18 de abril de 2011

Um ano sem o poeta Raul Camargo

Neste Post d'A Católica, você confere 2 poemas inéditos
desse artista sensível (um sobre o computador e outro sobre o amor)
e contempla lindas imagens de rosas amarelas - as preferidas dele

Fotografia de Ivagner

Há um ano, mais exatamente no dia de Santo Expedito, deixava o mundo aos 96 anos de idade incompletos o Poeta Raul Camargo. Para homenageá-lo, A Católica apresenta dois poemas de sua autoria. Ainda não publicados. Você mesmo, internauta, vai poder apreciar o seu talento e prová-lo por si.

Meu relacionamento com esse ser humano singular e artista adorável, já o demonstrei em Post anterior do Blog. Neste, deixo a palavra com os editores do livro Poetas Brasileiros de Hoje (Shogun Editora e Arte, 1986) e com o médico Christian Marcellus, primeiro das dezenas de netos do homenageado.

Segure o coração. Prepare-se para dois aperitivos da sensibilidade de quem vivia para fazer poesia, amar e rezar pela numerosa família.

No primeiro poema, há uma descrição cheia de humor e lirismo da influência da informática nas pessoas e no mundo - isso, em pleno início dos anos 1990, quando o uso do computador pessoal (pelo menos no Brasil) não estava disseminado. No segundo, Raul Camargo nos delicia com um singelo tête-à-tête com a amada (imaginária?) sobre os sentimentos que nutria por ela.

Que Deus o tenha. Dai-lhe, Senhor, o descanso eterno e que a luz perpétua o ilumine.

Este Post d'A Católica é dedicado a você, que também já perdeu um ente querido. Saudade é pouco para definir o que fica, quando alguém que faz Toda a Diferença parte para o abraço eterno de Deus. Nosso Pai.

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Fotografia de David Wagner

Raul Camargo pelos editores de Poetas Brasileiros de Hoje:

É flumineiro [nasceu no estado do Rio de Janeiro, mas era mineiro de coração]. Gosta de escrever inspirado no amor, na vida, na natureza. Tem 12 filhos, a quem dedica muito das suas obras. É um sonhador e faz dos seus poemas uma forma real do seu viver...

Raul Camargo pelo primeiro dos incontáveis netos, Dr. Christian Marcellus:

Bem, seu Raul, chegou a hora de parar e olhar para trás. Nossa, foram tantas emoções e delírios...
Aventurar-se pelos sertões, enfrentando as condições mais duras, na luta pela sobrevivência e levando a possibilidade de tratamento para as pessoas menos favorecidas, nos mais distantes grotões.


Casar, constituir família e ter 13 filhos*.
Que loucura!!! Como conseguir unir gênios tão diferentes, passar para tantos: alimentação, educação, moradia e, apesar de tantas limitações, a cultura.


Buscar a formação acadêmica e se formar aos 64 anos de idade, enquanto a maioria das pessoas nessa idade já estava se aposentando.
Perder a visão e não se deixar abater. Continuar escrevendo, gravando e mantendo a mente sempre ativa, mesmo na ausência da luz.


Realmente foram vários delírios.

Você se intitulava um sonhador, mas foi, na verdade, um lutador que soube vencer várias adversidades ao longo desta extensa caminhada.
Porém, acima de tudo, foi o exemplo de superação. O que mais me admira é a sua ternura e carinho. Como sentiremos falta de suas palavras, sempre acolhedoras e de bom humor!


O seu legado foi muito maior e não é possível resumi-lo em poucas palavras.
Entretanto, fica o registro e o reconhecimento das pessoas "privilegiadas" que tiveram a oportunidade de caminhar contigo.


Fotografia de Heather Paris

Dialogando
(fragmento. Janeiro de 1990)

O computador
está muito para o homem;
a computação
está bem mais, para a mulher.

Que importa
se computam a dor?...
Se, como se quer,
Computem - também -
o amor...
do nosso bem?

- O efeito de computar
é um grave defeito?

- Quem faz cômputos
- a nado - com efeito
é um defeito, se...
estiver... errado.
Mas, por muitos calculados,
o defeito inexiste.

- E o cérebro humano computa?

- Este é o primitivo
computador. A mente
computa graças à oxigenação.
O eletrônico
- que depende da patente -
não tem... coração.
Com vida eletro-plena,
não respira, não oxigena.

O homem calcula, orça
pula; a isto se escraviza.
Com a computação na alma,
guarda números,
falas, fatos.
Por que há de ser assim?
É a tal história. Por que...
perde-se a memória.
Ou, por que teme a traça?
Que não se engraça,
não troça e traça?

Agora, tudo - nesta
evoluída hora -
se faz eletronicamente.
Vai daí, se digita tudo
por aí.

Além disso...
digita-se o crime, a loteca,
a sena,
a loto, o diabo da breca,
e, até, o jogo do bicho.

Fotografia de Bobby Mikul

Adoração
(Poema de 1992 - ano em que perdeu a visão)

Não,
eu não te amo.

Se pensas que te amo,
porque...
ao te tocar a mão
a minha treme toda.

Se pensas que te amo,
porque...
ao beijar-te
eu me rendo todo,
aos encantos que a mim...
dispensas.

Se pensas que te amo,
que isso me agrada,
que o faço por amor,
é que,
em verdade,
não resisto nada
a um encantador olhar.

Não pensas que te amo.

De fato,
eu sou assim.
O que queres...
de mim?

Daí... é que,
sinceramente,
sem pensar no tédio,
não creio que se ame... Amplamente
(por remédio.)

Não,
assim eu não te amo,
mas, creias,
também eu não deploro.

É que, por mais...
que faça,
que esconda,
em verdade... Sim,
eu não te amo.
Simplesmente...
EU TE ADORO!

Imagem de Petr Kratochvil

Fotografia de Ivagner

P.S. *Raul Camargo teve 13 filhos, e não "apenas" 12. O primogênito, Lamartine, morreu antes do primeiro ano de vida.


~Ana Paula~A Católica
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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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