28 de janeiro de 2011

Tomás de Aquino: manso e mudo

"Tomás acreditava que 'para conhecer qualquer verdade a humanidade
precisa do auxílio divino, a fim de que o intelecto seja movido por Deus'."
(Os Cristãos - Um História Ilustrada, 2009)

Ouvi falar de São Tomás de Aquino desde sempre. Ele é o autor da notória Suma Teológica (referida mais à frente) e sempre me inspirou temor e respeito. Mais temor do que respeito. Tipo: "Ah, Tomás de Aquino, o gênio intelectual, dotado de uma sabedoria inalcansável". Difícil rezar para alguém assim, né?

É que nós, católicos, gostamos de tratar os santos como nossos amigos íntimos (dê uma olhada no Post Não deixe para amanhã: grite HODIE!) e pedir a intercessão de um santo tão sério, aparentemente tão distante quanto São Tomás de Aquino, me parecia inconcebível. Melhor procurar Santo Antônio de Pádua ou São Francisco de Assis - mais singelos, mais perto da gente, mais "pés no chão", não é mesmo?

Ocorre que... Mudei de ideia. Dois anos atrás, adquiri o excelente livrinho São Tomás de Aquino (Artpress, 2005) e terminei a leitura devotíssima do santo italiano. Descobri que ele foi um homem de intensa oração e muito afeito à Nossa Senhora. E que sua humildade era tal, que atribuía ao Espírito Santo todos os frutos do seu trabalho intelectual. Apaixonei-me pela passagem a seguir, que quase virou epígrafe da minha monografia.

Nota: epígrafe são "pensamentos retirados de um livro, uma música, um poema, normalmente relacionado ao tema do trabalho, seguida de indicação de autoria" (Padrão PUC-Minas de normalização: normas da ABNT para apresentação de trabalhos científicos, teses, dissertações e monografias, 2008). Meu trabalho, escrito para um curso de Especialização que fiz, foi entregue em 2010.

Eis o trecho que me fez encantar pelo santo:

[Ele] nunca se dava ao estudo ou à composição antes de haver, pela oração, tornado Deus propício a si; e confessa com candura que tudo que sabia devia-o menos ao seu estudo e ao seu próprio trabalho, do que à iluminação divina.

Isso é encantador! Sabe por quê? Porque, como o poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994) sintetizou:

Teologia

A teologia é o caminho mais longo para chegar a Deus.

Em alguns casos, isso é verdade. João Paulo I, Papa de 26 de agosto a 28 de setembro de 1978, logo antes de João Paulo II, afirmou: "Os teólogos falam muito sobre Deus. Eu gostaria de saber com que frequência eles falam com Deus" (Introdução à Teologia, Paulus, 2004).

São Tomás de Aquino foi exímio teólogo, ou seja, alguém versado na ciência da fé e das coisas divinas: seu pensamento "foi e continua sendo a base dos estudos filosóficos e teológicos dos seminaristas desde os seus tempos até nós" (Um Santo para Cada Dia, Paulus, 2006). E o bonito é que esse seu empenho e dedicação em falar sobre Deus não o atrapalharam a estar em diálogo constante com Ele.

El triunfo de Santo Tomás Aquino (1631), Francisco de Zurbarán.
Fonte: The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei

Outra faceta adorável deste santo, e que também aventei acima, é a veneração especial que dedicava à Nossa Senhora. Conforme o livrinho da Artpress, escrito por Plinio Maria Solimeo:

Tem muita devoção aos Santos, trazendo sempre consigo uma relíquia de Santa Inês [virgem e mártir, que viveu no início do século IV], com a qual opera vários milagres. Sua devoção para com a Santíssima Virgem Maria não tem limites. Sempre a põe como medianeira junto a seu Filho, e antes de morrer afirma que nunca houve coisa que pedisse por meio dela que não lhe fosse concedida.

Ao me dar conta de tudo isso, São Tomás de Aquino foi se aproximando de mim e eu fui me aproximando dele. Sem receio. Com alegria, fé e coragem! Desse modo, internauta d'A Católica, eu convido você: hoje, 28 de janeiro, dia em que a Igreja recorda e celebra a sua vida, vamos conhecê-lo um pouco melhor? Juntos?

O santo nasceu em Aquino (na Sicília, Itália), em 1226, no seio de uma família nobre e rica. Segundo Os Santos do Calendário Romano (Paulus, 2007), "desde a infância (...) foi um buscador de Deus". Plinio Maria Solimeo confirma:

Muito reflexivo e recolhido, o menino passa longo tempo pensando. A um frade que lhe pergunta sobre o que pensa, responde com a pergunta que mostra suas cogitações infantis: 'Que é Deus?'. Não é isso inquietação de dúvida, mas ansiedade crescente de saber e amor esforçado da verdade. A essa questão ele responderá mais tarde como ninguém o fará.

Muda-se para a cidade de Nápoles, a fim de estudar. De acordo com Catolicismo para Leigos (Alta Books, 2008), seus pais "esperavam que, se ele não demonstrasse talentos para ser um cavaleiro ou um nobre, ao menos poderia chegar a ser abade ou bispo e assim dar mais prestígio e influência a sua família".

Porém, aos 18 anos de idade e contrariando os desejos dos parentes, o jovem Tomás decide ingressar na ordem mendicante dos Frades Pregadores, conhecida como dominicanos. Sua meta, conforme Os Santos do Calendário Romano, era "pôr em prática o carisma de São Domingos [1170-1221]: 'Pregar a Palavra de Deus ardentemente contemplada, solenemente celebrada e cientificamente indagada'".

Pede a admissão na Ordem e é aceito. Contudo, e apesar da morte do pai, mãe e irmãos tramam impedi-lo. Tomás é sequestrado e fica 15 meses detido - uma "pressãozinha" da família para demovê-lo da ideia de ser um dominicano. É nessa ocasião que, segundo Plinio Maria Solimeo, ocorre "o infame e ao mesmo tempo admirável episódio da tentativa de sedução e heroica resistência do futuro Doutor Angélico".

O autor narra seu primeiro dia como refém. Na grande sala onde foi deixado...

Surge na porta uma bela filha do povo, ataviada [enfeitada] com o intuito declarado de levar o dominicano ao pecado. [Seus parentes] sabem que se Tomás cair na impureza, isso quebrará sua resistência. Assim que a jovem entra no aposento, Tomás, dando mostras de uma virtude heroica, pega no fogão uma acha [pedaço] de lenha em brasa e corre atrás dela, que foge como pode.

Em seguida, ainda cheio de indignação, desenha na parede uma grande cruz que oscula [beija; acaricia], implorando que o proteja para que nunca perca a integridade da pureza de alma e de corpo.

La tentazione di San Tommaso d'Aquino (Sem Data), Giovan Francesco Gessi

Liberto (alguns biógrafos dizem que fugiu do cativeiro; outros, que a família desistiu de convencê-lo), Tomás de Aquino seguiu para Paris - onde se tornou aluno do também dominicano Santo Alberto Magno (1206-1280) - e, depois, para Colônia (Alemanha), onde foi ordenado sacerdote.

De novo na França, tornou-se Mestre de Teologia, aos 31 anos de idade. De acordo com Plinio Maria Solimeo, o futuro santo "treme em sua humildade pela responsabilidade do cargo que lhe pesa nos ombros". Reza, chora. Até que um dia, num sonho...

Ouve uma voz celeste que lhe pergunta: "Frei Tomás, por que todas essas preces e lágrimas?" - "Porque me obrigam a aceitar o cargo de Mestre e me falta a ciência necessária. Não sei que tese expor no dia de minha recepção." - "Aceita em paz o cargo de Mestre; Deus está contigo. E no dia em que inaugures o curso, desenvolve estas palavras: 'Tu regas os montes com as águas que envias do alto; cumula a terra de frutos que fazes nascer' (Sl 103, 13)."

E assim ele fez.

Durante os próximos anos, esteve a serviço do Papa Urbano IV (Sumo Pontífice de 1261 a 1264) e escreveu muito: trabalhos importantes para a Igreja; comentários a obras de Aristóteles e a Suma Teológica (1266-1273), "que é a síntese mais criativa e original de seu pensamento" (Os Santos do Calendário Romano); "seu monumental trabalho lógico e filosófico, que abrange quase todas as principais doutrinas e dogmas de sua era" (Catolicismo para Leigos).

Entretanto, conforme a obra Os Cristãos: Uma História Ilustrada (WMF Martins Fontes, 2009):

Em 6 de dezembro de 1273, Tomás teve uma experiência mística, depois da qual deixou de lado a redação da "Suma", justificando-se com as palavras: "Não posso continuar... Tudo quanto escrevi parece palha em comparação com... O que me foi revelado".

Segundo Plinio Maria Solimeo, "naquela visão, são-lhe revelados mistérios e verdades tão altas, que tudo o mais lhe parece sem valor".

O futuro Doutor Angélico morreu três meses depois, durante uma viagem para participar do Segundo Concílio de Lião, na França, a convite do Papa Gregório X (Sumo Pontífice de 1272 a 1276), que convocou a assembleia de líderes eclesiásticos em 1274. De acordo com o autor de São Tomás de Aquino, no leito de morte, diante da Hóstia consagrada, ele declarou:

Eu Te recebo, preço de minha redenção, vitalício da minha peregrinação, por cujo amor tenho estudado e velado, trabalhado, pregado e ensinado. Nunca disse nada contra Ti; mas se o fiz, foi por ignorância, e não quero obstinar-me em minha opinião. Se falei mal em relação a este ou outros Sacramentos, deixo tudo à correção da Santa Igreja Romana, em cuja obediência saio agora do mundo.

O dominicano "foi canonizado por João XXII [Sumo Pontífice de 1316 a 1334], em 1323, mais do que por seus milagres, pelo esplendor de sua doutrina, a respeito da qual o Papa disse que Tomás 'realizou tantos milagres quantos são os artigos que escreveu' e que sua doutrina não teria sido possível sem milagre" (Os Santos do Calendário Romano).

Foi Pio V, que governou a Igreja de 1566 a 1572, quem, em 1567, o proclamou Doutor da Igreja (para saber o que esse título significa, acesse outro Post do Blog: O patrono dos bloggueiros: São Francisco de Sales). Não encontrei por que ele se tornou Doutor Angélico - apenas que o responsável pela linda designação foi o próprio Pio V.

Thomas Aquinas (Sem Data), Fra Bartolommeo

Êpa. O título deste Post d'A Católica é Tomás de Aquino: manso e mudo. E até agora não expliquei a razão disso! Está aqui, conforme o livrinho da Artpress:

Para evitar atrair a estima pública e os louvores que recebera em Nápoles por seu saber, fecha-se num mutismo mal interpretado pelos seus condiscípulos. Ademais, um grande corpo, lento e pesado, e uma placidez um pouco bovina servem-lhe de espesso envelope para uma alma benigna e generosa, mas retraída; ele é tímido para além da contemplação. Isso tudo leva a que o chamem de "boi mudo", ou "grande boi siciliano".

Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini em Um Santo para Cada Dia continuam: "Manso e silencioso, em Paris foi apelidado de boi mudo. Era gordo, contemplativo e devoto. (...) Era antes de tudo um intelectual. Imerso nos estudos seguidamente perdia a noção de tempo e de lugar. Seus estudos foram proveitosos a todos. Sua norma era: oferecer aos outros os frutos da contemplação".

Enzo Lodi em Os Santos do Calendário Romano completa, citando: "O Senhor Deus lhe deu a sabedoria em grande abundância, e ele a comunicou sem fingimento e sem inveja". Foi seu mestre Santo Alberto Magno, ao saber que o aluno era chamado de boi mudo da Sicília, quem profetizou: "Um dia os mugidos de sua doutrina serão ouvidos em todo o mundo". E não é que eles são?

São Tomás de Aquino, Rogai por Nós!

Oração a Nossa Senhora, composta por São Tomás de Aquino
para ser rezada antes dos estudos

(São Tomás de Aquino, Artpress)

Ó Maria, Mãe do belo amor, do temor,
do conhecimento e da santa esperança,
por cuja piedosa intercessão muitos,
embora rudes no entendimento,
fazem progressos admiráveis na ciência e na piedade,
escolho-vos como protetora e patrona dos meus estudos.

Humildemente vos imploro,
pelas entranhas de vossa maternal piedade,
e principalmente por aquela Sabedoria Eterna
que Se dignou assumir em vós nossa carne e exaltar-vos,
na luz celestial, acima de todos os Santos,
obtende-me, por vossa intercessão, a graça do Espírito Santo,
de maneira que eu possa penetrar com o entendimento,
reter na memória, exprimir pela vida e por palavras,
ensinar aos outros todas as coisas que trazem
honra a vós e a vosso Filho, como também
proveito para minha felicidade eterna e dos demais homens. Amém.

Ensinamentos de São Tomás de Aquino

(Fonte: Na Escola dos Santos Doutores, Prof. Felipe Aquino, Cléofas)

- A santidade não consiste em saber muito, meditar muito, pensar muito. O grande mistério da santidade é amar muito.

- Paciente não é aquele que não vê o mal, mas quem não se deixa dominar pela tristeza.

- Pela oração de muitos, às vezes, se alcança o que pela oração de um só não se obteria.

- Ensinar alguém para levá-lo à fé é tarefa de cada pregador e de cada crente.

- Não ponhas em dúvida se é ou não verdade, aceita com fé as palavras do Senhor, porque ele, que é a verdade, não mente.

- Só Deus satisfaz.

- Não se pode justificar uma ação má com boa intenção.

- Depois do batismo, a oração contínua é necessária ao homem para poder entrar no céu.

- Por ser Mãe de Deus, Maria tem uma dignidade quase infinita.

- A Comunhão destroi as tentações do demônio.

- Ao canonizar os santos, o Sumo Pontífice é de modo particular guiado pela inspiração infalível do Espírito Santo.


Imagem no início do Post:
San Tommaso d'Aquino (1474), Giusto di Gand e Pedro Berruguete



~Ana Paula~A Católica
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