Muitas vezes desprezamos alguém só porque ocupa um cargo subalterno
Fotografia de Lemur12 |
Nota: Esta crônica foi escrita em novembro de 2009. A intenção era publicá-la no site da Canção Nova.
- Desculpa te incomodar... Qual é o seu nome?
- Ana Paula. E o seu?
- Edmílson. É que outro dia eu tava falando com um colega que você trata a gente bem... É que as pessoas que vêm aqui nem olham pro nosso rosto. Você conversa, cumprimenta a gente...
- Olha, Edmílson, obrigada, mas eu não faço mais do que a minha obrigação... Até daqui a pouco!...
Esse diálogo ocorreu na portaria da biblioteca de uma universidade particular em Belo Horizonte. Venho visitando o local há 4 meses para fazer uma pesquisa. Os elogios do porteiro talvez deixassem qualquer uma “cheia de si”, mas não a mim. Fiquei triste. Triste mesmo, por saber que sou a única frequentadora (ou ao menos uma das poucas) que olha nos olhos dos funcionários e lhes deseja “boa tarde”.
Não foi a 1ª vez em que alguém de ocupação “humilde”, “subalterna”, desabafava comigo a maneira indiferente e até ríspida com que é tratado. Naquela mesma semana, uma moça do setor de Orientação ao Leitor me confidenciou que foi destratada por um professor só porque chamou-o de “você” em vez de “senhor”. Abalada, ela falhou no serviço no dia seguinte.
Por que isso acontece? Por que vigias, jardineiros, faxineiras, recepcionistas são tratados com desprezo?
Fiquei pensando nos usuários da biblioteca. A maioria são jovens estudantes, supostamente bem-educados, e professores (alguns com mestrado e doutorado na bagagem). Será que essas pessoas agem do mesmo modo ao cruzarem no seu caminho com o reitor da universidade, com um notório desembargador ou um médico todo de branco e bem-alinhado? Será que reservam as suas boas maneiras e o seu melhor sorriso apenas para as pessoas que consideram “importantes”?
Lembrei-me do texto da liturgia do dia 7 de novembro: “Jesus disse-lhes: ‘Vós procurais parecer justos aos olhos dos homens, mas Deus vos conhece os corações; pois o que é elevado aos olhos dos homens é abominável aos olhos de Deus’” (Lc 16, 15).
Muitos de nós agimos como os fariseus, valorizando as aparências, os cargos que os outros ocupam, o prestígio social que têm. Enquanto nos impressionamos com seu status, e até sonhamos em alcançar a mesma condição, vamos maltratando aqueles que exercem uma função tida como “menor”. Mas, temos que nos rebelar! Precisamos ser diferentes: não podemos nos comportar como fariseus! Como cristãos que somos, devemos observar o exemplo e acolher a mensagem de santos como Teresa de Jesus, Antônio de Pádua e Filipe Néri.
A santa espanhola, logo ao tornar-se noviça, aos 20 anos, “decidiu seguir o caminho da santidade”. Como considerava o orgulho “a origem de seus piores sofrimentos”, começou a praticar exercícios de humildade. “Caminhava de olhos baixos, limpava os sapatos das irmãs, acompanhava as mais idosas até suas camas, carregando lamparinas”. Enfim, “nenhum tipo de serviço subalterno lhe parecia suficientemente árduo. Varria o chão, limpava banheiros, mantinha-se sempre em silêncio”, relata a jornalista Rosa Amanda Strausz.
O santo português (mas que tem uma cidade italiana no nome, Pádua), após deixar os cônegos regulares de Santo Agostinho e juntar-se aos franciscanos – rejeitando a chance de lecionar Teologia “em alguma das mais famosas universidades de Portugal ou Espanha” –, não hesitou em adaptar-se ao sistema de vida de um eremitério. Conforme Padre David M. Turoldo, Santo Antônio “lavava a louça, preparava refeições, fazia as limpezas; colhia os alimentos na horta; à noite limpava escondido as sandálias dos irmãos (...) e ainda enfeitava o altar com as mais belas flores dos campos...”.
Estimado pelos papas, o bem-humorado Filipe Néri recebeu de um deles “a missão de verificar se os dons espirituais maravilhosos de uma freira eram autênticos”. Conta-nos o monge Anselm Grün: “Ele foi a seu encontro montado numa mula. Ele não a cumprimentou com reverência, mas lhe pediu que tirasse sua bota cheia de lama. A virgem devota se recusou, indignada. Filipe subiu em sua mula e foi até o papa. Para ele estava claro: ‘Ela não é santa nenhuma, não faz milagres, pois a principal qualidade lhe falta: a humildade’”.
E dessa virtude não carecia o santo italiano. Segundo Grün, apesar do seu prestígio, São Filipe “recusava todos os cargos eclesiásticos. Ele queria continuar sendo o modesto padre. Quando notava que aos poucos estava se tornando famoso, fazia de tudo para zombar de si mesmo”. Porque se sentia aceito por Deus e ancorado Nele, “pôde renunciar a toda fama e influência”.
Caro internauta: não sugiro que façamos o que esses três santos fizeram, mas que nos convençamos de que se eles optaram por ocupações humildes para atingir a santidade é porque as funções ditas “menores” podem ser um caminho legítimo para o Céu. Portanto, na próxima vez em que cruzarmos com uma servente ou um guardador de carros no nosso caminho, vamos saudá-los com alegria: quem sabe não estaremos dando “bom dia”, e provocando um sorriso de satisfação, em um verdadeiro santo? Alguém bem-sucedido não aos olhos do mundo, mas aos olhos de Deus?
Fontes:
- Bíblia Sagrada, Editora Ave-Maria, 175ª edição, 2007.
- Teresa – A Santa Apaixonada, Rosa Amanda Strausz, Objetiva, 2005.
- Antônio de Pádua – Um Santo também para Você, Giovanni M. Colasanti, Paulinas, 4ª edição, 2006.
- 50 Santos, Anselm Grün, Edições Loyola, 2005.
~Ana Paula~A Católica