13 de abril de 2011

Você tem a noção de onde está? E para onde vai?

A distração "embaça" o momento presente e nos faz assistir à missa
ou levar a vida em "um mundo paralelo", sem desfrutar do Aqui e Agora.
As consequências de viver distraído, você lê neste Post d'A Católica

Girl with a Book - 19th century - Almeida Júnior

Assisti na TV a um vídeo muito engraçado de uma mulher caindo na água, no meio de um shopping center. Conforme a reportagem da Globo News, que foi ao ar na manhã dessa terça-feira, dia 12 de abril, o incidente ocorreu no estado da Pensilvânia (EUA). O portal G1 relata que foi em Berkshire (Inglaterra). As câmeras de segurança do estabelecimento filmaram-na distraída, andando de celular em punho, quando sem perceber... Tchbum! Caiu de roupa, bolsa e tudo em uma fonte no meio do corredor.

Às vezes, a distração resulta apenas em ter a cabeça, os pés e os documentos encharcados - nada além disso. Noutras, seus danos são bem maiores.

Coincidentemente, para o mesmo dia em que a reportagem sobre o "mergulho no shopping" foi ao ar, o canal de TV a cabo Sony anunciou a estreia de uma nova série: Body of Proof. Segundo a chamada nos intervalos comerciais, trata-se da história de uma cirurgiã bem-sucedida, que se viu obrigada a "mudar de carreira" depois de se envolver em um gravíssimo acidente no trânsito: um caminhão se chocou com o seu carro, porque ela estava (adivinhe) distraída, conversando ao celular.

A reportagem jornalística e a série de ficção me levaram a pensar sobre a distração. DISTRAÇÃO. De acordo com o dicionário, a palavra tem dois grandes significados: 1º) divertimento, recreio e 2º) falta de atenção. Neste Post d'A Católica, vou me deter no segundo sentido, que pode ser sintetizado assim: "Distração é estar em um outro lugar, que não é o 'aqui e agora'".

Você, a torcida do Cruzeiro ou a do Galo (sou de Minas Gerais, UAI) e eu nos distraímos o tempo todo. Alguns exemplos: é notória a falta de atenção de um homem, quando a mulher propõe "discutir a relação": enquanto ela fala, a mente dele divaga... Na fila do supermercado, já ouvimos uma das moças do caixa berrar: "Próximo!". E, de novo, "Próximo!", quando "o próximo" da fila estava longe, com os braços estendidos sobre as compras no carrinho, pensando em outra coisa, em um outro lugar...

O engraçado é que, algumas vezes, a nossa distração é diretamente proporcional à atenção que a situação requer. Por exemplo: é absurdamente mais fácil nos distrairmos durante uma aula de Matemática ou uma explicação importante do professor no curso em que nos inscrevemos, do que no cinema, comendo pipoca, bebendo guaraná e assistindo ao novo filme do brasileiro Carlos Saldanha, Rio.

Distrações ao longo da Santa Missa, então, são frequentes. Uma vez, eu estava absorta, ouvindo o padre recitar as orações após a consagração do pão e do vinho, e um paroquiano ao meu lado me cutucou com seu palm top (espécie de computador de mão), perguntando: "Quando é que você faz aniversário?...".

Fotografia de Petr Kratochvil
Há as ocasiões em que não é preciso a ação direta de terceiros para os nossos pensamentos vaguearem, feito barco de papel ou uma folha solta no curso d'água, ao sabor do vento.

O padre está lá na frente, dedicando-se à homilia ("exortação religiosa fundada num ponto do Evangelho"), e a gente cá atrás "refletindo" que a moça no terceiro banco da fileira do meio veio com uma blusa cavada demais. Ou que, depois da missa, teremos que passar no supermercado, a fim de comprar azeitonas. Pretas. Não, recheadas com pimentão vermelho. Não. Verdes e descaroçadas. Dois potes. Não. Um só, que azeitona tem gosto forte e sempre sobra... (E o padre adiante. Falando para as paredes.)

Fotografia de Andrevruas
A distração é como uma janela embaçada: a realidade está ali, do outro lado, contudo o vidro turvo e fosco me impede de usufruí-la adequadamente. Eu enxergo a realidade, mas não a vejo direito. Eu a ouço, mas não a escuto de verdade. E, assim, vou vivendo entre dois mundos sem me entregar a nenhum por inteiro. No final do dia, a sensação é desconfortável: parece que não o vivi. Que passei por tudo, pelas 24 horas, sem sentir.

Há pais que têm essa impressão. Um dia, se dão conta de que os filhos cresceram "e nem viram".

Viram sim. Só que estavam distraídos. Em vez de olharem para as crianças, realmente brincarem com elas, levarem-nas para passear, perguntarem como foi o dia ou a semana na escola, escolheram abstrair-se na TV, no futebol, no jornal, na cerveja, no computador, nos amigos. Distraíram-se do desenvolvimento de sua prole, que um dia sairá de casa. E aí, vão se ver sozinhos. Tão sozinhos, que considerarão adotar outros filhos, a fim de verem se, desta vez, serão mais bem-sucedidos. Lê-se: mais presentes. (É claro, internauta, que nem todo caso de adoção se explica por isso.)

Esta é a questão: a distração nos atrapalha a estar no melhor lugar do mundo que, como entoa o baiano Gilberto Gil, "é aqui e agora".

O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora

Aqui, onde indefinido
Agora, que é quase quando
Quando ser leve ou pesado
Deixa de fazer sentido

Aqui, onde o olho mira
Agora, que o ouvido escuta
O tempo, que a voz não fala
Mas que o coração tributa

Aqui, onde a cor é clara
Agora, que é tudo escuro
Viver em Guadalajara
Dentro de um figo maduro

Aqui, longe, em Nova Deli
Agora, sete, oito ou nove
Sentir é questão de pele
Amor é tudo que move

Aqui perto passa um rio
Agora eu vi um lagarto
Morrer deve ser tão frio
Quanto na hora do parto

Aqui, fora de perigo
Agora, dentro de instantes
Depois de tudo que eu digo
Muito embora muito antes

O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora

Distrair-se é diferente de descansar. O descanso e o desligamento da rotina, que ele promove, são legítimos e saudáveis.

Rest at Harvest (1865), William-Adolphe Bouguereau

No descanso, eu me distraio (no primeiro sentido dessa palavra, conforme visto no início deste Post), ou seja, eu me divirto. Ouço todo o novo CD de Márcio Todeschini (Deus vai Além), e não fico com a sensação incômoda de haver "perdido o meu tempo". Na adolescência, eu gastava horas escutando The Beatles, Madonna, Elis Regina e muita Música Popular Brasileira (MPB) e me sentia leve, estimulada, restaurada. Enfim, "pronta para outra". Para a vida. (Sobre a delícia de parar e descansar, confira outro Post d'A Católica: il dolce far niente: ficar à toa é um barato!).

Já a distração, porque me faz estar em dois lugares ao mesmo tempo - aquele em que meu corpo se encontra e aquele ao qual a minha mente me leva -, rouba a minha energia, me enfastia, me entristece. No final da Santa Missa ou da reunião de que participei sem prestar a atenção, me sinto horrível. Não vivi o momento e ele... Passou. Fora os casos em que ela é responsável por acidentes graves, que mudam bruscamente a vida de alguém - como retrata a série de TV Body of Proof.

Daí a pergunta que o título deste Post faz: "Você tem a noção de onde está? E para onde vai, Ana Paula?". E você, internauta: "Você tem a noção de onde está? E para onde vai?". Faltam-me anos para atingir a chamada "meia idade" ou a velhice. Tudo o que sei é que não quero chegar aos 80 anos com a sensação desconfortável, incômoda, horrível de haver me distraído e deixado a vida me levar de qualquer jeito, sem viver os momentos (cada um deles) de verdade. Inteira em cada instante. Numa dicussão, na fila do supermercado, na missa, com meus (futuros) filhos. Como tem que ser.


~Ana Paula~A Católica
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