Tela: São João Batista (1849), Alexandre Cabanel |
Precisei ir à escola do meu filho noutro dia e acabei topando com os colegas dele. Duas coisas chamaram minha atenção: alguns tinham o mesmo corte de cabelo - uma variação do corte de um moicano - e usavam igualmente bastante perfume. Como estão na pré-adolescência, isso me lembrou a ânsia que todos temos de integrar a maioria. De fazer o que ela faz. Porque ser diferente é um fardo.
O escritor Ignácio de Loyola Brandão mostra isso no conto "O Homem do Furo na Mão": um trabalhador a caminho do escritório descobre um buraco na mão e à medida que as outras pessoas também vão se dando conta disso, dessa fatalidade, dessa característica, vão se afastando dele. Puro realismo fantástico, que ilustra bem como é difícil não ser como todo mundo.
Na Bíblia, João Batista era uma figura exótica.
Foi morar no deserto, vestindo-se de modo extravagante, comendo uma comida estranha e, além disso, proferindo verdades que perturbavam. Então, aconteceu algo ainda mais intrigante: ele começou a atrair as pessoas. Umas por curiosidade; outras por admiração. Justamente o que se dá quando se decide ouvir o próprio coração, andar no seu ritmo, em vez de seguir a toada da maioria. É a realização de um ser humano. João Batista e outros "com furo na mão" são exemplos de que cumprir a mais íntima e genuína inclinação até machuca, mas dignifica a vida.