11 de maio de 2011

Às vezes, a gente esquece o exemplo de Cristo

Jesus se dirige à samaritana: rejeitada pelos judeus.
Nós fazemos o mesmo? Ou vivemos um catolicismo acomodado,
que nos afasta, em vez de nos aproximar dos que estão à margem?

Jesus and Samaritan Woman - century XVII - Jacinto de Espinosa

Meses atrás, esta questão me importunava. Daí, simplesmente, me esqueci dela. Acontece que duas leituras trouxeram-na, de novo, de volta a minha mente. É uma questão sem solução - até segunda ordem. Contudo, ela existe. E me tira o sossego. Como uma meia mal colocada que nos atrapalha o andar e nos faz recordar: "Preciso tirar o sapato e arrumar esta meia, senão não vou ter paz o resto do dia!".

Eis a questão: os pobres. Isto mesmo: os pobres, os marginalizados, os excluídos, os desfavorecidos, os miseráveis, os mais sofredores dos sofredores, porque não têm nem mesmo um sofá macio ou uma cama quente onde se recostar para lamentar seus "ais".

Algumas vezes, ao longo da nossa vida e do nosso itinerário de cristãos, contentamo-nos em rezar o Terço Mariano (isso, quando o rezamos), recitar o Pai Nosso e a Ave, Maria, dar o dinheiro ou o dízimo durante o ofertório na Santa Missa ou levar um quilo de arroz ou de feijão à "coleta para as famílias carentes". E só.

Fico cismando se, afora isso, seguimos mesmo, de verdade, os passos do Nosso Messias, o Nosso Salvador, o Nosso Mestre: Jesus Cristo, que fez uma opção evidente e declarada pelos pobres.

Eu me pergunto: "O quem em sua vida, Ana Paula, mostra para si e para os outros que você está no rasto de Jesus?". Porque dizer: "Senhor, Senhor" no conforto da sala de estar, com a TV ligada e um suco de maracujá ou de laranja geladinho na mão, com todas as contas pagas e telefonemas dados... É fácil.

Estou na metade de um bom livro: O que é Teologia? (editora brasiliense, 2006), de Ivone Gebara, professora de Teologia, que é doutora em Filosofia e em Ciências Religiosas. Depois de afirmar que "existem muitos cristianismos no interior do que chamamos de cristianismo e muitas teologias no interior daquilo que chamamos teologia", ela continua:

Para [alguns], a centralidade do cristianismo está fundada numa reversão ética inspirada pelos antigos profetas e profetisas de Israel e que se expressa a partir da afirmação do direito à vida dos marginalizados, dos que são escória para os poderosos deste mundo. Jesus de Nazaré seria um líder deste movimento de reversão ética no judaísmo de seu tempo.

Por isso, tanto o evangelista Mateus [Mt 5, 1-12] quanto Lucas [Lc 6, 20-23] explicitam através das célebres bem-aventuranças a inclusão dos sofredores, dos que choram, dos que têm fome e sede, dos que são perseguidos como os destinatários primeiros do Reino de Deus ou da Felicidade prometida por Deus.

Nesta reversão ética, o último se torna o primeiro, os não convidados ao banquete tornam-se convidados, o mestre se torna servidor e lava os pés dos discípulos, a prostituta precede os sábios no Reino dos céus, e as crianças são exemplo de acolhida da mensagem de Jesus.

A simbologia igualmente é invertida, ou seja, se usam os mesmos símbolos com sentido diferente: Jesus é proclamado rei, mas lhe colocam uma coroa de espinhos e morre entre dois ladrões e fora dos muros de Jerusalém, a cidade santa do Judaísmo.

Christ Healing the Paralytic (1592), Palma Giovane

Após ler esse trecho da obra de Ivone Gebara, folheei a revista Canção Nova deste mês de maio. Monsenhor Jonas Abib, fundador da comunidade que leva o mesmo nome, escreveu um artigo sobre Irmã Dulce, a brasileira que será beatificada* no próximo dia 22 no estado onde nasceu, a Bahia: Irmã Dulce - uma vida de santidade. Eis alguns trechos:

Aos treze anos, a pequena Maria Rita [nome de batismo da religiosa] havia transformado a casa da família em centro de atendimento de pessoas carentes, e assim nasceu sua vocação. (...) Tem em seu currículo de vida cristã uma imensidade de obras sociais, atestando que sua santidade de vida nunca ficou alienada da realidade que a cercava e que a caridade foi o meio concreto encontrado para manifestar seu amor a Jesus, nos irmãos mais pobres e necessitados.

Os pobres. Eles estão no centro da atuação de Cristo na Terra. São eles que acolhem a Sua mensagem primeiro. Como Dunga, missionário da Canção Nova, canta a respeito do Mestre na música Foi Assim:

Ele orou,
Muita gente curou
Ele falou,
Só o pobre ouviu

Como disse, me perguntei - e ainda me pergunto - que lugar os excluídos ocupam na minha vida, no cristianismo que eu pratico. Do que eu corro atrás? Do que você corre?

Algumas vezes, nossos objetivos e sonhos acabam sendo de glória, fama e poder. Nós buscamos algo que nos distancia, em vez de nos aproximar da missão de Jesus junto a Seus escolhidos. Nós nos esmeramos em ser admirados, elogiados e seguidos. Gostamos de ser os maiorais. Sem nos darmos conta de que essa sanha pelo sucesso nos deixará com pouquíssimo tempo para considerar quem está ao nosso lado, quem bate a nossa porta, quem está ali, na calçada da esquina, no chão.

Não tenho respostas. Por isso, não as ofereço a você neste Post d'A Católica.

Escrevi para me perguntar. Se tiver a mesma disposição, pergunte-se também.

Acredito sinceramente que um cristianismo que não é vivido tendo como foco ajudar os que estão à margem, e não só ajudá-los, mas empenhar-se em retirá-los de lá, pode ser uma mentira. Uma farsa. Ser cristã, e cristã católica, não pode se resumir a práticas, como: missas, orações, alimentos não perecíveis deixados diante do altar (em algumas ocasiões) e excursões à Terra Santa e aos santuários marianos - como o Santuário Nacional Nossa Senhora Aparecida, no estado de São Paulo, aqui no Brasil.

Nós queremos agradecer as "graças alcançadas"... Entretanto, e daí? Padre Léo nos questionava em uma de suas maravilhosas palestras: "Nós pedimos a cura para Jesus, mas Ele vai nos curar para quê? Para continuarmos falando mal da vida dos outros, criando inferno aonde quer que vamos? Para seguirmos no nosso egoísmo?".

Um esforço para sair de uma religiosidade mecânica, marcada por rituais que nos consolam, porém que ignora O Próximo, o sofredor, o desprovido de alimento, luz e calor; uma religiosidade mecânica, que vivemos acreditando piamente que nos basta - um esforço para ir além dela é necessário. Extremamente necessário. Como Mons. Jonas Abib relata em seu artigo:

A exemplo dela [de Irmã Dulce], somos convocados a uma vida de serviço ao próximo (...). Não somos chamados a um assistencialismo social, mas a uma caridade evangélica capaz de transformar a sociedade e salvar muitas almas. Você não pode ficar de braços cruzados, o Brasil e o Mundo continuam precisando de mais cristãos capazes de revelar ao Mundo o Evangelho de Cristo por meio de suas vidas.

Não sei como nem quando vou começar a superar o meu individualismo. Um passo é certo: rezar e pedir a luz do Espírito Santo. Não dá para encontrar o Reino dos Céus vivendo voltada para o meu umbigo acomodado. É preciso mais.


P.S. *Para ler mais:
1) Irmã Dulce será beatificada em 22 de maio em Salvador - portal G1;
2) Sobrinha dá continuidade às obras de Irmã Dulce - site da Canção Nova;
3) Saiba como ajudar as Obras Sociais Irmã Dulce em Salvador - portal G1.


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