vida reclusa, só saindo de casa muito esporadicamente. Não obstante, pôde escrever uma obra que não só menciona vários lugares do mundo, como tem alcance universal.

Emily apenas pôs em prática o que o próprio Jesus vislumbrara numa conversa com outra mulher: a samaritana.

Com a liberdade que Lhe era característica, Jesus havia entrado na Samaria, região evitada pelos judeus. Isso, porque o povo de lá se tornara heterogêneo desde a ocupação assíria, em 722 a.C.. A presença de habitantes estrangeiros implicou a existência de novas divindades e práticas sincretistas - embora se mantivesse o culto a Iahweh. Tanto, que os samaritanos construíram um templo próprio no monte Garizim, o que só fez por aumentar a animosidade dos judeus contra eles.

Enfim, Jesus ousou entrar na Samaria e fez mais: conversou com uma mulher. E samaritana! Conforme o evangelho segundo São João, "os judeus não se comunicavam com os samaritanos", porque os consideravam uma raça impura, chamando-os inclusive de kutim ou cuteus, já que eram considerados descendentes de populações deportadas a partir de Cut, na Assíria, para tomar o lugar das tribos de Israel, exiladas no século VIII.

Há vários pontos interessantes no diálogo que se deu entre os dois. Incluindo aquele para o qual chamo a atenção: a samaritana, depois de reconhecer em Jesus um profeta (pois Ele, na Sua onisciência, havia "adivinhado" que ela já tivera cinco maridos), pergunta-Lhe onde Deus deve ser adorado: no monte Garizim ou no templo em Jerusalém? Diante desse conflito não resolvido, Jesus responde:

Mulher, acredi­ta-me, vem a hora em que não adorareis o Pai, nem neste monte nem em Jerusalém. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade.

O professor John Dwight Pentecost, no livro As Palavras e As Obras de Jesus (Hagnos, 2022), esclarece: "Se Deus fosse corpóreo, então Ele estaria confinado a um lugar; e o lugar em que Ele habita seria o único lugar aceitável de adoração. Se Deus não é corpóreo, então Deus pode ser adorado em qualquer lugar. Deus é espírito. Como consequência, Ele deve ser adorado não por formas externas em um edifício físico, mas de coração...".

Uns - vestem Branco aos Sábados -
A mim basta uma só asa -
Em vez de dobrar os Sinos -
O Sacristão - toca em casa -

O Pastor é - "Deus" - famoso -
Seu sermão nunca entedia,
Não careço de ir - pro Céu!
Eu - já vou - todo santo Dia!

É assim que Emily Dickinson termina seu famoso poema. Quem de nós pode atirar uma pedra em quem escolheu viver sua religiosidade sem frequentar um templo calvinista junto à sua família? Se ela apenas pôs em prática, em pleno século XIX, o que Jesus orientou a uma outra mulher, no século I...

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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