14 de abril de 2023

E foram com grande pressa a Belém...

Tela: Annunciation to the shepherds (1600-25), Abraham Bloemaert

Francisco teria dito que seu filme favorito sobre Jesus é "O evangelho segundo São Mateus", do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. Entendo o Papa. Tenho o DVD e assisti a esse longa do ano de 1964 inúmeras vezes. Mas, o meu preferido é de alguns anos antes (1961) e chama-se "Rei dos reis", dirigido pelo americano Nicholas Ray. Esse filme tem somente um senão: enfatizar a visita que os três reis magos fizeram ao bebê Jesus, em vez da visita dos pastores. E por que isso me incomoda?

Pastor é uma profissão distante da minha realidade. Nunca chamou a minha atenção - menina urbana que eu era. Até que, aos 13 anos de idade, o professor Carlos Herbert me apresentou o livro "O Alquimista", de Paulo Coelho. Logo na primeira página, conheci Santiago... Um pastor! Então, o autor do romance descreve a realidade fascinante desse ofício exercido a céu aberto, em que um dia nunca é igual ao outro, porque o pastor está sempre em movimento, levando o rebanho a diferentes lugares. 

Houve, ainda, uma segunda vez em que eles me chamaram a atenção.

Foi recentemente, quando me tornei leitora assídua de obras sobre Teologia. Pra meu espanto, descobri que pastor não era uma profissão bem quista aos olhos dos judeus. Segundo o que li, pastores se submetiam a um trabalho que não respeitava o sábado - dia de descanso - e eram tidos por desonestos e ladrões. Por tudo isso, consideravam-nos "impuros": eles não podiam seguir as prescrições contidas no livro do Levítico e então ficavam à parte do sistema religioso. De acordo com o escritor Jacques Duquesne, dizia-se na época de Jesus que "não se retira de uma cisterna (um poço) os goyim (pagãos) nem os pastores que lá caírem". Porém, conforme o evangelho segundo São Lucas, foram justamente eles os primeiros a receberem a Grande Notícia do nascimento de Jesus.

Na sua simplicidade, os pastores acreditaram no anjo e deixaram a sua marginalidade, pra visitarem o Rei que veio ao mundo. Ou melhor: não seria o Rei quem apareceu no espaço marginal deles? De fato, foi à margem que Jesus nasceu, cresceu e viveu. Até o lugar onde morreu foi fora do centro, nos arredores de Jerusalém. Jesus encarnado apareceu primeiro aos pastores, cujo ofício era desprezado, e cerca de 30 anos mais tarde, ressuscitado, ressurge primeiro diante de uma mulher, estigmatizada na sociedade patriarcal daquele tempo, onde as mulheres tinham muitos deveres e nenhum direito.

Anteontem, revi "Rei dos reis".

Fascinada pelos paramentos, brocados e presentes dos reis magos, a eles, Hollywood dá destaque. Pois, pra mim, na história do nascimento, afora o próprio Jesus, quem reluz mesmo são os pastores. Acho encantador o versículo do evangelho segundo São Lucas que conta que eles foram com grande pressa a Belém. Isso significa que efetivamente creram no anjo. Deram um passo (vários passos) na fé. Foram os precursores da maior audiência que Jesus teve: aquela dos pecadores, doentes e impuros. Por terem quase nada nem serem soberbos ou orgulhosos, constituíam o público perfeito pra acolher a novidade do Deus encarnado que disse: "Há os últimos que serão os primeiros".

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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