Pela primeira vez na história do Brasil, alguém invade uma escola para cometer um massacre contra crianças em salas de aula Fotografia de Petr Kratochvil |
Sei de cor o nome de todas as professoras e de todas as escolas nas quais estudei. A primeira era "Palhacinho Dengoso". A última, "Salesiano". Foram várias. Meus pais, minha irmã e eu nos mudamos muito, até de cidade. Daí, a variedade. Eu amava cada uma das minhas escolas. Os colegas eram "meus melhores amigos". As professoras, "tias" - mesmo quando há muito eu já havia passado da idade de chamá-las assim. E as instituições em si, as casas ou prédios onde as escolas funcionavam, eu as considerava como "mães".
As escolas nas quais estudei foram minhas "mães" também. Seus tijolos, corredores, pátios, concretos, estrutura e tímidos jardins com parcas rosas me abraçavam, me envolviam, me acolhiam, me amavam.
Nunca mais quero retornar a nenhuma delas. Porque chorarei à beça. Assim como um filho tem o cheiro da mãe e a mãe, do filho, visitar alguma das escolas onde estudei me fará encarar as minhas impressões nas paredes, nas carteiras, nos quadros negros (que na verdade eram verdes). Não sei se estou preparada para rever todas essas marcas. Sinais de quem eu fui e não tornarei a ser.
Hoje, 7 de abril de 2011, um ex-aluno pensou diferente de mim. Ele quis retornar. Aos 23 anos de idade, quis encarar de novo os tijolos, os corredores, os pátios e os concretos. Os tímidos jardins e as parcas rosas. Por volta das 8h da manhã, teria alegado a uma professora que faria uma palestra na instituição: Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro - daí a visita inesperada. Porém, ele estava armado. Dois revólveres calibres 32 e 38 e bastante munição.
Entrou em uma sala de aula e atirou. Cabeças e tórax de crianças com idades entre 11 e 14 anos, conforme as primeiras informações, foram o seu alvo. Também segundo as primeiras notícias, sua intenção era ir ao andar de cima, a fim de continuar a chacina. Entretanto, foi surpreendido por um policial, que dois meninos feridos haviam ido à rua chamar. Seu nome seria Sargento Márcio Alves, de acordo com o portal G1. O militar foi recebido a tiros e atingiu a perna* do jovem, o qual acabou se matando ao alvejar a própria cabeça.
A imprensa divulgou que, até as 17h desta tarde*, dez meninas e um menino morreram e dez meninas e três meninos ficaram feridos.
Psiquiatras forenses são ouvidos nas emissoras de TV aqui no Brasil. O visitante inesperado, responsável pelo crime, seria psicopata? Psicótico? Esquizofrênico, talvez? Há a possibilidade de que teria sofrido o que hoje se denomina bullying (mas que no meu tempo de escola era covardia e falta de educação mesmo). Em uma coisa, polícia e especialistas concordam: a tragédia foi premeditada. O moço saiu de casa preparado para matar. Uma carta suicida foi achada consigo - partes do conteúdo foram reveladas.
Ele podia ter ido a uma praça, a um shopping center, a uma universidade qualquer para cometer o seu ato insano. Contudo, escolheu aquela escola específica, da qual já foi aluno. Por quê? Para mim, embora leiga, muito leiga em psiquiatria, parece que a escola, no seu ponto de vista, não lhe teria sido uma mãe. "Mãe" no melhor sentido da palavra: alguém que abraça, acolhe, envolve e ama. Ou, pelo menos, não a percebia assim: como um ambiente seguro, feliz. Daí, teria partido para a vingança, a destruição.
Na TV, uma criminóloga afirmou, embasada no conteúdo da carta suicida e no perfil do jovem, que muito provavelmente ele sofreu na escola. Bullying é bastante mencionado. Nem todo mundo que enfrenta ou enfrentou a perseguição e a gozação de colegas vai se transformar em um assassino em massa, como o rapaz de 23 anos. No entanto, aqueles que têm predisposição genética para desenvolver psicopatias - como indica ser o seu caso - podem ter no bullying um estopim que detonará anos depois.
Um especialista em segurança, também ouvido em um programa jornalístico na TV, garantiu que não há como impedir uma pessoa que está determinada a executar um crime desses. Se houvesse um segurança na porta da escola no Rio de Janeiro, o atirador o teria rendido. Além do quê, o fato de ser lembrado e reconhecido como ex-aluno facilitaria (como facilitou) a sua entrada no prédio.
Resta a dor dos pais. Como a de uma mãe, desesperada, que vi gritar trêmula em frente à escola pelas imagens da televisão: "Minha Nossa Senhora, meu filho! Meu filho! Meu filho morreu!".
Resta o clamor pela sensibilidade de colegas e educadores para detectar aquele estudante que vem sendo vítima de exclusão, de piadinhas e até de agressões.
Resta aos pais, Mãe e Pai, assumirem a responsabilidade pela formação de seus filhos. Não darem as costas e acharem que o caráter de alguém se forma sozinho. Por outro lado, há pais preocupados em "ensinar" o filho a não apanhar na escola, a se defender, ou melhor, a revidar um tapa, um soco. Preocupados em criar "valentões", que jamais serão intimidados. O episódio de hoje, inédito na história do Brasil, mostra que deviam se dedicar a educar as crianças para a Compaixão. A Misericórdia. O Amor.
Fotografia de Petr Kratochvil |
Eu tive uma mãe para me dizer que não se deve "diminuir" alguém, principalmente na frente dos outros. Que não se deve rir de um amigo que é repreendido, nem discriminar pessoas por qualquer motivo que seja: somos todos iguais diante de Deus. Importante também é procurar fazer amizade ou trazer para o centro aquele colega mais isolado, que se mostra inibido. Será que se tivesse tido isso, essa aceitação, o rapaz teria guardado (o provável) rancor da escola e cometido o crime? São pensamentos que me vêm. A hora é de rezar e... Refletir.
P.S.*À noite, a mídia brasileira atualizou os números: dez meninas e dois meninos morreram no massacre - doze vítimas fatais ao todo. No dia 12 de abril, o Instituto Médico Legal (IML) elucidou que o policial baleou o abdome, e não a perna do atirador.
~Ana Paula~A Católica