Há pessoas com dificuldade de respeitar leis simples que facilitariam a vida em sociedade. Simplesmente ignoram o "Proibido Estacionar" e causam frustração e ansiedade em suas vítimas (Foto da placa em inglês: "Não estacione hora nenhuma", por Andrew Schmidt) |
Sábado, 19h45. Lá estavámos meu marido e eu. Presos numa via estreita. Bem antes de uma curva. Num grande ônibus azul que estava atrás de outro grande ônibus azul. "Por que aquele da frente não faz a curva logo? Por quê? Que molenga!" - eu e minha ansiedade (da qual já falei no Post Você SECA as suas imperfeições?). "Aposto que é algum carro estacionado em lugar errado...", Farney vaticinou. E acertou.
Quando chegou a vez de o nosso ônibus passar pelo mesmo ponto, que dificuldade! Pude ver com meus próprios olhos a cara de pau de um cidadão: deixar o automóvel bem debaixo de uma enorme placa vertical presa ao chão: "Proibido Estacionar". Fiquei revoltada - o que não me custa muito, porque sou pavio curto, "tolerância zero".
Primeiro, porque estava em cima da hora de eu chegar em casa e assistir a um programa de que gosto muito: American Idol. Conhece? Candidatos a pop stars soltam a voz e o corpo no palco, despejando todo o seu talento, a fim de se tornarem um novo ídolo da música. (Aqui no Brasil, passa no canal a cabo Sony.) O que não me impediu de refletir com o meu marido: "Minha pressa é por um motivo tolo. E se fosse algo mais grave? E se alguém dentro do ônibus precisasse chegar em casa, para socorrer alguém?".
Segundo, porque fico pasma com a tranquilidade com que algumas pessoas violam as leis sem se importarem com O Próximo, com quem vem depois. Todo o tráfego prejudicado, porque um filho de Deus resolveu não dar importância à placa "Proibido Estacionar". Tem gente que acha que esse tipo de sinalização é "frescura" do governo. Portanto, desnecessária. E decide ignorá-la. Simples assim.
Acontece que, se a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), por exemplo, tomou a decisão de colocar "Proibido Estacionar" perto de uma curva, é porque estudos provaram que um automóvel parado ali impediria outros veículos - sobretudo de grande porte, como um ônibus - de se movimentarem sem se chocarem no meio-fio ou em outro obstáculo. Por que é tão difícil compreender, aceitar e cumprir a lei? Por que alguém, friamente, opta pelo seu interesse egoísta?
Fotografia de Ildar Sagdejev (Specious) |
Morei perto de uma universidade aqui em Belo Horizonte. Morria de dó (como falamos no Brasil) dos motoristas dos ônibus azuis. De repente, eu podia estar onde estivesse no meu apartamento, que ouvia a borracha dos pneus cantando no asfalto: eles tentavam fazer a curva, mas um aluno folgado (para não dizer outra coisa) havia estacionado o carro na esquina - isto mesmo: em plena esquina - bem debaixo da placa que estava bem visível: "Proibido Estacionar".
Um detalhe: antes da curva, os ônibus ficavam quase dependurados na via, porque vinham de uma subida íngreme. Imagine a cena, internauta: um comprido ônibus azul que vem de uma subida íngreme e, em vez de fazer a curva à direita, para chegar à próxima rua, tem que ficar dando ré, descendo a via que acabou de arduamente subir, a fim de tentar manobrar o enorme veículo e, finalmente, completar a curva!
Eu contemplava tudo da minha janela: a aflição do motorista do ônibus, a impaciência dos passageiros, olhando no relógio e pondo a cabeça para fora, a fim de entenderem o que estava acontecendo. Todos os dias, várias vezes ao dia, a mesma cena. E os responsáveis pela confusão eram (provavelmente ainda são, porque me mudei daquele apartamento) estudantes que deveriam se formar e ajudar a fazer um mundo melhor.
Fotografia de Certo Xornal from Ribeira, Galicia, España |
Por falar nisso, algumas vezes, o desrespeito na hora de parar e deixar o carro ocorre não nas ruas, e sim no estacionamento do prédio onde se vive. E uma conhecida minha passou por um constrangimento daqueles neste ano. O episódio merece até um título (talvez dois):
Confusão na Garagem ou O Zelador Mal-Educado
Sua amiga foi visitá-la e, como a sua vaga estava disponível, decidiu oferecê-la à tal amiga, para que deixasse o carro - era hora do almoço e as ruas já estavam repletas de veículos estacionados. Ao abrir o portão da garagem e indicar a sua vaga à amiga-motorista, SURPRESA: o zelador do edifício, marido da síndica (ou companheiro, porque hoje em dia é difícil saber), havia colocado o carro dele na vaga dela!!
Esclarecendo: minha conhecida não tem carro e quase não usa a vaga. Contudo, a própria Convenção de Condomínio esclarece que é proibido ocupar a área dos outros moradores (mesmo que vazia) e permite que as vagas sejam utilizadas por parentes e amigos durante a visita deles, desde que se identifiquem com o inquilino da vaga.
E por que o zelador (que é idoso e estrangeiro, ou seja, não nasceu no Brasil, embora viva com uma brasileira) se sentiu "à vontade" para fazer isso?
Primeiro, porque é mal-educado mesmo. Ocupar a área dos outros sem pedir permissão é, em princípio, falta de educação. Segundo, porque há anos ele é zelador: é amigo "de infância" do proprietário do edifício, que é empresário. Por ser "amigo do dono", deve se achar no "direito de cantar de galo" e confunde tudo: pensa que o prédio é seu, quando não é: pertence ao empresário-amigo, que alugou os apartamentos.
Fotografia de Alectesom |
Além de não querer tirar o seu automóvel (que tinha um baita adesivo de uma igreja cristã no vidro de trás), ele encarou o marido da minha conhecida - que, a esta altura, já havia entrado na confusão - e disse com o dedo indicador em riste: "Tem queixas do condomínio contra você!". Além de estar errado, o zelador idoso e estrangeiro ainda ameaçou com "denúncias" o marido da minha conhecida!... Inacreditável.
Enquanto isso, a amiga estava lá: dentro do carro.
Por fim, também entrou na discussão e implorou que ele retirasse logo o carro da vaga, que ela vinha do médico e não estava se sentindo bem. Sabe o que ele retrucou? "É mentira sua. Você está com a cara muito saudável...". Em seguida, apontou as vagas de outros moradores, relacionadas a outros apartamentos, e ofereceu à motorista: "Deixe ali ou ali!". A amiga da minha conhecida se recusou: "Você quer que eu cometa o mesmo erro que você? Vou deixar o carro na vaga do apartamento que vim visitar!".
Após cerca de vinte minutos (ou mais), finalmente, o zelador mal-educado retirou o carro com adesivo de igreja cristã da vaga dos outros. Ele se recusou a pedir desculpas. O abuso que cometeu foi notificado por carta registrada e e-mail à imobiliária que intermediou a locação do apartamento - e levado ao conhecimento do proprietário do prédio, conforme uma das funcionárias da imobiliária garantiu.
Fotografia de Eugen Nosko - Deutsche Fotothek |
Como visto, aquele sábado em que eu estava ansiosa para chegar em casa e assistir ao American Idol recendeu lembranças de outros incidentes envolvendo gente que desrespeita leis de trânsito e regulamentos de condomínios. E suas vítimas.
Porém, naquele mesmo dia, como se fosse para me lembrar de que existe esperança para este mundo, de que há pessoas preocupadas em fazer a sua parte para deixá-lo (bem) melhor, em uma lanchonete do Shopping Cidade, vi uma jovem mãe - com direito a tatuagem num dos braços - ensinar junto ao ouvido da filha, de cerca de cinco anos de idade, que comia um pão de queijo: "Não fale de boca cheia!".
Não sei quanto a você, internauta d'A Católica: eu acredito que educação é uma das chaves mestras para agirmos com civilidade. E ela vem do berço: é passada de pai para filho, independentemente da classe social. Saúde e Paz!!
Foto de um Mercedes S-Class sobre um aviso de "Não Estacionar" pintado no chão (2006), por Matti Blume, MB-one |