15 de abril de 2023

O sentido de pertencimento a um povo

Tela: Cristo en la cruz (1675),
Bartolomé Esteban Murillo

A cena que mais me comove no filme "Os Dez Mandamentos", do ano de 1956, é quando, através de um pedaço de pano, Moisés se dá conta de que não é um príncipe egípcio, e sim um escravo hebreu. Aperta o meu coração ver a perplexidade dada à personagem pelo ator Charlton Heston diante dessa descoberta, trazida por aquele pano de confecção hebreia. Pano que, segundo uma testemunha, o envolveu quando chegou ainda bebê das águas às mãos da filha do faraó.

Embora essa cena não conste na Bíblia - já que a Sagrada Escritura não conta como Moisés descobriu a sua verdadeira identidade -, ela ilustra um momento crucial: a aquisição de um senso comunitário. Moisés pertencia àquele povo escravizado no Egito. E assumiu a sua nova identidade a ponto de, anos mais tarde, confrontar o faraó em prol da libertação do seu povo.

Muito tempo depois, outra judia (como passaram a ser chamados os hebreus) demonstrou o mesmíssimo senso. Era a filósofa alemã Edith Stein. 

Convertida ao catolicismo após ler o Livro da Vida, autobiografia da santa espanhola Teresa de Ávila, tornou-se freira carmelita no ano de 1938, véspera do início da Segunda Guerra Mundial. Ante o recrudescimento do nazismo, é transferida de um convento na Alemanha para outro (supostamente mais seguro) na Holanda. 

Nessa época, imbuída do senso de pertença à sua comunidade, escreve, em uma carta a amigos, que deseja compartilhar o destino de seu povo: "Tive a intuição de que Deus estava mais uma vez agravando Sua mão sobre Seu povo e que o destino desse povo também era o meu". Assim aconteceu: em 1942, uma vez retirada do convento holandês pela Gestapo, a polícia opressora alemã, Edith Stein morre no campo de concentração em Auschwitz, na Polônia.

Quero agora lembrar um outro judeu célebre, que também demonstrou com Sua vida o pertencimento comunitário: trata-se de Jesus Cristo.

Ele também Se identificou com a sorte do Seu povo. Uniu-Se a ele, comungando de suas alegrias (como na festa em Caná) e dores (ante a morte daquele que amava, Lázaro); esperanças (quando leu um trecho do livro do profeta Isaías na sinagoga em Nazaré) e decepções (diante da relutância dos fariseus em entender a Sua mensagem). Tanto Ele Se uniu, que aceitou até passar pela morte. Depois de três dias, ressuscitado, instou Seus discípulos a ensinarem e pregarem "em todas as nações". Para o judeu Jesus, a humanidade inteira era a Sua comunidade.

Dia desses, o YouTube me indicou uma pregação em uma igreja batista para eu ver. Cliquei. Ao final do culto, o pastor convidou alguém para subir ao púlpito e dar o seu testemunho. Era um jovem de 20 anos de idade, que acabava de chegar do Nepal. A partir de fotos que eram mostradas em um telão, esse jovem ia contando que foi àquele país, que havia sofrido um terremoto, a fim de construir uma casa para uma família. 

Após falar sobre sua permanência lá, observou que muitos jovens como ele seguem um padrão: formar-se numa faculdade, conseguir um emprego, ter um carro, comprar um casa, formar uma família. É com isso (só isso) que sonham. Não há abertura para O Outro. Hoje em dia, parece que se contam nos dedos das mãos quem - como Moisés, Edith Stein e o próprio Jesus - tem senso comunitário. O sentido de fazer parte de algo além do núcleo familiar: o pertencimento a um povo.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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