16 de abril de 2023

Ser gauche é maldição pra homem

Imagem: La femme malade depuis dix-huit ans
(The Woman with an Infirmity of Eighteen Years)
- 1886-94 - James Tissot

No ano de 1930, o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade fazia a sua estreia no mundo literário com o livro "Alguma Poesia", em que já no primeiro poema dizia: "Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida". Gauche é uma palavra francesa que se traduz por esquerda. Mas, que também significa desajeitado, deselegante, malfeito e... Torto. 

Já ressuscitado, Jesus apareceu numa manhã a alguns discípulos próximo ao lago de Tiberíades, na Galileia. Ante o fracasso da pesca deles na noite anterior, Jesus os instiga a lançar a rede no lado direito da barca: somente assim, achariam os peixes. Foi o que fizeram, sendo bem-sucedidos. Outro mineiro, o saudoso Padre Léo, gostava de contar esse episódio alegando que Jesus teria dito "lancem a rede direito", ou seja, do jeito certo.

De fato, Jesus não era fã do que estava desajeitado, deselegante, malfeito e... Torto. No evangelho segundo São Lucas, uma de Suas primeiras falas é citar um trecho do livro de Isaías, no qual o profeta diz que o espírito do Senhor está sobre ele, tendo-o enviado "para anunciar a Boa-Nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos...". Em outros termos: para restaurar, consertar. E Jesus tinha pressa nisso.

Tanto, que não esperou um dia sequer pra endireitar uma mulher encurvada. Para indignação de alguns, já que se tratava de um sábado - dia de descanso, no qual não se devia trabalhar. Chamada por Jesus de "filha de Abraão", ela estava em uma sinagoga. Portanto, era uma mulher de oração, de fé. Ao ler essa passagem bíblica, vemos que há 18 anos sofria: possessa de um espírito, não podia se erguer. Depois da cura, não há resquício de ingratidão: Jesus a endireita e ela parte dando glórias a Deus.

Voltemos ao gauche.

Anos depois, no ano de 1976, uma outra mineira respondia a Drummond. No primeiro poema de seu livro de estreia, "Bagagem", Adélia Prado dizia logo nos primeiros versos: "Quando nasci um anjo esbelto,/ desses que tocam trombeta, anunciou:/ vai carregar bandeira". E terminava assim: "Vai ser coxo na vida é maldição pra homem./ Mulher é desdobrável. Eu sou". Vemos que a mulher Adélia não tem paciência ante o que é desajeitado, deselegante, malfeito e... Torto. Tal e qual Jesus!


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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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