8 de agosto de 2010

Todos nós merecemos uma Segunda Chance

Ao contrário do apóstolo Paulo, Simonal não teve a simpatia dos colegas

À esquerda, Simona vestido de Pelé, o rei do Futebol.
À direita, Pelé fantasiado de "rei dos palcos", Simona.
Dois ícones do Brasil dos anos 1960 e 1970

Imagem: Reprodução-Internet

Nota: Esta crônica foi escrita em fevereiro de 2010. A intenção era publicá-la no site da Canção Nova.


Acabei de assistir, pela 2ª vez, ao colorido filme Ninguém sabe o duro que dei, sobre a vida e a carreira do talentosíssimo cantor carioca Wilson Simonal. “Simona”, como era chamado, foi vítima de uma injustiça. Ele cometeu um erro e não é que tenha pagado o resto da vida por esse deslize. Foi pior, muito pior. O erro que cometeu foi deturpado e ele acabou pagando, à custa de sofrimento e solidão, por algo que não foi e não fez.

E o bonito no documentário é que seus filhos, Simoninha e Max de Castro, também cantores, garantiram que não têm mágoa e que esperam que o que aconteceu com o pai sirva de lição para as próximas gerações.

E o triste nessa história? O triste não é constatar que, devido ao isolamento ao qual foi banido por mais de 30 anos, Simonal se tornou alcoólatra. O triste mesmo é ver que colegas dele, outros artistas, podiam ter feito algo, ouvido a sua versão dos fatos, estendido a mão ou oferecido um ombro amigo, mas ninguém (e o filme frisa isto: ninguém) moveu ao menos um dedo. Essa omissão, esse egoísmo, essa indiferença em assistir "de camarote" à ruína do outro é um dos mais graves pecados que podemos cometer.

Vamos ao resumo da história: Wilson Simonal foi um dos maiores cantores na década de 1960. Houve anos em que era tão popular quanto Roberto Carlos. Quando Simona subia no palco, seu carisma era tão grande que dava dó o artista que se apresentaria depois: o público vaiava, queria mais Wilson Simonal. E é uma beleza vê-lo cantar e dançar no documentário: um negro esbelto de 1,85 m de altura, com uma voz plena de afinação e potência. Uma de suas interpretações elogiadas foi a que deu para País Tropical, de Jorge Ben Jor. Em vez de cantar:

Moro num país tropical/
Abençoado por Deus/
E bonito por natureza/
Mas que beleza/
Em fevereiro tem carnaval...

Ele criou esta versão (que é ininteligível em outros idiomas):

Mó num pá tropi/
Abençoá por Dê/
E boni por naturê/
Má que belê/
Em feverê tem carná...

Até hoje, muita gente canta os versos dessa maneira sintética sem saber que ela foi fruto da imaginação de Simonal.

Pois bem: um dia, lá pelos idos de 1970, 1971, Simona descobriu que alguma coisa estava errada com a contabilidade de seus ganhos: embora o sucesso lhe trouxesse muito dinheiro, ele estava “quebrado”. Seu contador negou que o estivesse roubando. Para arrancar uma confissão dele, Simonal decidiu chamar uns conhecidos na polícia, a fim de o pressionarem, darem-lhe um susto. Só que esses policiais levaram o contador ao Dops, antigo departamento de repressão, para onde os que eram taxados de “terroristas” ou “comunistas” eram conduzidos durante o regime militar (1964-1985) aqui no Brasil.

A imprensa soube do ocorrido e com o tempo foi virando “verdade” a versão de que Wilson Simonal “trabalhava para o Dops”, era informante, dedo-duro de artistas que fossem da esquerda, ou seja, contrários à ditadura. Em vez de apurar os fatos, a mídia brasileira fez o que até hoje (infelizmente) faz: condenou Simonal sumariamente. Uma reportagem dizia que o “dedo” dele ficou mais importante do que a voz; outra, que ele vinha “cantando e informando”, ou seja, denunciando nomes de colegas do meio artístico.

Um dia, Simona apareceu em uma roda de samba e foi vaiado. E a vaia se ampliou até silenciá-lo: a partir de 1974, 1975, ninguém quase veria ou ouviria falar de Wilson Simonal. Se o nome dele estivesse escalado para participar de um programa de TV, os outros cantores se recusavam a ir. Se ele marcava um show em uma boate, os outros artistas diziam que nunca mais se apresentariam ali. Sem opção, acuado, o cantor encontrou consolo na bebida até morrer de cirrose hepática no ano de 2000.

Simonal errou? Sim: ele não devia ter intimidado seu contador. Contudo, merecia uma segunda chance como qualquer um de nós, como o apóstolo Paulo recebeu.

Embora delator e perseguidor de cristãos, Paulo teve crédito suficiente para provar que, de fato, se converteu. Pedro e os demais foram generosos em acreditar na história da sua conversão: como é duro dar um voto de confiança a quem nos magoou, agrediu nossos irmãos, mas os apóstolos deram. Os apóstolos creram que Paulo foi maior do que seu erro, que ele aprendeu e seguiu em frente. Porque Pedro e seus companheiros tiveram fé na sua mudança e consentiram na sua missão de levar o Evangelho “aos confins do mundo”, Paulo teve a oportunidade de se tornar o santo gigante que conhecemos.

Wilson Simonal era um artista ímpar: tinha o dom de se comunicar com a plateia e envolvê-la toda no seu balanço, na sua alegria. O filme prova que ele não delatou nem perseguiu ninguém. Imagine no que esse cantor brilhante não teria se transformado se seus colegas de profissão e a imprensa tivessem dado algum crédito a ele? Que Deus nos dê a graça de agirmos como Pedro e os outros apóstolos para que todos os que erram (e quem não erra?) contem com a nossa simpatia de cristãos.

~Ana Paula~A Católica
Licença Creative Commons
Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
Este trabalho está protegido
por uma LICENÇA CREATIVE COMMONS.
Clique no Link para conhecê-la.