1 de março de 2011

E lá se foi o mês da Senhora de Lourdes...

Eis a graça que caracteriza a mensagem da Imaculada de Lourdes:
lavar-nos na água, a fim de ressurgirmos do pecado para a vida nova.
(Enzo Lodi)

O milagre de Lourdes também foi econômico:
de 300 habitantes em 1858, a cidade recebe hoje
mais de 15 milhões de pessoas por ano

Artefatos religiosos em Lourdes (França) - Fotografia de Jean-noël Lafargue

Não. Eu não me esqueci. Não deixaria passar incólume que no mês que termina em 28 de fevereiro (o mais curto do nosso calendário), a Igreja Católica fez memória à Nossa Senhora da Gruta de Lourdes - especificamente no dia 11. Estranhou o "Gruta" no meio do nome? Pois é exatamente assim que ele aparece no texto de conclusão da comissão de inquérito nomeada para investigar os acontecimentos na cidade francesa, no século XIX. Que acontecimentos?

Bem, são justamente os que este Post d'A Católica pretende abordar.

Católico apostólico romano ou não, aposto que você já ouviu falar de Lourdes ou de Nossa Senhora de Lourdes - especialmente se vive em países muito religiosos e devotos à Mãe de Deus como o Brasil ou Portugal. Quem não é católico o suficiente para compreender como a Virgem Maria pode ser chamada de tudo quanto é jeito em todo o mundo, eis a explicação sucinta desta leiga que lhe escreve: Nossa Senhora é uma só. O que varia são os nomes por que é invocada, a depender (geralmente) dos locais onde apareceu.

"Apareceu"?

Sim, internauta.

Lourdes se refere à cidade francesa onde a Mãe de Jesus Cristo fez várias aparições no ano de 1858 a "uma menina de 14 anos, Bernadete Soubirous, ingênua e humilde, que não sabia ler e escrever direito" (Um Santo para Cada Dia, Paulus, 1996). Daí o nome "Nossa Senhora de Lourdes". Porque ela também apareceria, anos mais tarde (1917), na cidade portuguesa de Fátima, recebeu a alcunha de "Nossa Senhora de Fátima". No Brasil, uma imagem sua foi achada no rio Paraíba, no ano de 1717, daí ela ser invocada no meu país com o nome de "Nossa Senhora Aparecida".

Bernadete Soubirous (1844-1879) - Sem Data

Voltando à aparição.

O diplomata, pintor e escritor Ingo Swann, em seu excelente livro As Grandes Aparições de Maria - Relatos de vinte e duas aparições (Paulinas, 2006), a define assim: "... uma 'visão' é quase sempre experimentada interiormente, como se acontecesse em 'nossa cabeça'. Muita gente tem visões da Virgem. Mas a aparição é sempre experimentada exteriormente e em um ponto, lugar ou espaço bem definido fora do corpo e da mente". Ele continua:

As grandes aparições de Maria Santíssima (...) são acontecimentos exteriores; exteriores aos que os veem e às testemunhas de seus fenômenos admiráveis. Da maneira como definimos as diferenças entre tangível ["que pode ser tocado ou apalpado"] e intangível [que não pode sê-lo], as aparições são intangíveis, contudo exteriores e localizadas em um dado lugar e percebidas como se fossem tangíveis.

Fica entendido assim: a menina Bernadete, ou Bernarde-Marie Soubirous, não teve "visões": ela de fato viu aparições de Nossa Senhora no penhasco de Massabielle, rochedo que "tinha uma área oca, citada como caverna ou gruta, diante da qual havia um pouco de mato e uma roseira silvestre quase morta", na descrição de Ingo Swann.

Conforme o autor, a adolescente - mais velha de oito filhos e que, devido à extrema pobreza e ao local insalubre onde morava com sua família, sofria de asma - se transformou "de maneira defensável, na maior vidente de todos os tempos". O próprio texto da comissão de inquérito (mencionado no início deste Post) - nomeada por Monsenhor Laurence, bispo de Tarbes, cidade próxima a Lourdes -, cujas investigações duraram quatro anos, atesta:

Julgamos que Maria Imaculada, Mãe de Deus, realmente apareceu a Bernadete Soubirous em 11 de fevereiro de 1858 e em dias subsequentes, 18 vezes ao todo. Os fiéis têm motivos para crer que isso é incontestável. Autorizamos a devoção a Nossa Senhora da Gruta de Lourdes em nossa diocese*...

O penhasco de Massabielle fica em Lourdes - na época das aparições, um "pobre lugarejo, com menos de trezentos habitantes", situado no "sudoeste da França, nas encostas setentrionais dos Pirineus, a admirável cadeia de montanhas entre a França e a Espanha" (As Grandes Aparições..., Paulinas, 2006).

Pyrenees Mountains view from satellite

(Jacques Descloitres, MODIS Land Rapid Response Team, NASA/GSFC)

Ingo Swann relata:

O lado francês dos pirineus recebe chuvas abundantes e sempre foi famoso pelo lindo cenário, as torrentes caudalosas chamadas "gaves" e a abundante água mineral. Havia tempo que muitas das fontes minerais tinham se transformado em balneários elegantes nos quais os ricos se reuniam e, com isso, traziam dinheiro e empregos. Contudo, em toda parte, ainda existia pobreza, uma pobreza assustadora.

Ele prossegue:

A cidadezinha de Lourdes não possuía uma fonte de água mineral e, portanto, estava privada de qualquer esperança de benefícios econômicos.

Esse quadro obviamente se reverteu com a repercussão das aparições da Virgem Maria em Massabielle. Após a comissão de inquérito publicar sua conclusão, a Companhia Ferroviária Meridional fez passar pelo pobre lugarejo "a ferrovia que estava em construção de Tarbes [até] Pau". Segundo Ingo Swann:

Dessa maneira, os cidadãos pobres de Lourdes viram-se diretamente ligados por estrada de ferro ao resto do continente - e ligados para todo o sempre a fontes de renda. (...) Romarias organizadas podiam chegar de trem, o que faziam e continuam a fazer em número cada vez maior. Esses romeiros precisavam de hotéis, restaurantes e outras comodidades.

Ainda de acordo com o autor, anualmente, mais de 15 milhões de pessoas visitam a cidade. Por isso, podemos dizer que o milagre de Lourdes foi, inclusive, econômico. Por falar em milagre, como se deram as aparições?

No dia 11 de fevereiro de 1858, Bernadete, uma irmã e uma vizinha foram à região de Massabielle "catar gravetos e galhos para queimar e ossos descartados para fazer sopa..." (As Grandes Aparições..., Paulinas, 2006).

Devido ao frio - era inverno no hemisfério norte -, a vidente asmática se separou das outras duas meninas, que passaram por uma torrente descalças. Ao recolher lenha diante do rochedo, ela viu no meio da gruta "uma luz suave", dentro da qual apareceu uma "linda moça". Conforme a obra Um Santo para Cada Dia:

... Uma senhora com as faces radiantes, vestida de branco, com uma faixa azul, toda sorridente. Recitou com Bernadete um terço, fazendo uso do rosário que carregava sempre consigo.

Blessed Virgin of Lourdes - Lourdes-Grotte de Massabielle

(Fotografia de Manuel González Olaechea y Franco)

Segundo Ingo Swann: "quando as outras duas garotas foram procurá-la, viram-na ajoelhada diante da gruta, com o rosto voltado para cima. Correram até ela, pensando que estivesse machucada. Encontraram-na paralisada, com os olhos dilatados, e não conseguiram mover-lhe os braços. Apavoradas, começaram a gritar (...). As duas meninas sacudiram-na até que Bernadete voltou a si e lhes contou o que vira". A irmã falou tudo para a mãe, Louise Soubirous, e a vizinha tratou de espalhar o ocorrido pela cidade.

Apesar da proibição inicial dos pais, a adolescente retornou à gruta três dias depois com as mesmas duas testemunhas e outras sete meninas. A vidente levou e aspergiu água benta no rochedo - o que fez Nossa Senhora, a quem chamava de Aquero (em português: "Aquela"), sorrir. Na terceira visita, esta lhe pediu: "Quer ter a bondade de vir aqui durante quinze dias? Não lhe prometo a felicidade neste mundo, mas no outro".

A cada ida à Massabielle, o número dos que acompanhavam Bernadete crescia. Na quarta visita, havia "cem ou mais pessoas"; no meio da quinzena, "o número de pessoas reunidas ultrapassava oito mil".

De acordo com Ingo Swann: "No sexto dia da sequência de aparições, as autoridades civis de Lourdes viram-se preocupadas apenas com questões do controle da multidão, quando os romeiros começaram a chegar em grande número". "Apenas", porque, antes, elas se julgaram no dever de interrogar a vidente e proibi-la de retornar ao rochedo - o que obviamente não funcionou, devido ao clamor popular.

Conforme Um Santo para Cada Dia, "durante as aparições, a Senhora pediu [a Bernadete] para que se rezasse pelos pecadores e convidou os fiéis à penitência". O livro de Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini também narra que, na nona aparição, no dia 25 ou 26 de fevereiro, a Senhora "convidou-a a beber numa fonte, indicando-lhe o lugar. Bernadete arranhou a superfície da terra e começou a verter água que se tornou a fonte milagrosa...". Ingo Swann dá a sua versão e completa:

[Após a decisiva nona aparição durante o período da quinzena,] Bernadete teve de ser escoltada até uma casa na rue des Petites-Fosses, na cidade. Só ao chegar a salvo nessa casa, ela contou que Aquero a mandara cavar no lugar seco e dissera: "Beba a água e se lave na fonte e coma a grama que estiver ali".

Ainda naquela mesma tarde, os que chegavam a Massabielle viam um novo filete d'água que brotava da gruta rochosa e corria para o Gave [de Pau, rio]. Na verdade, a torrente aumentava enquanto olhavam. No dia seguinte, a fonte estava produzindo 25 mil galões de límpida água doce a cada 24 horas.

Fotografia de Vera Kratochvil

Segundo o escritor, até os dias de hoje, "milhares de curas têm ocorrido ali, embora só 64 tenham sido oficialmente reconhecidas até 1970". De acordo com ele, eis os dois primeiros milagres:

Vivia em Lourdes um "simples cavouqueiro" chamado Louis Bourriette. Segundo confirmação médica, ele sofria de amaurose incurável (estava ficando cego). Louis Bourriette pediu que lhe trouxessem água da fonte. Banhou os olhos quase cegos nessa água - e voltou a ver, fato confirmado pelo médico do lugar.

Na manhã do dia seguinte, essa notícia eletrizante inspirou Jeanne Crassus, que havia dez anos tinha uma das mãos paralisada, a ir a Massabielle. Ali ela mergulhou a mão inválida na água por alguns momentos e quando a ergueu para todos verem, a mão voltara a ser normal.

Até o filho do imperador Napoleão III, sob cujo governo "a França alcançou rápido progresso material", se beneficiou da fonte milagrosa.

Aos 2 anos de idade, a criança "contraiu perigosa insolação acompanhada da ameaça de meningite". De acordo com Ingo Swann, a família imperial estava na residência de verão, em Biarritz, a 150 km de Lourdes. A preceptora (mestre) do menino foi então enviada à gruta, onde os guardas encheram um garrafão: "o infante real foi borrifado várias vezes com a água e prontamente se recuperou".

Enzo Lodi, na obra Os Santos do Calendário Romano - Rezar com os santos na liturgia (Paulus, 2007), sintetiza e interpreta assim: "Lavar-nos na água de Lourdes significa retornarmos à fonte batismal, a fim de ressurgirmos cada dia do pecado para a vida nova".

Na décima terceira aparição, no dia 2 de março, Ingo Swann relata que "Aquero pediu a Bernadete para 'dizer aos padres' que o povo deveria vir à gruta em procissão e que uma capela deveria ser construída ali". O vigário de Lourdes, o "austero, severo e inflexível" Abbé Peyramale, exigiu que a Senhora dissesse seu nome. Swann observa: "A opinião popular das multidões já decidira que a identidade de Aquero era a da Santíssima Virgem Maria".

Durante a décima sexta aparição, em 25 de março (houve um intervalo de três semanas sem que acontecesse alguma), a menina "lhe fez três vezes esta pergunta: 'Senhora, quer ter a bondade de me dizer quem é, por favor?'. Aquero começou a rir. Mas quando Bernadete repetiu a pergunta pela quarta vez, a Senhora parou de rir, sorriu e disse (...) as palavras atroadoras [retumbantes]: 'Que soy era Immaculada Concepción'."

Conforme Sgarbossa e Giovannini: "Havia quatro anos apenas que Pio IX tinha proclamado esse dogma" - para conhecê-lo, veja o Post VIVA NOSSA SENHORA, MÃE, RAINHA... E IMACULADA!!!. Ou seja, até o resistente Padre Abbé Peyramale teve que admitir que a adolescente dizia a verdade: a Imaculada Conceição da Virgem Maria se tratava de uma questão teológica sobre a qual "era impossível que a Bernadete analfabeta soubesse alguma coisa".

Depois desses eventos, que mudaram a vida de Lourdes para sempre, a vidente foi recebida no convento das Irmãs de Nevers - no outro lado do rio Gave de Pau. Aos 16 anos, ela finalmente aprendeu a ler e a escrever. Nesse ínterim, Padre Abbé conseguiu uma casa mais salubre para a sua família. Como irmã Marie-Bernard, Bernadete "permaneceu humilde e obscura até a morte, em 16 de abril de 1879, aos 32 anos de idade". Segundo Ingo Swann, no mesmo ano, também morria o filho de Napoleão III, em uma guerra na África.

A canonização da jovem ocorreu em 1933, por Pio XI - Sumo Pontífice de 1922 a 1939.

Saint Bernadette Soubirous in the grotto of Lourdes,
photo of 1863, three years after the first vision

Para Sgarbossa e Giovannini, autores de Um Santo para Cada Dia, o maior dos milagres da cidadezinha é "a paz de espírito. Mas tem havido numerosos prodígios físicos nesses mais de cem anos de história de Lourdes".

Tendo em mente essa paz de espírito, é que deixo aqui com você, internauta d'A Católica, uma oração do livro Os Cinco Minutos dos Santos (Editora Ave-Maria, 2006). Que Deus nos ajude a encontrá-la! Saúde e Paz!!

Ó, Virgem puríssima, Nossa Senhora de Lourdes,
vos dignastes aparecer a Bernadete,
no lugar solitário de uma gruta,
para nos lembrar que é no sossego e recolhimento
que Deus nos fala e nós falamos com ele.

Ajudai-nos a encontrar o sossego e a paz da alma
que nos ajudem a nos conservar sempre unidos a Deus.

Nossa Senhora da Gruta,
dai-me a graça que vos peço e de quanto preciso (pedir a graça).
Nossa Senhora de Lourdes, rogai por nós. Amém.

P.S. *Para definição de diocese, consulte a página ABCatólica do Blog.


Imagem da água no início do Post, por Anna Cervova (Click The Image)


~Ana Paula~A Católica
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