25 de maio de 2011

Viver é aprender a dizer Adeus

Tenho uma coleção de acenos que deixei no ar,
ao longo da minha vida. Minha irmã Andréa Cristina partiu,
como há muito tempo tanta gente querida anda fazendo

Goodbye, on the Mersey (1881), James Joseph Jacques Tissot

Acabei de assistir a um vídeo postado no Facebook. Um vídeo de despedida. Minha irmã, Andréa Cristina, deixou o seu emprego de Terapeuta Ocupacional da Prefeitura de Contagem, na Grande BH (Brasil), para morar na cidade de São Paulo com o marido, o engenheiro Luis Guilherme. Já falei sobre ela, e o trabalho incrível que desenvolve, aqui no Blog A Católica, no Post Homenagem aos Católicos Não-Praticantes.

Só para retomar (e em síntese).

A especialidade da minha irmã - que tem uma Pós-Graduação nisto - é promover a participação dos Deficientes Mentais na sociedade. Tratam-se de pessoas que sofrem de doenças como a esquizofrenia. E ela era uma funcionária pública exemplar. Começou a carreira na cidade de Divinópolis, no Oeste do estado brasileiro de Minas Gerais, depois passou em um outro concurso público, a fim de trabalhar mais perto da capital de Minas, Belo Horizonte.

Andréa Cristina foi a pioneira, se não me engano tanto em Divinópolis quanto em Contagem, em literalmente "correr atrás" de espaços culturais aonde ela pudesse levar os seus pacientes. Locais, como: museus, galerias de arte, cinemas e teatros. Minha irmã telefonava, explicava a importância de eles receberem os doentes mentais e conseguia ingressos gratuitos. Por isso, ela tem um compêndio de histórias hilárias, envolvendo seus pacientes. E outras emocionantes.

Entre as hilárias, está a de um paciente que, já dentro do teatro, resolveu despir-se e sair correndo no meio da plateia. (Imagine a minha irmã tentando detê-lo!...)

Entre as emocionantes, posso citar a última, que ocorreu na tarde dessa terça-feira, dia 24 de maio. Uma orquestra apresentava-se, com direito a maestro e tudo, em um outro teatro aqui em Belo Horizonte. Minha irmã me relatou que todos os pacientes ficaram quietinhos em seus assentos, sem se mexerem nem dizerem nada. Compenetrados. E, ao final de cada música, aplaudiam de pé, entusiasticamente!

Estamos falando de doentes mentais. Pessoas que sofrem de delírios.

Na apresentação dessa terça, Andréa Cristina me contou que um deles saiu do lugar, subiu no palco, caminhou até o maestro e começou a cochichar no ouvido dele: "Mil novecentos e vinte, às nove horas...". Minha irmã ouviu tudo, porque seguiu esse paciente, com receio de que ele pudesse pegar as baquetas e arremessá-las longe. Mas, não. Ficou lá apenas falando baixinho. O maestro não se importou: regia os músicos como se nada estivesse acontecendo!...

No vídeo no Facebook (sobre o qual falei no início deste Post), minha irmã aparece chorando, abraçando o seu agora ex-chefe. Perguntei a ela: "Será que os outros funcionários continuarão o seu trabalho?". Ela respondeu, um tanto triste: "Espero que sim...". Afinal, é preciso muita disposição e desprendimento para telefonar a um museu ou a uma galeria, a fim de relatar o trabalho e obter as entradas gratuitas.

Para Andréa Cristina, e provavelmente conforme as inúmeras leituras e cursos que fez (ainda faz), a inserção e a interação social são imprescindíveis para o doente mental. E que melhor espaço para ambas ocorrerem, do que em um ambiente cultural, cheio de cores, sons e significados que estimulam os sentidos, a mente e as emoções?

Se um bom filme ou uma bela pintura instiga até mesmo a nós, "os normais", que dirá dos efeitos que têm sobre aqueles que estão perdidos em seu universo interior de sonhos? De delírios? A cultura é um meio eficaz para levar os chamados pejorativamente de "doidos" a estabelecerem algum contato com a REALIDADE.

Mas...
... Este Post d'A Católica é sobre despedidas. Nessa terça-feira, minha irmã se despediu de seus colegas de trabalho. Hoje, mais uma vez, ela se despediu de mim.

Minha irmã Andréa Cristina e eu com uma réplica oficial do mascote
da Copa do Mundo na África do Sul, o leopardo Zakumi (2010)
Fotografia de Magali

Tem gente que coleciona chaveiros. Eu mesma, quando adolescente, colecionava reportagens e pôsteres da cantora pop norte-americana Madonna, de quem era grande fã. Hoje, coleciono saudade - uma palavra que só existe na língua portuguesa. Quer uma? Tenho várias. Para emprestar, trocar, dar e até vender (porém, nunca serei bem-sucedida: quem vai querer "comprar" saudade?).

Estou craque em falar "Tchau". Um crânio em derramar lágrimas de "Adeus". Sou fera em dizer: "Até logo"; "Vá com Deus" e em perguntar: "Quando é que você vem de novo?" ou "Quando é que você volta?". Se a habilidade de se despedir fosse medida e premiada, eu seria forte candidata a alcançar o primeiríssimo lugar - com direito a coroa de louros e a um enorme troféu.

Acontece que não gosto de erguer o meu braço, mover o punho e deslizar a mão no ar: para cá e para lá. Entretanto, é algo que a vida nos obriga e, querendo ou não, a gente acaba aprendendo. Aprendendo e, como eu disse, ficando "mestre" nisso.

Só que ando me despedindo demais. Em menos de um ano, beijei pela última vez um avô materno (Vovô João) e um paterno (Vovô Raul); há onze, venho beijando meus padrinhos, Toninho e Suzana, a cada vez que eles vêm ao Brasil e retornam para a distante África do Sul, e agora tenho que beijar a minha irmã, que se mudou de estado.

Soldier's Goodbye Kiss in World War I (1910) - Autor Desconhecido

O tempo vai passando e a gente se vendo cada vez mais sozinho...
... Falam, no mercado de trabalho, a famosa frase que aterroriza: "Ninguém é insubstituível", como se nos ameaçassem: "Se você 'vacilar', boto outro em seu lugar".

Na vida pessoal, essa máxima não vale. É justamente o contrário: quando um amigo se vai; quando um ente querido parte para os Céus; não adianta conhecer "novas pessoas". O espaço que a minha avó materna, a Mãe-Ita, ocupava é intocável. Nada nem ninguém vai preenchê-lo ou me fazer esquecer da falta que ela faz. É uma ausência que seus três filhos, seus outros netos e eu carregamos. Para sempre.

Viver é aprender a dizer Adeus. Êta lição amarga, lição difícil, lição repetitiva. Lição que já está me enjoando. Lição importante. Lição inadiável. Lição das lições. Adeus.

Me dê um beijo de Adeus (Kiss Me Goodbye)
Canção de L. Reed e B. Mason - canta: Petula Clark
Tradução de Ana Paula~A Católica (acatolica.blogspot.com)

Nós escolhemos, ganhar ou perder
O amor nunca é o mesmo
Eu te amo, agora eu te perdi
Não se sinta mal, você não é culpado

Então me dê um beijo de Adeus e tentarei não chorar
Todas as lágrimas do mundo não mudarão a sua cabeça
Há alguém novo e ela está esperando por você
Logo seu coração estará me deixando para trás
Fique por mais um tempo e, então, eu irei embora com um sorriso
Como uma amiga, que apenas aconteceu de você chamá-la
Pela última vez, finja que você é meu
Meu querido, me dê um beijo de Adeus

Eu sei agora que eu preciso ir agora
Embora o meu coração quer que eu fique
Essa garota é o seu amanhã
Eu pertenço ao ontem

Então me dê um beijo de Adeus e tentarei não chorar
Todas as lágrimas do mundo não mudarão a sua cabeça
Há alguém novo e ela está esperando por você
Logo seu coração estará me deixando para trás
Fique por mais um tempo e, então, eu irei embora com um sorriso
Como uma amiga, que apenas aconteceu de você chamá-la
Pela última vez, finja que você é meu

Meu querido, me dê um beijo de Adeus
Meu querido, me dê um beijo de Adeus


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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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