24 de fevereiro de 2011

Quando a gente fala SEM dizer

Mesmo sem querer, nós manifestamos
desprezo, ainda que aparentemos amor:
nosso olhar, postura e energia "nos traem"
 
Intuição feminina? Sexto sentido? Dom do Espírito Santo? Todas as opções?

Sei que, com o tempo, foi se afiando e afinando em mim a habilidade de ver atrás das palavras e das atitudes dos outros. Esclarecendo: todos nós temos uma linguagem verbal (mesmo os que não falam, contam com as Línguas de Sinais ou Libras - como são chamadas aqui no Brasil) com a qual nos fazemos entender. E temos, também, uma linguagem não-verbal, que usamos sem querer através do nosso olhar, da nossa postura e, especialmente, da nossa energia.

Eu costumava cumprimentar calorosamente uma comerciante de uma loja que frequentava. Até que, nos últimos tempos, fui notando um distanciamento da parte dela, embora continuássemos a nos falar. Pouco antes de ela deixar o emprego - a fim de se dedicar à carreira na área de Psicologia -, comentei: "Sabia, Fulana, que mesmo alguém nos abraçando aparentemente com alegria, dá para perceber que não é nada disso?". Ela levou um susto com a minha colocação.

Continuei: "Você estuda Psicologia e deve entender isso muito bem. Nem sempre o que expressamos condiz com o que realmente sentimos. E a gente acha que disfarça bem, mas muitas pessoas conseguem captar o nosso verdadeiro sentimento. É o que chamo de 'comunicação genuína': eu digo uma coisa, meu corpo fala outra diferente e há quem decifre isso. Enfim, não dá pra fingir afeto a qualquer um...".

Reparei que, por um milionésimo de segundo, a vendedora ficou sem graça, como se eu a tivesse "desmascarado". Então, religiosa que era, instintivamente me puxou para o seu lado e me deu um novo abraço demorado. (Entretanto, tão frio quanto o que havia me dado antes. Coitada.)

Essa minha aptidão - que obviamente não é só minha: muita gente deve detê-la igualmente - chega a me transtornar.

Incomoda, porque não consigo evitar distinguir atrás do que as pessoas falam ou fazem. Estou sempre alerta e, mesmo quando não quero ver, acabo vendo. E me magoo e quero parar de conversar com algumas delas e até de frequentar os lugares a que vão. Em suma, eis o que enxergo: como somos falsos. Como há falsidade neste mundo, nos eventos sociais, em reuniões familiares... (Por isso, entendo e me identifico com o apelo de Billy Joel na canção Honesty, em português: "Honestidade".)

The Conversation (Sem Data), Augustin Théodule Ribot

Cheguei a colocar esta dúvida diante do pároco, na confissão: "O que fazer quando sabemos que vamos nos encontrar com quem não gosta da gente? Fugir? Esconder? Buscar refúgio?". Porque sempre opto pelo isolamento - que reconheço não ser uma solução saudável. Talvez, eu deveria ter perguntado: "Como deixar de ver o que vejo? Como ignorar a dissimulação alheia? Como conversar com alguém que simula afeto por mim; alguém que, na verdade, não quer o meu bem?".

Só que, quando a gente se coloca no centro de tudo, tudo perde o sentido. Porque eu, Ana Paula, sou (literalmente) pequena demais e nada gira em torno de mim. Me colocar no centro só me causa frustração: não resolve a charada.

Ontem e hoje, pensando nisto tudo: na nossa falsidade, nas linguagens verbal e não-verbal; tentei trabalhar a questão de uma outra perspectiva: e se o problema não é o que o outro me fala através da sua energia, da sua postura e do seu olhar? E se o problema for eu? Sem dúvida, possuo a destreza de distinguir atrás das palavras e das atitudes do meu próximo, porém e se apenas atrás fosse muito pouco? O que quero dizer é: e se eu me propusesse a observar mais atrás?

Fotografia de Sara V. from Bellingham

O que há mais atrás? Mais atrás daquele próximo que me soa tão frio e fingido, que não gosta de mim e se esforça para "me demonstrar o contrário"...

... Há Deus.

Eu não sou cristã? Pois então. Meu desafio não é adivinhar os verdadeiros sentimentos dos outros - já que essa sagacidade, eu (e agora você) sei que tenho. Nem devo me iludir de que não noto o que enxergo. Não. Me pôr à prova será entrever além da máscara do outro. Descobrir mais atrás dele o próprio Cristo, o filho de Deus que, na realidade, cada um de nós é. Minha peleja, então, será esta: AMAR as pessoas apesar do que eu vejo (nelas). Esse é o único jeito.

Tenho que acreditar, a exemplo de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face (como relato no Post A inveja nossa de cada dia), que o próprio Cristo se esconde e se revela na alma de cada um. Será dificílimo isso. Duro mesmo. Contudo, para fazer jus à minha fé, preciso tentar - e creio que a oração a seguir pode me ajudar nisso, certo? Saúde e Paz!!

Quem és Tu, Senhor Jesus?
Atribuída a Carlos Roberto
(Livro de Orações, Editora Ave-Maria)

Desde a minha infância
escutei falar de Ti, Senhor Jesus.
Aprendi a Te estimar desde pequeno.
Hoje, que a vida já me marcou,
gostaria de Te conhecer melhor.

Sei que Tu não és apenas um homem
com belas ideias.
Sei que és mais do que
um agitador de massas,
mais do que um homem sincero.
Sei que Tu és a esperança
de todos os homens,
de todas as épocas,
de todas as raças.
Sei que és a invasão
de Deus no humano,
a revelação mais evidente
do mundo do Pai.

Mas, Senhor Jesus,
onde eu poderei encontrar-Te hoje?
Gostaria de escutar Tua voz,
tocar Tuas vestes e falar Contigo.

Sim, sei onde estás.
Sei que continuas vivo; que és O Vivo.
Quando escuto o Teu evangelho,
Tu me falas.
Quando partilho a Eucaristia com meus irmãos,
Tu aí estás.
Quando me reúno com meus irmãos, os homens,
Tua presença se faz sentir.
Quando socorro a alguém
com um copo de água fria ou
com o pão da afeição
tiro a Tua sede e cubro-Te de amor.

Tu estás bem perto de mim.


Imagem no início do Post: L'Heure du Silence (Sem Data), pôster de Henri Meunier


~Ana Paula~A Católica
Licença Creative Commons
Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
Este trabalho está protegido
por uma LICENÇA CREATIVE COMMONS.
Clique no Link para conhecê-la.