O Faro

Tela: Vinterlandskap med domherrar
(Winter landscape with bullfinches)
- 1891 - Bruno Liljefors

A tranquilidade com que a flora
os rigores do inverno, tolera

faz crer que ela já sente à sua volta
o aroma único da primavera.

Paraíso

Tela: The neighbors (1859) , Ferdinand Georg Waldmüller

Para Aliocha

Do céu, não é só o cimo
o único logradouro.
No amante, um pedacinho
dele vive - em cada olho.

Noturno

Tela: Evening (1885-90), Arkhip Kuindzhi

Com passos firmes, falando grosso
sem poupar as sobras do poente -
é assim que o breu chega disposto:
ao que antecedia, indiferente.

Melindre

Foto de David Cyklarz

É só o clima ficar rude,
que se desvanece no chão.
Lidar com as vicissitudes
não é pro dente-de-leão!

Sombra

Foto de LBM1948

Seja direita ou fremente,
tem lealdade evidente
pois anda, a cada um, rente.

Ei-la: obscuro presente
que oferta a todo vivente,
a grande estrela candente!

Flores

Foto de ShidouMariya

Mesmo plácido, se atesta
que ansioso o solo espera
para se vestir de pétalas
(para alguns a primavera
é no outono que começa).

Peregrinação

Tela: Sunset over a Mountain Lake,
Albert Bierstadt (1830-1902)

Por sair de manhã cedinho
numa jornada até o ocaso
e como qualquer andarilho,
no decorrer do itinerário,
ver suas forças se esvaindo
que ao final (já em frangalhos)
numa serra, já mais tranquilo,
o sol vai se pôr - recostado.

Pudica

Tela: Seestück bei Mondbeleuchtung (ca.1840),
Adalbert Stifter

Em toda noite enluarada
quando se expõe assim tão límpida
a lua reza, devotada,
por uma nuvem - mesmo ínfima -
que a encubra na madrugada
pois a distância ninguém cisma
(por não vê-la ruborizada)
o quanto que pode ser tímida!

Fim de jornada

Tela: Evening on Ukraine,
Nikolay Nikanorovich Dubovskoy (1859-1918)

Por mais que atravesse quente
todo o céu - de ponta a ponta -
é com calma além da conta
que o sol se achega ao poente.

Adverso

Tela: Weisshorn von Montana aus (1915), Ferdinand Hodler

Tem dias que até das alturas,
o clima acaba adversário:
de tão excessiva, a quentura,
o céu todo pula num lago.

Dissipador

Foto de Turélio

A ferrugem abraça as ligas
ervas embaçam as vistas
musgos sobem escadarias...
Pra deixar tua rubrica,
Tempo, não economizas!

Ciclo de vida

Foto de RAJESH misra

Começa coisinha miúda
de uma delicada urdidura
que ao chegar à boa estatura
põe-se firme - feito escultura.

O tempo com sua mão bruta
não liga para envergaduras
e lança ao chão lá das alturas
da rosa, a imponente figura.

A designer

Tela: Narcissus (1912), John William Waterhouse:

Não importa a extensão de uma planta:
o compasso da Primavera alcança.
Por mais que o Inverno, em sua trama,
envolva tanto a relva como a rama.

Sempiterna

Imagem: Flowers of Autumn - 17th century -
 Tawaraya Sōtatsu

No meio do outono
a copa florida
ressoa com alarde

quem chegou ao ponto
de não ser visita,
pois nunca mais parte.

Alado

Tela: Chronos and his child (second quarter of 17th century),
Giovanni Francesco Romanelli

Pássaro que à toa
transforma meninos
em velhos curvados.

Não é porque voa
que o tempo, ativo,
não deixa seus rastos.

Selinho

Imagem: Koshu Kajikazawa by
Katsushika Hokusai (1760-1849)

Até mesmo uma montanha
tem o seu lado suave:
se de perto se agiganta
- assume postura grave -
se apequena a distância
disfarçando sob a gaze
o beijo que o céu lhe arranha.

A Lua

Tela: Jaagpad bij Overschie (Towpath near Overschie)
- 1865 - Johan Barthold Jongkind

Toda noite, ninguém sabe
o que ela toma.
Pois não fica escarlate
apenas tonta.
E gira em velocidade
até que tomba
num regato - sem alarde
e sem delonga.

Profissionais

Tela: Summertime (1914), William Kay Blacklock

A realidade dolorosa
não deve embaraçar a meta:
a uma friagem rigorosa,
seguem verão e a primavera
pois as floradas, pressurosas,
despontam sempre à hora delas.

A aula

Tela: Stone age stronghold at Nobbin, Rugen Island
(circa 1820), Carl Gustav Carus

Que é possível ver tantas paisagens
quase sem se mover do lugar
nas alturas, instrui o luar.

Pra nos levar a outras paragens
(cá embaixo, deu-se a aprendizagem)
um tanto de vinho há de bastar.

Passado

Tela: A Desolada (Desolate),
Pedro Weingärtner (1853-1929)

O porvir, imaculado,
traz convite irrecusável
pro que não chegou ainda.

Bem no alto, assinalado
"Se passou, é irretocável"
ao afeito à nostalgia;

no pretérito, vidrado
mesmo que inextricável
pois já se cobriu de cinzas.

Emancipação

Foto de Foxtod

O outono é acolhido com festa
pelas folhas da copa frondosa:
é com barulho que se celebra
quando a árvore está bem-disposta
a abrir mão de cada uma delas,
que partem... Tão longe quanto possam!

Crescimento

Foto de Bhawna Chauhan

O broto tateia e não se acanha:
ao porvir, não se é indiferente.
Mesmo que a estrada seja estranha,
o único sentido é ir em frente.

Destino

Foto de Anthony Rauscher

Do verde às cores intensas,
do garbo às pétalas pensas -
embora saiba das penas
pra rosa não é dilema
manter-se sempre serena
cumprindo todo o esquema:
ao dia de luz intensa
se segue uma sombra densa.

Amanhã

Tela: Young Lady in a Boat (1870), James Tissot

Todos vão para o futuro -
mesmo quem fica de fora.
Mesmo que os passos de muitos
se embaralhem no agora:
os remos presos no fundo
vão se soltar numa hora.

Noturna

Tela: View on Overschie in Moonlight (1872),
Johan Barthold Jongkind

À tardinha, a sombra se alonga
e o peito de alguns fica apertado.
No breu, a melancolia afronta
e acaba cegando para o fato
de que acima uma lanterna aponta
mesmo que seu lume seja fraco.

Boêmio

Tela: Moonlight, Wood Island Light (1894),
Winslow Homer

Tanto tempo por sua própria conta
que não faz diferença se arriscar:
e assim o luar, pegando uma onda,
deixa-se na praia se dissipar.

Soldados

Tela: An der Havel (1898), Walter Leistikow

Quando a Noite chega com artilharia
aos poucos se prostra, rendido, o Dia.
Com oponente forte não se negocia -
nem um armistício, consideraria
deixando de espólio, então, a Tardinha.

A Mesura

Tela: Coucher de Soleil (Sunset)
- 1915 - Hendrik Willem Mesdag

Numa hora, tudo se declina -
seja por pudor ou por cansaço.
A luz também tem a mesma sina
mas pertence a um terceiro caso:
é a sombra que reverencia,
quando se verga inteira no ocaso.

Mercês

Tela: A Lake by Moonlight (1780-1782),
 Joseph Wright of Derby

Deixa uns desconfiados
que servir ao bem-amado
nem de longe é um fardo,

a leveza com que o lago
carrega, desde o ocaso,
a lua no seu regaço.

Gêneses

Tela: Woodland Streaml (1896),
Alexander Demetrius Goltz

Tanta coisa que exaspera
mostra uma melhor defronte:

sem a colisão com as pedras
não haveria o rumor das fontes;

o bê-á-bá da primavera
nas mãos do frio se esconde.

O drink

Tela: Noc księżycowa (Moonlight night)
- 1906 - Józef Marian Chełmoński

O luar é bebida requintada
que deleita paladares múltiplos.

A lua, quando escoa, é democrática:
dá-se às copas e, no chão, aos musgos.

Tiranias

Tela: Holzsammlerin im Herbstwald
(1893), Friedrich Kallmorgen

A natureza todinha
reconhece no Outono
um impiedoso guerreiro:

ele não dá desconto
e ela se desalinha -
tremendo de tanto medo.

Da flor à erva daninha
é total o assombro:
desfolham no chão inteiro.

Sua espada, embainha
só se vem ao encontro
o Inverno (mais violento).

Itinerância

Tela: Joyeux farceurs (The Merry Jesters)
- 1906 - Henri Rousseau

Há tanto tempo faz frio
e não chega a primavera -
caminho não percorrido
se enche logo de relva.

Só não pegará desvio
se a rota, trouxer com ela:
quem quer aguça os instintos,
mantém memória desperta!

Vetustez

Tela: Honfleur dans la brume (1911), Félix Vallotton

Ante uma vista esmaecida
o temor não se justifica:
se uma trilha é bem-conhecida
não faz diferença a neblina.

Cicerone

Foto de canvas123

A estação que a muitos exaspera
só disfarça aquilo que ela é deveras:
enquanto tanto olhar arguto hiberna,
o inverno abre alas pra primavera.

A melodia

Imagem: Study of Dante holding the hand of Love
(1855-56), Dante Gabriel Rossetti

Um som belíssimo domina o espaço
como se fora tão bem-orquestrado
quando uma mão toca... Outra, de alguém.

Sem qualquer destreza nem um preparo
(pode ser mero esbarrão, ao acaso)
e tantas cordas vibram dentro e além!...

Pena que um toque assim executado
é só por uma ouvinte captado:
a que quer o dono da mão Tão Bem!

Dócil

Foto de Andy Roberts from East London, England

Eis um pássaro bem-adestrado:
às cinco em ponto começa o voo
ao meio-dia atinge o pináculo
à tardinha, menos radioso,
vai se inclinar todo até o ocaso -
regressando à gaiola de ouro.

Luiz Inácio (Lula)

Foto: Commander John Bortniak, NOAA Corps (ret.)

Nem quando tomba lá das alturas
um rei abre mão da majestade:
cai suave, erguendo bem a fronte,
ainda com pompa e gravidade -
deixando então como assinatura
traços de púrpura no horizonte.

A impressão

Tela: Solnedgang over romersk landskab
(Sunset on a Roman Landscape)
- 1844-1878 - Thorald Læssøe

Há pouco, o que se chama de Tardinha
(quando a luz, a consistência, perdia
escapando pela fenda do Dia)
teve duração curta, mas precisa
pra se prender numa mente, cativa.

Lonjuras

Tela: Elblandschaft mit Booten im Mondschein (1852),
Johann Anton Castell

A Natureza inteirinha testemunha
que distância não esfria sentimento:
por um Rio, vive caidinha a Lua
ainda que altiva no firmamento.