"Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça: com a medida com que medirdes, vos medirão a vós." (Mc 4, 23-24) |
Certamente já falei disto aqui, em pelo menos dois Posts d'A Católica: Por que insistimos em apontar o dedo para os outros? e Um Post sobre gente que só vê defeito e critica a nossa vida.
Certamente, também, será um tema recorrente, porque acontece todos os dias, a olhos vistos e olhos nus: nossa destreza em localizar e proferir uma sentença sobre um deslize alheio (ou aquilo que, no nosso ponto de vista, seja um "deslize") é mais rápida que os mais ágeis gatilhos dos mais habilidosos cowboys em filmes de faroeste. Somos velozes quando se trata de condenar o próximo.
Somos, isto sim, juízes ambulantes, com nosso martelo imaginário, determinando quem está certo, quem está errado. E o lamentável é que nem sempre guardamos a nossa parcial e muito suspeita opinião apenas para nós mesmos: algumas vezes, nossa pretensão de deter a verdade é tamanha, que a espalhamos por aí, nos ouvidos de amigos, parentes, vizinhos, leitores, internautas, bloggueiros...
Ontem, ao prosseguir com meus estudos bíblicos, segundo o muito recomendável método do Monsenhor Jonas Abib, fundador da comunidade Canção Nova, cheguei ao Capítulo 14 da Epístola aos Romanos, de São Paulo. Em todo o capítulo, do primeiro ao último versículo, o 13º apóstolo de Cristo exorta seus destinatários a parar com a baboseira de determinar o que é "puro" e o que é "impuro".
Ele começa assim:
"Quem és tu, para julgares o servo de outros? Que esteja firme, ou caia, isto é lá com o seu senhor. Mas ele estará firme, porque poderoso é Deus para o sustentar. Um faz distinção entre dia e dia; outro, porém, considera iguais todos os dias. Cada um proceda segundo sua convicção. Quem distingue o dia, age assim pelo Senhor. Quem come de tudo, o faz pelo Senhor, porque dá graças a Deus. E quem não come, abstém-se pelo Senhor, e igualmente dá graças a Deus" (Rm 14, 4-6).
Basta você ler esses versículos e fazer um exame de consciência (esteja certo de que faço o meu também).
- Em que momentos eu acho que o meu jeito de ser católico é o mais correto?
- Será que o jeito de o outro ser católico e encarar o catolicismo não agrada mais ao Senhor do que o meu?
- Será que, a exemplo do que o apóstolo Paulo garante na Epístola aos Romanos, as duas formas de ser católico (a minha e a do outro) não são igualmente válidas aos olhos de Deus?
- Por que a forma de o outro viver a sua fé católica me incomoda tanto? Por que eu simplesmente não o deixo ser feliz para lá e trato de ser feliz cá também?
Fotografia de Petr Kratochvil |
Ele continua:
"Por que julgas, então, o teu irmão? Ou por que desprezas o teu irmão? Todos temos que comparecer perante o tribunal de Deus. Assim, pois, cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus. Deixemos, pois, de nos julgar uns aos outros" (Rm 14, 10.13a).
Quero aproveitar o momento de reflexão dessa passagem do 14º capítulo da carta, para também convidá-lo a se perguntar (claro, farei o mesmo):
- Por que a minha celeridade em indicar um erro no outro ou naquilo que o outro faz não é a mesma que eu deveria ter para louvá-lo e reconhecer uma qualidade nele?
Sendo mais clara:
- Por que eu admiro o trabalho de alguém, gosto do que essa pessoa faz, contudo, nunca elogiei, nunca escrevi uma palavra sequer de incentivo, e na primeira vez em que me dirijo a essa pessoa - por exemplo, para comentar no Blog dela - é justamente para detonar? Para criticar e falar que não gostei de algo?
- Por que a nossa disposição para elogiar não é a mesma que temos para falar mal?
Prosseguindo. O ápice da exortação do apóstolo está nos versículos a seguir:
"Sei, estou convencido no Senhor Jesus de que nenhuma coisa é impura em si mesma; somente o é para quem a considera impura" (Rm 14, 14).
"O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo. Quem deste modo serve a Cristo, agrada a Deus e goza de estima dos homens. Portanto, apliquemo-nos ao que contribui para a paz e para a mútua edificação. Não destruas a obra de Deus por questão de comida. Todas as coisas, em verdade, são puras" (Rm 14, 17-20a).
Paulo estimulava os cristãos romanos a acolher "aquele que é fraco na fé, com bondade, sem discutir as suas opiniões" (Rm 14, 1). De acordo com a nota da Bíblia de Jerusalém (Paulus, 2002), os fracos eram...
Cristãos cuja fé, insuficientemente esclarecida, não lhes dá convicções bastante firmes para agir com consciência segura (...). Eles se julgavam obrigados, em certos dias (...), talvez de modo permanente (...), a abster-se de carne ou de vinho (...): práticas ascéticas conhecidas no mundo gentílico (pitagóricos) e no mundo judaico (essênios, João Batista).
Paulo dá a mesma regra geral de conduta (...): cada qual deve agir "para o Senhor" segundo sua consciência (...), desde que não seja duvidosa; mas, sobretudo, seja a caridade a dirigir a conduta dos "fortes" (...).
Fotografia de D. Sharon Pruitt from Hill Air Force Base, Utah, USA |
Vimos que, na carta, o apóstolo dos Gentios se referia especialmente à questão dos alimentos (o que os cristãos devem ou não devem comer?), porém podemos aplicar seus ensinamentos a outros aspectos da vida da Igreja, como, por exemplo, o modo de se comportar diante dos católicos que se simpatizam ou integram o movimento da Renovação Carismática Católica (RCC)*. E por aí vai...
Em suma, caro internauta d'A Católica, em vez de nos determos naquilo que nos desagrada, que nos faz torcer o nariz e (lembrando uma brincadeira do Padre Fabrício Andrade) ficar "mais feios do que já somos", vamos aceitar, acolher e, principalmente, praticar o conselho - ou melhor, a ordem - de São Paulo: vamos deixar de julgar os outros e favorecer "a paz e a mútua edificação".
Saúde e Paz!!
P.S. Para saber mais sobre a *Renovação Carismática Católica, acesse algum destes Links: Quando, onde e como [ela] surgiu? ou Entrevista sobre os 40 anos da RCC.
Fotografia no início do Post de Petr Kratochvil
~Ana Paula~A Católica