21 de janeiro de 2011

A sustentável leveza do ser

Saiba neste Post se você é (ou conhece alguém que seja) um obeso mental.
Se as pessoas se afastam de você... Pode ser que sim. Como evitar isso?

Todo mundo tem historinhas pitorescas para recordar. Há um leque na minha biografia. Uma delas ocorreu nos idos de 1999 com uma ex-colega de faculdade.

Estávamos no jardim da Biblioteconomia tomando sorvete de casquinha. Vi um dente-de-leão e resolvi colhê-lo - quem não gosta de soprar um dente-de-leão ao vento? Tava calor, o sorvete marrom (de chocolate) escorrendo e, em vez de lamber a casquinha, meti o dente-de-leão no céu da minha boca!

Foi um dos momentos mais divertidos da minha vida. Chorei de tanto rir: soprei o sorvete e lambi o dente-de-leão. Minha boca ficou repleta daquelas finas pétalas brancas por horas...

Escrevo essa história, porque um dente-de-leão inspirou este Post. Você e eu, internauta d'A Católica, temos algo a aprender com ele.

Sua primeira qualidade é... Ser leve. Suas ultrafinas pétalas (ou sementes) brancas não pesam. Além disso, ele não se importa de se livrar delas. Basta uma brisa suave para elas saírem voando pela cidade, pelo campo, pela universidade... As pétalas avoam espaço afora... E ele lá. Firme.

Inspirada pela leveza do dente-de-leão, pensei na sociedade em que vivemos.

Somos estimulados - especialmente as mulheres - a nos livrar do peso corporal. Somos levados a crer que é um crime ser gordo. É lastimável ter pneuzinhos nos lados (ou nas costas) e barriguinha (ou barrigona) sobressalente. E dá-lhe ginástica, cinta modeladora, diuréticos e outros remedinhos para emagrecer. Ah, claro: lipoaspiração também é "muito bem-vinda".

Fotografia de Petr Kratochvil

Entretanto, esse tipo específico de gordura não me incomoda. O que me molesta mesmo (e acho tremendamente feio) é que muitos de nós estamos gordos, realmente obesos, na mente. E essa adiposidade prejudica todo mundo ao nosso redor - ao contrário da gordura corporal que, em princípio, só faria mal à saúde de quem a tem.

Estamos pançudos nos pensamentos, na nossa postura diante da vida, na nossa fala e - que desastre! - nos nossos gestos, nas nossas atitudes e nas nossas ações. Vamos desfilando pela nossa casa, o nosso local de trabalho, os lugares que frequentamos a passeio e até pela igreja e o Grupo de Oração, a nossa imensa (e inoportuna) gordura mental.

Como ela não cabe em nós, pois ultrapassa o limite do razoável, vamos espalhando-a por aí. E coitado de quem tiver que conviver conosco ou cruzar o nosso caminho... Não percebemos que nossa adiposidade no jeito de pensar, falar e agir é um transtorno para nossos parentes - maridos, filhos, pais, irmãos. Porque nos olhamos no espelho e nos vemos... Magros. Nos achamos "bonitos na fita". Contudo, não o somos de fato.

Nosso jeito de ver as coisas e de manifestar o que pensamos ou aquilo em que acreditamos... É petulante. É inconveniente. Chato mesmo. Chatíssimo, aliás. Nosso ego enorme nos faz crer que detemos a verdade e que o nosso jeito de (re)passá-la aos outros é justo e apropriado. Será?

Você, que está lendo este Post, pode não se encaixar neste problema crônico de adiposidade mental. Parabéns. Ótimo para você e para quem vive consigo. Porém, para tirar a prova, convido-o a fazer um exame de consciência junto comigo. Um teste simples: se há gente se afastando de nós, evitando a nossa convivência, não atendendo a nossos telefonemas, nem respondendo a nossos e-mails...

... Pode ser sintoma da nossa gordura mental. Quando os outros parecem fugir de nós depois de nos conhecerem um pouco melhor... Pode ser sinal dessa adiposidade.

Fotografia de Peter Griffin

E é preciso ser leve. Buscar inspiração no desprendimento, no desapego e na intrepidez do dente-de-leão, que não teme perder suas alvas, finas e macias pétalas. Nós, obesos mentais, tememos perder tudo. A nossa (suposta) força e a nossa razão. E vamos nos agarrando a uma "verdade" muito longe da (autêntica) Verdade. Uma "verdade" (a nossa) que afasta as pessoas, em vez de as cativar.

A cantora Maria Rita uma vez contou em uma entrevista - não sei se li em uma revista feminina ou se a vi dizê-lo na TV - que aprendeu com a mãe, Elis Regina, a ser leve. E dedicou uma das canções de seu CD de estreia, Menina da Lua (Renato Motha), a sua mãe - considerada a maior cantora que o Brasil já teve. É uma homenagem e uma lembrança da lição valiosa que Elis lhe deu. Eis alguns trechos:

Leve na lembrança
A singela melodia que eu fiz
Pra ti, ó bem amada
Princesa, olhos d'água
Menina da lua

(...)
Quero que desprendas
De qualquer temor que sintas
(...)

Fotografia de Jonnymccullagh

É este o segredo para vencermos a nossa gordura mental: desprendermo-nos do medo de estarmos errados, de não sabermos tudo, de não termos razão. Nós, obesos mentais, não gostamos de ouvir e temos um receio extraordinário de o outro - e não nós mesmos - estar certo.

Pois convido você: como o dente-de-leão, vamos nos soltar na brisa suave da confiança em Deus. Na Divina Providência. Em Cristo - que é "o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6).

Para encerrar, deixo-o com um poema da carioca que é a minha escritora preferida: Cecília Meireles (1901-1964). Boa Leitura! Boa meditação. Saúde e Paz!!

Não digas que és dono.
Sempre que disseres
Roubas-te a ti mesmo.
Tu, que és senhor de tudo...
Deixa os escravos rugirem,
Querendo.
Inutiliza o gesto possuidor das mãos.
Sê a árvore que floresce
Que frutifica
E se dispersa no chão.
Deixa os famintos despojarem-te.
Nos teus ramos serenos
Há florações eternas
E todas as bocas se fartarão.

Pétalas ou sementes de dente-de-leão - PiccoloNamek


Fotografia do dente-de-leão no início do Post, por JJ Harrison


~Ana Paula~A Católica
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