31 de maio de 2011

Maria: a visita que todo mundo quer receber

É uma honra acolher a Mãe do Salvador! Porém, proponho um desafio:
vamos ser (como) Maria e causar alegria em quem nos receber.
Detalhes sobre a Visitação de Nossa Senhora, você acompanha neste Post

(Detail Antependium (1410); Wolle, Leinen, Seide - Fotografia de User:FA2010)

"Passei anos tentando engravidar. Em vão. Minha comunidade dá muito valor à maternidade, à descendência. Era a minha vergonha não haver gerado filhos. Até pouco tempo atrás, estávamos meu marido e eu. Velhos e sozinhos. Um pelo outro. Até que um dia... Me vi grávida. Em vez de felicidade, senti medo, tristeza e até raiva: 'Tantos anos e só agora Deus nos abençoava com um filho?'. Fiquei sem graça também. Imagine: todo mundo saberia que, na nossa idade, meu marido e eu ainda..."

Esse diálogo interior seria de Isabel ou Elisabete, como é chamada em outros idiomas. Trata-se da prima de Maria, a mãe de Jesus. Foi Padre Léo, em uma de suas centenas de palestras gravadas na Canção Nova, quem falou desse jeito uma vez, como se nos quisesse colocar dentro da mente de Isabel, a fim de nos mostrar o seu estado psicológico, quando Nossa Senhora decidiu deixar Nazaré, na Galileia, e subir até a cidade de Ain Karim, a seis quilômetros de Jerusalém, na Judeia, apenas para visitá-la.

Quanto ao estado psicológico ou à disposição de alma de Nossa Senhora, estes eram bem diferentes: ela vinha da Anunciação - confira o Post d'A Católica Fiat, anjo Gabriel!. Conforme o livro Maria dos Evangelhos (Paulinas, 2010), a mãe de Cristo sentia e irradiava "alegria plena de gratidão e encantamento":

A primeira palavra de Gabriel havia sido: Alegra-te. Maria não vai ignorar tal saudação e convite. Ela se deixa esclarecer por essa mensagem de alegria. O menino que se forma nela é a sua maior fonte de alegria.

Maria não é tocada pelos perigos possíveis: ser despedida, perder o bom nome, em sociedade e perante os pais, ser lapidada. Ela está estabelecida na alegria e a sua força vem do céu: 'Nada é impossível a Deus' [Lc 1, 37]. É desta mulher ditosa que dizemos: Causa da nossa alegria, porque o filho que ela traz no seio é toda a nossa ALEGRIA.


Prova disso é que a visita da Virgem, sua "mera" presença, mudou completamente a disposição de alma da prima anciã. A Menina de Nazaré e o Menino Jesus foram a causa da alegria do feto João Batista, que estremeceu de júbilo no ventre, e consequentemente de Isabel, que o gestava há seis meses e vibrou junto, entoando "o 1º canto endereçado a Maria". Na mesma obra, Giovanni Maria Bigotto o transcreve:

Tu és bendita entre todas as mulheres
E bendito é o fruto do teu ventre.
De onde me vem a grande honra
De vir a mim a mãe do meu Senhor?

Porque, como tu vês,
Desde que a tua salvação
Chegou ao meu ouvido,
O filho estremeceu de alegria
No meu seio.

Sim, bem-aventurada aquela
Que acreditou no cumprimento
De quanto lhe foi dito
Da parte do Senhor.

Les Très Riches Heures du duc de Berry, Folio 59v - The Visitation

Ante tantos elogios, o que Nossa Senhora fez? Encheu-se de vaidade? Ficou "toda cheia de si"? Achou-se importante? Não. Ela respondeu ao canto da prima com um outro cântico, exaltando a Deus. Hermana Glenda, no livro Palavra e Vida 2011 - o Evangelho comentado cada dia (Editora Ave-Maria, 2010), pontua:

Para que a alma cante as grandezas de Deus é preciso deixar um pouco de olhar suas próprias pequenezas. Deus é grande, fiel, poderoso, cheio de amor e bondade. O ser humano é pequeno, inconstante, débil e tende para o egoísmo. Não obstante, a alegria e o gáudio de Maria nascem e são possíveis porque seu olhar se dirige para Deus antes que para si mesma.

Existe em toda tristeza uma tonalidade de egocentrismo e existe um matiz de humildade agradecida na alma que se alegra porque Deus é Deus... e isso lhe basta.

Assim, para Giovanni Maria Bigotto, "Maria é a primeira que vive uma fé cristã". Ou seja, a primeira pessoa na face da Terra a "viver uma fé cuja razão e meta é Jesus". O autor continua:

O canto de Maria, resposta ao hino de Isabel, é conhecido sob o nome de Magnificat. Maria, louvada, orienta todo o seu canto para Deus, que ela glorifica do primeiro ao último versículo. É a perfeita característica de Maria: ela torna a centrar-se sempre ou no seu Filho Jesus, como em Caná [Jo 2, 1-11], ou em Deus, como é o caso aqui.

Minha alma glorifica ao Senhor,
meu espírito exulta de alegria
em Deus, meu Salvador,
porque olhou para sua pobre serva.

Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações,
porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso
e cujo nome é Santo.

Sua misericórdia se estende, de geração em geração,
sobre os que o temem.

Manifestou o poder do seu braço:
desconcertou os corações dos soberbos.
Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes.
Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos.

Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia,
conforme prometera a nossos pais,
em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.

Centremo-nos, agora, na natureza de sua visita a Isabel.

The Visitation (1310), Giotto di Bondone

Embora não esteja tintim por tintim na Bíblia o que afinal de contas a Virgem, grávida de Cristo, foi fazer em Ain Karim, infere-se, pela sua inclinação, pela sua personalidade, que o seu propósito foi socorrer a parenta idosa. Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini em Um Santo para Cada Dia (Paulus, 1996) afirmam: "Após a anunciação do anjo, Maria sai (apressadamente, diz S. Lucas) para fazer uma visita a sua prima Isabel e prestar-lhe serviços".

Enzo Lodi, em Os Santos do Calendário Romano - Rezar com os santos na liturgia (Paulus, 2007), escreve que a Mãe do Filho de Deus fez "um gesto de caridade, realizado numa longa viagem 'para a montanha'". Ele prossegue, numa análise muito bonita:

Maria, que realiza esse gesto, é impelida por um espírito missionário para uma obra de misericórdia, a fim de servir à parente anciã, quase antecipando a diaconia [dignidade de diácono] da Igreja, que, sem bolsa nem calçados (Lc 10, 4), é enviada aos pobres, para que também eles descubram nos gestos concretos da partilha fraterna que são amados por Deus e que, por isso, são capazes de exultar de alegria (como fez Maria).

A Virgem estava grávida. E não era de um feto comum: tratava-se de Jesus - que, segundo nota da Bíblia Sagrada (Editora Ave-Maria, 2007), é uma "palavra hebraica que significa Salvador". De fato, ele era o Messias, o "consagrado por unção". Sua vinda a este mundo também espelha o significado de Emanuel, "aquele que caminha com o seu povo". Nossa Senhora acreditou nas palavras de Gabriel. Em seu ventre, ela carregava o Filho do Altíssimo, o Santo, o Todo Poderoso.

Detail des Gemäldes: Schwangere Maria (1505), Anônimo

Diante da responsabilidade e honra de gerar o Salvador, Maria não se recolheu, como se tivesse virado uma pessoa "frágil", sagrada, sumamente sublime e "intocável", a quem os outros deveriam reverenciar e (por que não?) servir. Acolher Deus dentro de si, ao contrário, torna-a - talvez, mais do que antes - servidora, trabalhadora, solícita. Serva. Ela se empenha em se alinhar à missão do próprio Filho, que diria mais tarde:

"O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos" (Mc 10, 45; Mt 20, 28).

E também:

"Eu estou no meio de vós como aquele que serve" (Lc 22, 27).

Os três primeiros meses de gestação são decisivos, delicados. Tudo pode acontecer. A futura mamãe deve tomar todo o cuidado. Maria não temeu. Empreendeu um percurso longo, como Sgarbossa e Giovannini relatam, "ajuntando-se provavelmente a alguma caravana de peregrinos que vão a Jerusalém", a fim de ir ao encontro da prima idosa, que precisava dela, do seu apoio físico e também da sua alegria.

Nossa Senhora não chegou a Ain Karim para passear, espairecer, relaxar. Foi disposta a trabalhar: cozinhar, lavar roupa, arrumar a casa. Ela ia "pegar no pesado". Se, de acordo com Giovanni Maria Bigotto, "mãe e filho são inseparáveis; Maria e Jesus não podem mais ser dissociados", a mãe, nesse caso, "é a cara do Filho". A exemplo Dele, a missão dela também era servir. Por isso, viajou literalmente correndo... Para ajudar.

Há um outro aspecto no encontro da Virgem com Isabel. Conforme a obra Guia Visual da História da Bíblia (National Geographic, 2008), tanto Maria quanto sua prima "têm o nascimento de um filho profetizado e ambas as crianças têm papel de destaque no Novo Testamento. (...) Com o encontro das duas grávidas, os dois enredos da história se unem. Ao entrar na casa de Elisabete, Maria cumprimentou a prima e a criança na barriga de Elisabete reagiu com um movimento".

Matris domini - Per gentile concessione del Monastero Matris Domini

Segundo Enzo Lodi, isso ocorreu, porque João "'sentiu a presença oculta de Cristo'. De fato, esse encontro entre os nascituros, além do encontro entre as duas mães, representa a passagem do tempo salvífico da lei e dos profetas para o hoje salvífico dos tempos novos (Lc 16, 16; Mt 11, 12-13). De acordo com Giovanni Maria Bigotto, "simetricamente, as mães se contemplam, os meninos se contemplam".

O canto de Isabel consiste na "primeira bênção dos Evangelhos", conforme o autor de Maria dos Evangelhos. "Uma mãe idosa abençoa a jovem mãe. É bênção de vida: a mãe e o menino são envoltos na mesma bênção". Abençoada e prestimosa, a Virgem permanece junto à parenta por cerca de três meses - "provavelmente até o nascimento e a circuncisão de João", segundo nota da Bíblia de Jerusalém (Paulus, 2002).

Enfim, internauta d'A Católica, ler e meditar na Bíblia a passagem da Visitação de Nossa Senhora (Lc 1, 39-56) - acontecimento que a Igreja celebra neste 31 de maio - me fez iniciar a seguinte reflexão: e quanto a mim? Eu também vou ao encontro dos que podem precisar do meu apoio?

Até onde se sabe, Isabel não pediu a ajuda de Maria. Tão logo a Menina de Nazaré soube da gravidez da prima anciã pela boca do Anjo Gabriel, "dirigiu-se apressadamente" a Ain Karim. Nossa Senhora é assim: sensível diante da necessidade do Próximo (lembremos o que ocorreu nas Bodas de Caná).

Padre Léo, na mesma palestra a que me referi no início deste Post, argumentou que, se não fosse pela visita da Virgem, provavelmente, João Batista não teria se tornado "o leão que grita no deserto", nem teria sido tão ousado, a ponto de encarar Herodes Antipas, rei da Galileia e da Pereia, e sua cunhada/companheira, Herodíades. Sem o estremecimento de alegria que a chegada de Maria provocou, os complexos e receios de Isabel poderiam ter afetado o desenvolvimento do menino, deixando-o retraído.

Heimsuchung (1862), Fotografia de Andreas Praefcke

O título deste Post d'A Católica diz: Maria: a visita que todo mundo quer receber.

Entretanto, em vez de ficarmos de prontidão, casa limpa, despensa cheia, à espera de uma visitante tão nobre e ilustre; talvez seja a hora de invertermos essa expectativa. Por que não agirmos como Nossa Senhora? Por que não irmos no rasto de seu exemplo? Por que não nos colocarmos também a caminho e seguirmos dispostos não a abusar da acolhida dos outros, e sim a socorrê-los no que pudermos?

Claro que não defendo que nos comportemos como "serviçais" na casa alheia. Minha proposta não é que literalmente "peguemos no pesado", como a Virgem o fez. Ela cozinhou, lavou roupa e arrumou a casa, porque era disso que a sua parenta idosa e grávida carecia. Nossos anfitriões podem necessitar de outra coisa. De uma postura simpática, um olhar solidário, uma palavra amiga ou mesmo um silêncio confortador.

Por que então não me empenhar em, ao chegar à casa de alguém, provocar este estremecimento de alegria? Eis uma boa meta para mim: tornar-me tão agradável e alinhada à disposição de alma de Maria, que aqueles que me receberem irão... Sorrir. E (quem sabe) até elevar um pensamento a Deus. O desafio é levar os Céus aonde quer que eu vá. Como a Menina de Nazaré fez em Ain Karim, tão pertinho de Jerusalém.

Oração
(Liturgia bizantina - Maria dos Evangelhos, Paulinas)

Na verdade, é digno chamar-te
bem-aventurada, ó Mãe de Deus,
tu, que és beatíssima e toda pura,
geraste nosso Deus.
És mais honorável do que os querubins
e incomparavelmente mais gloriosa
do que os serafins,
tu que, sem vestígio de corrupção,
geraste o Verbo de Deus.
Nós te aclamamos
como a verdadeira Mãe de Deus.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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