Hoje é dia de São Jerônimo (que viveu de cerca de 347 ao ano de 420). Sofrônio Eusébio Jerônimo, conforme o livro Os Santos do Calendário Romano (Paulus, 2007). Sabe o que, particularmente, mais gosto nele?? Duas coisas.
Primeiro, o seu Profundo Conhecimento e Amor pela Sagrada Escritura, a ponto de assegurar, segundo Frei Jorge E. Hartmann OFM (Ordem dos Frades Menores), que “Ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”. Uau.
Depois de ler essa afirmação, nunca mais, nunca mais, nunca mais olhei para a Bíblia como um livro de histórias velhas, bobas (Adão e Eva, Arca de Noé, etc.), cujo lugar devia ser aquele mesmo que – infelizmente – ocupa na maioria das casas: “mofar” na estante da sala de estar ou de um dos quartos.
A segunda coisa é que São Jerônimo era como eu. Aliás, como eu e um monte de gente que conheço: o santo tinha um temperamento dificílimo.
E não era o único: de acordo com o livro Um Santo para Cada Dia (Paulus, 1996), São Francisco de Sales (1567-1622) – cujo nome inspirou Dom Bosco ou São João Bosco (1815-1888) ao instituir a Congregação dos Padres Salesianos - era igualmente irascível:
A extraordinária mansidão que possuía [São Francisco de Sales] era fruto de muitos esforços e trabalhos e não algo de inato como tantos podiam pensar. Certa vez disse: “Vocês querem que eu perca num quarto de hora aquele pouco de mansidão que adquiri em vinte anos de lutas?”
Sofrônio Eusébio Jerônimo, o santo do dia, “por causa da dureza e passionalidade de seu temperamento”, mortificava o corpo “de maneira espantosa”. Frei Jorge E. Hartmann explica:
[São Jerônimo] esforçou-se em viver a Palavra de Deus no dia a dia de sua longa vida [teria morrido aos 91 anos de idade], apesar de ter um notável caráter difícil. No popular, diríamos que tinha um ‘pavio curto’, isto é, explosivo, polêmico, impulsivo... Ele sofria com isso e às vezes chegava a bater com uma pedra no peito, pedindo perdão. É chamado de “leão da Dalmácia” [região onde nasceu, no sul da Europa] em alusão ao seu caráter forte e determinado.
Em Um Santo para Cada Dia: “Este homem extraordinário estava consciente de suas próprias culpas e de seus limites (batia-se no peito com pedras por causa de seus pecados)”. Como me consola saber que nem todo santo era como São Francisco de Assis: doce, calmo, manso...
... Voltando à primeira coisa que aprecio em Sofrônio Eusébio Jerônimo, ainda conforme o livro da Paulus, a sua grande importância reside nisto: “A ele devemos a tradução em latim do Antigo e Novo Testamento, que se tornou, com o título de Vulgata, a Bíblia oficial do cristianismo”. Vulgata, porque a intenção era melhorar a tradução para o latim, tornando-a mais popular.
Desse modo, esta Bíblia, esta mesma que muita gente deixa “mofando” na estante (ih... Será que você é uma dessas pessoas?...), devemos a São Jerônimo, o “leão da Dalmácia”.
Desde cedo um devorador de livros, segundo o opúsculo São Jerônimo (Editora Artpress, 2006), “o jovem adolescente se entregava com paixão ao estudo dos historiadores, dos gramáticos e dos filósofos. Conseguiu ir formando, ‘com grande cuidado e também com grandes despesas’ sua biblioteca”.
De acordo com a obra, “em circunstâncias que não conhecemos bem, decidiu-se repentinamente a deixar a terra natal e, levando consigo a preciosa biblioteca, pôs-se em viagem para o Oriente”. Lá, caiu doente. Durante a Quaresma (período de 40 dias que antecede a Páscoa) do ano de 375, teve uma visão. Nela, foi conduzido ao Tribunal de Deus. O próprio santo descreve:
Interrogado no tribunal sobre a minha condição, respondi: - Sou cristão. - Mentes, me disse o Juiz, tu não és cristão, tu és ciceroniano [alusão ao estilo de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), orador e filósofo romano], porque onde está o teu tesouro, aí está o teu coração.
E imediatamente recebeu como castigo uma chuva de açoites. Num juramento solene, declarou:
- Senhor, se por desgraça eu vier a possuir alguma vez livros profanos, ou se vier a lê-los, eu Vos terei renegado!
Então voltou a si, com o corpo todo dolorido. Jerônimo abandonou a cultura pagã e dedicou-se à vida ascética - no deserto, não só fez "austeras penitências", como transcreveu manuscritos bíblicos, aperfeiçoou-se na língua grega e tomou, "com um judeu convertido", lições de hebraico.
O bispo de Antioquia (Síria), Paulino, quis torná-lo padre. Conforme o livro da Arpress: "Jerônimo, entretanto, que não queria desviar-se de sua clara vocação para os estudos bíblicos, só aceitou a ordenação sob duas condições: a de que não estaria obrigado ao exercício de funções sacerdotais e a de que poderia conduzir-se livremente, sem dever obediência ao Bispo".
O Papa Dâmaso, estabelecido no trono de São Pedro de 366 a 384, "não podia deixar de ter sua atenção atraída para o jovem monge que chegava [a Roma] de Constantinopla [atual Istambul, na Turquia] e soube servir-se de seus talentos. Nomeou-o seu secretário para os assuntos do Oriente e seu consultor sobre questões da Escritura".
Assim, Sofrônio Eusébio Jerônimo reviu, a pedido do Sumo Pontífice, o texto dos Evangelhos. Já em Belém, para onde seguiu após a morte do Papa Dâmaso e permaneceu por trinta e quatro anos, até morrer, "recomeçou os estudos do hebraico sob a direção de um judeu e empreendeu uma nova tradução do Antigo Testamento, desta vez a partir do texto original hebraico".
Em síntese, e segundo o site ACI Digital, "São Jerônimo traduziu [a Bíblia] diretamente do hebraico e do grego originais ao latim, com exceção dos livros de Baruc, Sabedoria, Eclesiástico e I e II Macabeus, os quais transcreveu [...] da Ítala Antiga [versão latina que esteve em uso no Ocidente dos séculos II ao V]".
A obra de São Jerônimo foi vastíssima. Ele não cuidou exclusivamente de traduzir a Bíblia do grego e do hebraico para o latim vulgarizado ou popular: deixou inúmeros comentários bíblicos, escreveu sobre a História da Igreja, traduziu outros textos, compôs biografias e redigiu mais de uma centena de cartas.
De acordo com Os Santos do Calendário Romano:
Para nós, a atualidade deste "filósofo, gramático, dialético e trilíngue (hebraico, grego e latim)", como ele se definiu, consiste em praticarmos o que ele nos recomenda no comentário a Gl 5, 19-21: "Nós chamamos homem espiritual porque tudo julga e por ninguém é julgado (1Cor 2, 15) aquele que, conhecendo todos os eventos da Escritura, compreende-os de modo sublime e, vendo Cristo nos livros divinos, não admite neles nada da tradição judaica" [...]. Esse cristocentrismo bíblico é a grande herança de Jerônimo, que foi ao mesmo tempo penitente (por causa [...] de seu temperamento) e humanista.
Ao terminar a sua exposição sobre São Jerônimo, Frei Jorge E. Hartmann pondera, lembrando as palavras do Santo Padre Bento XVI:
Não podemos esquecer jamais que a Palavra de Deus transcende os tempos. As opiniões humanas chegam e vão embora. O que hoje é moderníssimo, amanhã será velhíssimo. A Palavra de Deus, pelo contrário, sublinha Bento XVI, é Palavra de vida eterna, tem em si a eternidade, o que vale para sempre. Ao levar em nós a Palavra de Deus, levamos, portanto, a vida eterna.
Que vida incrível a de Sofrônio Eusébio Jerônimo! Dedicar-se a tornar a Bíblia mais palatável para toda a humanidade. Que grande entrega! Que exemplo de intelectual e de ser humano, que lutou até o fim contra sua ira!
São Jerônimo, Rogai por Nós!
Ó Deus, que iluminastes a São Jerônimo
para dar ao Vosso povo o alimento da Vossa Palavra,
dedicando-se ao estudo, meditação e tradução da Bíblia Sagrada,
fazei que tenhamos, por seu intermédio,
as luzes necessárias para amar e compreender
o Vosso plano de Salvação.
Pela intercessão de São Jerônimo,
abri sempre o nosso coração e a nossa mente
para compreender a profundidade do Vosso amor
manifestado aos homens, na criação e na redenção.
Possamos todos um dia participar da glória que reservastes
a todos os que viveram a mensagem de Vosso Filho Jesus Cristo,
que vive com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém.
(Prece copiada de Orações Particulares, Editora São Cristóvão, 1999)
~Ana Paula~A Católica