Uma vez Padre Léo disse (em uma de suas palestras) que teve “uma visão” do Inferno. Ele era um enorme tapete vermelho. Enorme. Muito comprido. Quando chegou mais perto para ver de que trama era feito, qual o tecido usado, descobriu que a confecção consistia em milhares de línguas de “gente fofoqueira”. Umas costuradas às outras. Após o seu relato, pediu à audiência cuidado, para que a língua de cada um deles, num dia, também não fosse parar lá. Naquele tapete vermelho.
Eu já fiz bastante fofoca. E fui vítima de inúmeras. Graças a cada uma delas, fofocas que eu fiz e que fizeram de mim, acabei perdendo a vontade de me relacionar, com mais profundidade, com gente que eu estimava. Me afastei, me distanciei, a ponto de não ter ânimo de estar com aquelas pessoas. Em resumo: a fofoca destroi a convivência. Esfria o amor.
E sabe o que é mais irônico?
Sem nenhuma exceção: incluindo eu mesma, a Bloggueira que lhe escreve, todas as pessoas que eu vi envolvidas em “leva e traz” são religiosas. Algumas, católicas apostólicas romanas como eu. Outras, espíritas kardecistas. Nenhuma sequer era ateia. Isso pode se dar, porque meu círculo de relacionamentos, hoje, não envolve (que eu saiba) alguém que descrê de Deus. Por outro lado, se meu círculo é formado por pessoas que têm uma crença, por que tanta fofoca?
Recentemente, adquiri o livro A Essência das Religiões (Martin Claret, 2005). Já na página 19, vem escrito: “Regra áurea (Segundo as Dez Grandes Religiões do Mundo)”.
Se ainda não sabe, internauta d’A Católica, pasme com isto: conforme a obra, a “regra áurea”, ou seja, a regra de ouro para todas as Grandes Religiões é esta: Não faça aos outros aquilo que não quer que façam a você OU Faça às outras pessoas somente aquilo que espera que façam a você. O livro traz essa regra na perspectiva de cada uma das dez denominações religiosas (Cristianismo, Budismo, Hinduísmo, Islamismo, Judaísmo, etc.), contudo o conteúdo é o mesmo.
Vamos por partes.
Ainda segundo aparece em A Essência das Religiões:
O terceiro elemento característico de toda religião é o estabelecimento, mais ou menos coercitivo, de normas de conduta do indivíduo ou do grupo no que se refere a Deus, a seus semelhantes e a si mesmo. O primeiro comportamento exigido é a conversão ou mudança para um novo modo de vida. Com relação a Deus, destacam-se as atitudes de veneração, obediência, oração e, em algumas religiões, o amor. Na conduta no âmbito da esfera humana entra, em maior ou menor medida, um sistema de normas éticas.
Ética, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, é o “conjunto de preceitos sobre o que é moralmente certo ou errado”. Fofoca, conforme o mesmo dicionário, é “comentário maldoso sobre a vida alheia; mexerico”. Também: “afirmação sem bases concretas; especulação”. Mexerico, ainda segundo o Houaiss, é: “intriga”. Intriga, entre outros sentidos, significa “cumplicidade para prejudicar alguém”. Eis a pergunta que faço:
Se ser religioso implica aprender e praticar “um sistema de normas éticas”, se somos (ou nos dizemos) religiosos e se a fofoca consiste em um comportamento “maldoso”, por que católicos e espíritas kardecistas - por exemplo - reúnem-se em grupinhos durante festas de aniversário ou almoços de domingo para fofocar?
O! die Gerüchte (em alemão: Oh, os Boatos!) - 1939 - Paul Klee |
Já me vieram, sem mais nem menos, em um encontro dominical, contar que determinada pessoa estava “falando mal de mim”... Para quê a portadora dessa fofoca me comunicou isso? O que a fofoqueira ganhou ao me expor que fulana “estava falando mal de mim”? Eu sei o que eu “ganhei”, internauta: fiquei ressabiada com a fofoqueira e indisposta com a fulana.
O que quero dizer é: nós saímos por aí, com a desculpa de “alertar” ou “ajudar”, jogando uns contra os outros. Isso é terrível. É criar uma guerra silenciosa.
Sem dizer o porquê, de repente, alguém para de frequentar os eventos familiares, para de telefonar nos aniversários, deixa de convidar este ou aquele parente para as suas próprias festas, vai se afastando... Alguns começam a elucubrar: “Por quê? Por que isso está acontecendo? Por que a beltrana sumiu?”. Silenciosamente, a vítima da fofoca some. Não comparece mais aos encontros. Ela não toma satisfação com o outro lado. Raramente nós vamos até quem falou mal de nós para (re)construir o entendimento. Ficamos magoados e... Só. O fofoqueiro conseguiu: criou a desunião. A guerra silenciosa.
O espaço familiar é apenas um dos vários exemplos. Essa situação também ocorre em outros ambientes, como na própria igreja ou no centro espírita.
Por isso, a fofoca precisa morrer em mim (como dizemos aqui no Brasil). Eu a ouço e me calo. Não passo adiante. Se ouvi uma prima falar mal de outra prima, eu não “transmito” o recado. Morre em mim. Se presenciei alguém do Grupo de Oração emitir uma opinião desfavorável sobre o padre ou um integrante do grupo, morre em mim. Se um médium do Grupo Espírita anda maldizendo uma pessoa que o deixa descontente, porque ela chega atrasada às reuniões ou por outro motivo qualquer, escuto e morre em mim. Simples assim. Vamos nos (re)educar para O Silêncio, e não para a guerra silenciosa.
Nós nos horrorizamos com crimes hediondos como o massacre na escola do bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, e pichamos o muro da casa do atirador com dizeres como: "Assassino!". Porém, alguns de nós não veem que também estão matando e destruindo: só que, em vez de armas de fogo, utilizam a própria língua para provocar ressentimentos e dizimar famílias e grupos. São duas maldades, apenas em graus bem diferentes. Será que você ou eu nos encaixamos nesse perfil fofoqueiro e demolidor?
Todos esses pensamentos me vieram depois que li a belíssima Terceira Prédica de Quaresma de Padre Raniero Cantalamessa ao Papa Bento XVI e aos cardeais da Cúria Romana (para definição do termo Cúria, consulte a página ABCatólica). A agência de notícias internacional Zenit divulgou-a na íntegra nesse domingo, dia 10 de abril. Uma leitura que recomendo: você não vai perder o seu tempo nem se arrepender. No final da prédica (que é um “discurso religioso”), o padre pontua:
São Tiago admoesta: “Não faleis mal uns dos outros” (Tg 4, 11). A fofoca parece ter virado coisa inocente, mas é uma das que mais poluem a vida em grupo. Não basta não falar mal dos outros; precisamos também impedir que os outros o façam em nossa presença; fazê-los notar, mesmo que silenciosamente, que não estamos de acordo.
Como é diferente o ar que respiramos num ambiente de trabalho ou numa comunidade quando levamos a sério a admoestação de São Tiago! Em muitos locais públicos está escrito “Aqui não se fuma”. Antigamente havia até alguns avisos de “Aqui não se blasfema”. Não faria mal acrescentar, em alguns casos, “Aqui não se fofoca”.
Dorfklatsch in Dalmatien (em alemão: Fofocas na Dalmácia) - 1913 - Emil Orlik |
Um dos objetivos do mexerico, ainda que o fofoqueiro não se dê conta disso, é diminuir o receptor do recado: “Olhe, Ana Paula, tem alguém falando mal de você...”. Na verdade, nas entrelinhas, ele quis dizer: “Você não é tão boa. Tem gente que despreza você...”. Assim, algo que pode nos estimular a romper o hábito vicioso da fofoca é encarar a possibilidade de não sermos tão sensacionais quanto nos julgamos ser. E de o meu Próximo ter os seus méritos. A humildade gera a estima pelo outro e a estima nos detém de fofocar. Padre Cantalamessa explica:
Para estimar o irmão, é preciso não estimar demais a si mesmo, não ser sempre seguro de si. É preciso, diz o Apóstolo, “não ter uma visão alta demais de si próprio” (Rm 12, 3). Quem tem uma ideia muito alta de si mesmo é como um homem que, à noite, tem diante dos olhos uma fonte de luz intensa: não consegue ver nada além dela; não consegue ver a luz dos irmãos, seus dotes e seus valores.
“Minimizar” deve se tornar o nosso verbo preferido nas relações com os outros: minimizar os nossos destaques e minimizar os defeitos alheios. Não minimizar os nossos defeitos e os destaques alheios, como somos tantas vezes levados a fazer; é diametralmente o oposto!
Internauta, termino este Post d'A Católica lembrando o início da prédica do padre: temos a obrigação de AMAR.
Na religião que se diz cristã e, especialmente, que se intitula católica, Amar o Próximo não é uma opção. É dever. E não basta amar friamente. Nas palavras de Cantalamessa: “O cristão, dizia São Pedro, é quem ama ‘de coração sincero’”. Ele prossegue: “Para ser genuína, a caridade cristã deve partir de dentro, do coração. E as obras de misericórdia, ‘das vísceras da misericórdia’ (Col 3, 12)”.
Que nos sirva de inspiração: de acordo com o padre, o "novo mandamento" de Jesus não é amar o próximo como a nós mesmos, e sim como Ele nos amou (Jo 15, 12). Se tenho que amar o outro como Jesus me ama, então preciso me esforçar muito, porque o Seu exemplo exige de mim mais, bem mais, do que ando oferecendo... E você?
~Ana Paula~A Católica