Antes de liderar os ingleses contra o alemão Hitler, George VI teve que debelar a própria gagueira - um outro adversário (muito) difícil |
Pode haver coisa mais gostosa na vida do que vencer a si mesmo? Não. Não mesmo. Nem a vitória em uma guerra contra o mais invejoso dos inimigos pode substituir a sensação de haver batido um defeito, uma fraqueza, uma limitação pessoal. Ontem, véspera de mais uma festa do Oscar, eu assisti embevecida a King's Speech (em português: "O Discurso do Rei"). Filme que conta a história do pai da rainha Elizabeth II (mãe de Charles, avó de William): Rei George VI. Que era gago. E superou a gagueira.
Eu era gaga. Uma "lady" gaga.
Lembro-me na 6ª série do 1º grau (hoje, do Ensino Fundamental), aos 11 anos de idade, lendo o capítulo 3 ou 8 do livro Dito, o Negrinho da Flauta, de Pedro Bloch. A pedido da professora e diante dos meus colegas. Constrangidíssima, gaguejando cada linha de cada parágrafo. E olhe que a "leitura" valia pontos para a disciplina de Português. Ninguém zombou de mim. Ou eu estava tão arrasada comigo mesma, que fiquei surda aos risos. Não sei ao certo. Só lembro a sensação de fracasso.
Espere. Minha intenção neste Post não é falar sobre mim. Só relatei esse trecho "horrível" da minha biografia, porque pude imaginar bem as agruras por que Albert (como George VI se chamava antes de se investir da dignidade de rei) passou.
O filme do diretor Tom Hooper lidera o número de indicações ao prêmio mais desejado do cinema: concorre em 12 categorias, incluindo Melhor Filme; Melhor Ator (o convincente Colin Firth, no papel do rei gago); Melhor Ator Coadjuvante (o cativante e irresistível Geoffrey Rush, no papel de Lionel Logue - o terapeuta australiano que ajuda George VI); Melhor Atriz Coadjuvante (a ótima Helena Bonham Carter como Elizabeth, a Rainha-Mãe) e Melhor Roteiro Original. Neste domingo, saberemos quantas estatuetas elenco e produção arrebatarão. (Estarei na torcida por Geoffrey Rush!)*
Reprodução-Internet |
Sobre o Roteiro Original: quando o então príncipe Albert, ou Duque de York, bate à porta... Corrigindo: quando a esposa do então príncipe Albert, Elizabeth, bate à porta do terapeuta/fonaudiólogo Lionel Logue, o (futuro) paciente gago nem sonhava que, pouquíssimo tempo depois, teria que sair da sombra do irmão mais velho, Edward VIII, para assumir o lugar deste como monarca inglês.
Elizabeth procurou Lionel, um fonaudiólogo "heterodoxo", ou seja, com métodos nada usuais, depois de inúmeras tentativas frustradas do marido com outros profissionais, a fim de resolver de vez o problema com a gagueira. E por que resolvê-la de vez?
Primeiro, porque, como príncipe, duque de York e pressionado pelo pai, o rei britânico George V, Albert precisava dirigir-se ocasionalmente à nação em discursos ao vivo - in persona ou via rádio.
Segundo, e mais à frente, porque ante o envolvimento do irmão mais velho com a norte-americana Wallis Simpson, era iminente a necessidade de preparar-se para a possibilidade de ascender ao trono a qualquer momento. A Constituição não permitia ao rei (Edward substituiu o pai, que havia morrido) casar-se com uma mulher divorciada - e Simpson tinha dois ex-maridos. Entre a amada e o povo inglês, Edward VIII preferiria a primeira, renunciando ao poder soberano.
Assim, O Discurso do Rei nos mostra o longo, trabalhoso e doloroso trajeto que o Duque de York (mais tarde, George VI) percorre para superar a limitação terrível que possuía na fala. Para conseguir a façanha de parar de gaguejar, seja ao narrar uma história engraçadinha às filhas Elizabeth e Margareth, seja ao microfone defronte de uma multidão de ouvintes ou de radialistas e conselheiros, ele teve que contar com a ajuda especialíssima de um terapeuta sem diploma nem certificado, porém com muita prática, criatividade e disposição.
O longa-metragem é "um prato cheio" (como dizemos aqui no Brasil) para os cinéfilos profissionais da Fonaudiologia, da Terapia Ocupacional, da Psicologia e áreas afins. Porque a trama gira em torno do relacionamento de confiança que foi preciso se estabelecer - e crescer - entre o Duque de York ou George VI e Lionel Logue. Este exige do então príncipe que o trate como "igual" e passa a chamar Sua Alteza por um apelido íntimo, como se fossem "velhos conhecidos": Bertie. O que irrita Albert a princípio.
Embora Elizabeth chegasse a enfatizar o interesse do casal apenas na "mecânica" do tratamento, propondo ao terapeuta/fonaudiólogo que oferecesse tão somente exercícios para a voz, com o tempo, as conversas em torno da infância do futuro rei e, sobretudo, sobre as suas relações familiares, mostram-se inevitáveis. Sabe-se, por estudos, que a gagueira tem origem genética, contudo traumas também podem ser responsáveis por ela (vide reportagem neste Link). E Lionel não hesita em questionar "Bertie" para conhecê-los.
Um filme lindo. Um longa sobre profissionalismo - tanto do fonaudiólogo, quanto do Duque de York, que mesmo tremendo de medo não foge à responsabilidade de tornar-se monarca e liderar o povo inglês e o Império Britânico, às portas de enfrentar Hitler e sua Alemanha e as outras potências do eixo, Itália e Japão, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) - e sobre amizade.
Tive que conter as lágrimas. A sequência do primeiro discurso de Albert como rei George VI é emocionante. Emocionante. A própria ilustração de mim, de você, de todos nós, encarando a pior das situações como Gente Grande, com pulso firme, apesar do pavor sufocante. Simplesmente sublime. Você não vai perder, né? Está em cartaz nos cinemas brasileiros.
Fico por aqui. Encerro este Post d'A Católica com a seguinte declaração: eu teria tido Muito Orgulho de ser regida por um soberano como Bertie. Saúde e Paz!!
Rei George VI e rainha Elizabeth, a Rainha-Mãe, em visita ao Canadá (1939) Fonte: Canadian Museum of Science and Technology |
*King's Speech arrebatou os Oscars de: Melhor Filme; Melhor Diretor, Tom Hooper; Melhor Ator, Colin Firth, e Melhor Roteiro Original.
Imagem no início do Post: King George VI - entre 1938 e 1945 - Sir Gerald Kelly
~Ana Paula~A Católica