1 de junho de 2011

Crônica sobre café e falsidade

Amo café, mas preciso "fugir" dele de vez em quando.
Assim como corro de pessoas que, com seus comentários maliciosos,
despertam o que há de pior em mim. Levando-me a pecar

Affiche: Van Nelle's pakjes koffie (1936), Autor Desconhecido

Era uma bebida preta. Ficava numa garafa comprida com tampa de rosca. A mim, só restava sentir o aroma. Às vezes, eu podia mais: apertar a tampa de rosca, pra não deixar a fumaça escapar com a temperatura quente. E só. Estou falando de café. A bebida do Papai Tuti. Eu não podia tomar. A mim, era reservado o leite com Nescau. Até que cresci. Agora, eu podia provar café. E adivinhe: era mesmo uma delícia!...

O café desbancou a Coca-Cola gelada, o caldo de cana e até o Nescau. Ao longo dos anos, chegou ao topo, ao posto de "Minha Bebida Preferida".

E não é que arranjei uma profissão que "combinava" com ela? Ou você não sabe que todo jornalista que se preze toma N xícaras de café por hora? Veja bem: por hora, e não por dia. Porém, ao contrário de meus colegas, eu não gostava de amiudar o meu contato com o café. Nem de tê-lo "sozinho", sem um um pedaço de broa de fubá ou um pão novo com manteiga junto. Para mim, café pede acompanhamento.

Além disso, tudo na vida em abundância enjoa. E eu não quero me enjoar de café. Nunca. Por isso, provo-o apenas duas vezes ao dia: durante o café da manhã e o lanche da tarde. Afinal, coisas gostosas ficam ainda mais gostosas a conta-gotas. Como o Vinho do Porto, que me ensinaram que se bebe numa taça pequena.

Sofro de enxaqueca (ou sofria, Se Deus Quiser!...). E resolvi, depois de chegar à conclusão de que poderia ajudar no tratamento desse mal, reduzir ainda mais o contato com a Minha Bebida Favorita: agora, ele ocorre ou no café da manhã ou no lanche da tarde. E não nos dois, nem no mesmo dia. Como era de se esperar, a decisão tornou o meu encontro com o café pra lá de emocionante: "Enfim, vou tomá-lo!".

O afastamento do café (pelo visto) acaba sendo um sacrifício para mim. Porque estou abrindo mão de algo realmente saboroso. Contudo, é para o meu bem. Digo, para o benefício da minha saúde. Então, sou (serei) forte. Aguentarei firme.

Queria ser assim em outras áreas da minha vida.

Affiche. Van Houten's Cacao en Chocolade (1899),
Johann Georg van Caspel

Queria que a minha "habilidade" de enraivecer fosse líquida, escura e visível como o café. Desse modo, não somente poderia avistá-la e evitá-la de beber, como poderia esvaziar a garrafa na pia da cozinha, livrando-me da minha ira. Por outro lado, queria também que a "habilidade" de (certas) pessoas que conheço para a falsidade fosse igualmente palpável, de modo que seria possível engarrafá-la e, em seguida, escorrê-la ralo abaixo. Na mesma pia. Sem dó.

Ultimamente, há mais desprazer do que prazer em rever as pessoas. Pelo menos, algumas delas.

Você as cumprimenta e, ao se afastar, já começam a falar mal de você. Há também aquele tipo de gente que, ao saber de algum infortúnio ou um mero acontecimento na sua vida ou na vida de pessoas que são queridas a você, soltam um comentário irônico, a fim de nos atingir. Nos abalar. Elas fingem se importar, mas nos fazem perguntas apenas para terem a oportunidade de "destilar o seu veneno" (como falamos aqui no Brasil), de deixar no ar as suas observações irônicas. Já passou por isso? Eu já.

Uma vez, o Professor Felipe Aquino disse algo que me tocou muito. Se você é fraco para o álcool, digo, para a cerveja, o vinho ou a cachaça, corra do bar. Se o botequim estiver na próxima esquina, logo à direita, siga pela esquerda. Uma fuga assim é chamada de fuga heroica. E é totalmente válida. Bonito isso, não?

Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face (1873-1897) - sobre a qual já falei no Post d'A Católica A inveja nossa de cada dia - relata em sua autobiografia História de uma Alma que uma vez literalmente "correu para não pecar". Ela se envolveu em um incidente com outra carmelita no convento e, quando percebeu que a conversa caminhava para uma discussão acalorada, simplesmente... Fugiu. Saiu correndo!...

A santa francesa, que viveu 24 anos, declarou em seus escritos que o objetivo de sua vida era "conservar a paz de espírito". E seria difícil cumprir essa meta, caso caísse na armadilha que a outra carmelita armava para ela, qual seja, a de "tirá-la do sério". Teresinha escolheu "dar no pé", deixando a colega "a ver navios". Ao chegar a um lugar onde não podia ser vista, respirou aliviada, com uma sensação incrível de vitória.

Advertizing for Cacao Lhara, Jules Chéret (1836–1932)

Sou fraca como um alcoólatra. Não no sentido de ter "uma queda pelo álcool" (do qual não gosto), mas no sentido de que sou fácil de cair em determinadas armadilhas...
... Dessa forma, para escapar delas, uma única alternativa me resta: fugir!

Se sei que estar perto de certas pessoas despertará o meu pior lado: o lado da ira ou da maledicência; então, simplesmente eu as evito. O máximo que puder. E se o encontro com elas é inevitável, eu as cumprimento, troco uma, duas ou três palavras e vou andando (para bem longe). Tem gente que tem esta capacidade e não se dá conta: despertar o pior lado dos outros com suas fofocas e seus comentários "fortuitos", maliciosos. Permeados de risinhos irônicos. Fazer o quê? Evitá-las.

E eis que este Post sobre café, falsidade e fuga heroica chegou ao fim. Tomei Minha Bebida Preferida no café da manhã e constato que será duro resistir a ela à tarde! Entretanto, não tem outro jeito. Quem está resolvido a melhorar como ser humano e como cristão, não pode esmorecer. A decisão de "fugir" do café mais de duas vezes ao dia e de gente que me leva a pecar... É pra valer! Mesmo.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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