A inteligência e o contato perfeito com Deus no seu modo de ver o mundo são destacados por Frei Thaddée Matura. Simplesmente lindo |
E eis-me aqui neste começo de final de semana, para convencer você a adquirir o excelente livro Orar 15 Dias com Francisco de Assis (Editora Santuário, 2003). Entre outras ótimas razões, a obra de 142 páginas me marcou, porque eu a devorei durante meu primeiro mês de aula num curso de especialização que fiz, entre 2007 e 2008. Eu entrava no 4110 e ia lendo, rezando e meditando. Também, sonhando. Sonhando com o dia em que, finalmente, serei um tiquinzinho ao menos parecida com Francisco!
Sobre o autor, a contracapa dá esta informação: Frei Thaddée Matura, OFM (Ordem dos Frades Menores, que o santo fundou na Idade Média), "reconhecido como um dos especialistas da espiritualidade franciscana". Meu receio de que a linguagem do livro fosse excessivamente mística ou repleta de "teologuês" foi desfeita no mesmo local: os livros da coleção Orar 15 Dias são "práticos" e "acessíveis".
Vamos ao que interessa: a estrutura da obra.
Os 15 dias de oração são meditações sobre 15 orações ou escritos diferentes do próprio São Francisco. Legal, né?
Não existe aquela expressão "Fechar com chave de ouro"? Pois então: o livro abre o Primeiro dia com chave de ouro. 24 quilates. Puríssimo. Intitulado Pôr-se a Caminho, suas primeiras linhas trazem a oração que o santo fez diante do Crucifixo de São Damião (que estaria na igreja que ele ajudou a reconstruir na cidade italiana de Assis. Uma parte de sua vida tão lindamente retratada no filme Irmão Sol, Irmã Lua):
Deus soberano e glorioso,
ilumina as trevas de meu coração
e dá-me a fé direita,
a esperança certa
e a caridade perfeita,
o sentido e o conhecimento,
Senhor,
para que eu cumpra teu mandamento santo e verídico.
A partir daí e em cada um dos capítulos, até inteirar o total de 15 dias (15 dias = 15 capítulos), Frei Thaddée vai destrinçando para nós, leitores, o que podemos deduzir e aproveitar de cada trecho de cada oração ou escrito de São Francisco de Assis. Um trabalho cuidadoso, convincente, cativante.
Bênção de próprio punho de S. Francisco para Frei Leão |
Eu eu continuo de novo, de pé diante da porta e digo: Por amor de Deus, acolhei-me esta noite. E ele responderia: não o farei. Vai ao asilo dos leprosos e pede lá. Eu te digo que se conservo paciência e não fico abalado, que nisso está a verdadeira alegria e a verdadeira virtude e a salvação da alma.
Eis parte da reflexão de Frei Thaddée Matura sobre essas palavras do Pobrezinho de Assis [eu transcrevi só o final delas]: "Não é ter suportado o sofrimento que gera a alegria, mas é a alegria, já presente, que permite suportar o sofrimento. 'Conserva-se em tudo o que se sofre, a paz do espírito e mesmo do corpo, por causa do amor de Jesus Cristo' (15ª Admonição de São Francisco)".
O Coração Puro é o título do 7º capítulo ou Sétimo dia, que traz, nas suas primeiras linhas, um trecho da 16ª Admonição do santo. Nota: admonição é uma "admoestação eclesiástica", uma "advertência benévola".
Felizes os corações puros, porque eles verão a Deus.
Verdadeiramente têm o coração puro
os que olham do alto as realidades terrestres,
procuram as realidades celestes e
não cessam jamais de adorar e de ver,
com um coração e um espírito puros,
o Senhor Deus vivo e verdadeiro.
Aqui, mais uma vez, Francisco demonstra perfeita integração entre a sua inteligência e a sua fé. Seu modo de levar a vida com felicidade (o desejo de todos nós) baseia-se integralmente na sua habilidade de ver Deus em tudo. Em todos os acontecimentos, em todas as pessoas e mesmo nas intempéries. No céu e, também, no chão. Deus está acima, por dentro, à frente, por baixo e atrás de todas as coisas.
"O coração puro é um coração livre da superficialidade e centrado sobre o que importa, o que é verdadeiro", explica Frei Thaddée. Para o santo de Assis, o nosso alvo, no qual temos que nos concentrar para atingi-lo, é "servir, amar, honrar e adorar o Senhor Deus da melhor maneira possível".
Ou, como o autor clarifica um pouco mais adiante: "É isto, para Francisco, o coração puro. Não um coração livre de toda impureza, mas um coração que esqueceu suas virtudes e seus pecados, que saiu de si mesmo para pôr-se na busca daquele que está presente em toda parte e em nenhum lugar". Em suma: devemos todos "jamais cessar de adorar e de ver a Deus".
No Décimo primeiro dia, intitulado Louvado Sejas em Todas as Tuas Criaturas, há um brilhante (para se dizer o mínimo) estudo do famoso poema do santo, Cântico do Irmão Sol ou Cântico das Criaturas - no qual louva Deus pelo irmão sol, a irmã lua, as estrelas, o irmão vento, o ar, a nuvem, o céu sereno e todos os tempos, a água, o fogo e "nossa mãe a terra". (Você pode lê-lo aqui.)
Eis a estupenda observação de Frei Thaddée Matura:
Que intuição genial permitiu a Francisco, o primeiro na história, descobrir nos seres inanimados uma sorte de parentesco de sangue? Com efeito, os termos irmãos-irmã-mãe, além da familiaridade e de certa ternura, implicam como base uma mesma matéria e uma mesma origem. Os elementos celebrados são constituídos, como nós, da mesma matéria misteriosa e provêm do mesmo impulso criador. Entre eles e nós, não há descontinuidade radical, mas laços a pôr em evidência.
E o livro, aberto com chave de ouro, se encerra com o mesmo valioso instrumento. No Décimo quinto dia, o autor elucida o que podemos entender com a proposta do Pobrezinho de Assis de Entregar Tudo a Deus - título desse último capítulo.
A partir da leitura da 1ª Regra da Ordem dos Frades Menores, Thaddée dispõe: "Despojar-se alegremente e no louvor de todos os bens recebidos de Deus, reconhecendo que não vêm de nós e que não nos pertencem, esta é a verdadeira pobreza". O autor afirma que, a exemplo de São Paulo, Francisco "compreendeu bem que o coração da pobreza cristã radical era reconhecer no homem separado de Deus a incapacidade para todo bem e a capacidade para todo mal. Só a entrega total de si ao amor misericordioso de Deus abre o caminho para a salvação gratuita".
Como assegurara na reflexão anterior, do Décimo quarto dia: "Consciente do fato de que o homem não pode chegar à plenitude nem por suas forças, nem por suas obras, Francisco acrescenta: 'só a misericórdia' de Deus assegura-nos a salvação".
A grande lição do livro para mim? Tirei-a deste mesmo capítulo, Nada Desejemos Além de Deus: "Ele [Nosso Criador] permanece (...) para todo o sempre, incompreensível 'e nenhum homem é digno de dar-lhe nome'. O que resta, então, ao homem é louvá-lo e glorificá-lo. (...) Os que na fé, na esperança e no amor entregam-se a ele, sabem e não sabem ao mesmo tempo quem ele é. (...) O que convém e se impõe mais é a admiração estupefata, a proclamação incessante de sua beleza...".
Degustar Orar 15 dias com Francisco de Assis, finalmente, conseguiu me demonstrar como e por quê, no que diz respeito a Deus, o que devo fazer é PARAR DE PERGUNTAR E TÃO SOMENTE... LOUVAR! Não deixe de lê-lo também! Saúde e Paz!! Ótimo final de semana!
Imagem: St. Francis (1932), de Nicholas Roerich
~Ana Paula~A Católica