12 de novembro de 2010

A árdua ventura de nos aceitar do jeitinho que somos

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Os poetas Raul de Leoni e Cecília Meireles me ajudaram
a me conformar com o que sou, como sou.
Meu erro foi tentar virar uva passa, quando não passo de uma noz

Passei - ainda passo - a vida inteira tentando ser alguém diferente de mim. Lembro que tinha uma amiga no colégio que se chamava Angélica. Um menino na nossa turma era gamado nela e eu cismei que isso aconteceu, porque Angélica era doce e tímida. Tentei ser como ela, para ver se conquistava um menino como ele também. E assim fui indo pela vida afora procurando ser alguém diferente de mim mesma...

... Cismei que meninas extrovertidas, tagarelas e impulsivas (como eu pensava que eu era) não iriam muito longe, não para o longe que eu queria: os braços daquele rapaz bonito. Parecia que só as quietinhas eram as escolhidas para ficar, para sair, para namorar. Na minha adolescência, eu nem pensava neste troço chamado "vida profissional", onde as pessoas com personalidade esfuziante, como eu julgava ser a minha, geralmente são bem-sucedidas. Eu queria ser bem-sucedida no Amor. Isso é que era importante para mim.

E nesse campo do Amor, minha personalidade repelia, em vez de atrair os meninos. Então, eu treinava comigo mesma para falar menos, rir menos, ficar mais quieta. Em vão. E fui indo nesta angústia tamanha de tentar ser, de verdade, uma pessoa de natureza diversa da minha. Até chegar à faculdade.

Num belo dia, durante uma pesquisa na biblioteca da PUC-Minas, peguei uma edição da revista "Bravo!" ou Cult (não me lembro bem... Se bem que, pensando melhor, acho que era a "Caros Amigos"). Comecei a folheá-la para distrair a mente, até me concentrar nos estudos, e descobri um poeta. O articulista indicava um poeta e um poema. Que mudaram o meu modo de ME ver...

... Ou melhor: nenhuma mudança é como Abracadabra! - isso não existe. Mas, digamos que conhecer o poema iniciou um processo de mudança no meu modo de ME ver, que segue até hoje, até este exato segundo em que escrevo este Post para você. Quer conhecê-lo, digo, quer conhecer o poema? Chama-se EXORTAÇÃO. Na época, como agora, corri ao "Pai dos Sábios" para ver o que essa palavra significava: advertência, conselho. Então, decidi ler. Ei-lo:

Sê na Vida a expressão límpida e exata
Do teu temperamento, homem prudente;
Como a árvore espontânea que retrata
Todas as qualidades da semente!

O que te infelicita é sempre a ingrata
Aspiração de uma alma diferente,
E meditares tua forma inata,
Querendo transformá-la, de repente!

Deixa-te ser!... e vive distraído
Do enigma eterno sobre que repousas,
Sem nunca interpretar o seu sentido!

E terás, de harmonia com tua alma,
Essa felicidade ingênua e calma,
Que é a tendência recôndita das cousas!

Da harmonia com a minha alma virá a minha felicidade... Graças ao poeta fluminense Raul de Leoni (1895-1926), que deixou este mundo com apenas 31 anos de idade, descobri a tremenda bobagem em que, há anos, eu estava metida: criar uma nova Ana Paula, tentar ser uva passa, quando eu era noz; tentar ser banana, quando eu não passava de maçã. Que tortura!

Uma coisa - e nisto o cristianismo e a Igreja Católica, em particular, nos estimulam - é aprimorar-se, melhorar a si mesmo como ser humano, ou seja, tornar-se mais generoso, menos "encrenquinha", mais paciente, menos intempestivo... Outra é o que eu almejava: uma personalidade alheia, uma semente diversa para ser uma árvore diferente. Impossível.

Confesso que ainda não fiz as pazes com a minha natureza. Continuo meio insatisfeita, invejando quem é calmo e solícito. Queria tanto que chegasse o dia em que eu dissesse para mim mesma: "Enfim, sinto-me bem com o que sou! Me caibo, como os pés metidos em meias brancas num tênis ultraconfortável. Sinto-me entregue... Em mim!...". Essa sensação ainda não chegou.

Mas é uma meta.

Neste meio tempo, o que me consola é que, quando assumimos a nossa semente e não fingimos ser uma árvore que não somos, acabamos atraindo as pessoas que combinam conosco, que se ajustam ao nosso jeito de viver e de ver a vida. Se, nesses anos todos, eu tivesse me forçado a ser ou parecer alguém estranha a mim mesma, muito provavelmente já estaria no meu 2º ou 5º divórcio, porque não há relação que resista à farsa.

Em suma: se não sou o que eu queria ser, ou melhor, se não sou como eu queria ser, ao menos sendo o que realmente sou, levo as pessoas certas a se aproximarem de mim para conviver comigo. Como o meu marido. Farney me aceitou do jeitinho que sou, com a "expressão límpida e exata do meu temperamento" - como versejava Raul de Leoni. Simulando ser o que não sou, talvez, ele não me quereria.

E não foi só Raul de Leoni que me exortou a "parar de meditar a minha forma inata" e "deixar-me ser". A carioca Cecília Meireles (1901-1964), minha poeta (ou poetisa, como queira) preferida de todos os tempos, também escreveu linhas nas quais me aconselhou quase exatamente o mesmo:

Não busques para lá.
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te à imagem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te à boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toques nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.

Talvez a questão não seja preocupar-me com o que sou, como sou, mas simplesmente ser. Enfim, existir.


Fotografia de José Luis Hernández Zurdo

~Ana Paula~A Católica
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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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