11 de maio de 2023

O velho e o novo Templo

Tela: Christ Cleansing the Temple (1655), Bernardino Mei

Lugar de culto e sacrifício, local da presença de Deus e símbolo da Sua fidelidade, já no tempo de Jesus, o Templo de Jerusalém havia falhado em sua missão de ser uma casa de oração, transformando-se numa casa de negociantes (conforme o evangelho segundo São João) ou num covil de ladrões (conforme o evangelho segundo São Mateus). Como isso se dava?

De acordo com David Smith, citado em As Palavras e As Obras de Jesus (Hagnos, 2022), animais - cordeiros, novilhos, pombas - destinados a rituais de sacrifício ou purificação perfilavam-se para venda no pátio sagrado do Templo. Lá, também existia um mercado monetário, onde os judeus da dispersão trocavam a sua moeda estrangeira - considerada impura - pela moeda judaica, antes de comprar suas ofertas. Eis então os cambistas com suas caixas de dinheiro, exigindo o ágio (juro) na operação.

Foi com essa situação que Jesus, vindo da Galileia, se defronta na Judeia. Então, ainda conforme David Smith, Ele pega pedaços de corda, amarras e cordões entre o lixo espalhado pelo pátio e trança-os pra formar um açoite, com o qual expulsa todos do recinto sagrado. As ovelhas e os bois, conduz pra fora. Quanto às pombas, pede pra que seus donos levem-nas embora. As mesas dos cambistas, Ele vira, espalhando as moedas deles pelo chão...

Conforme Camille Focant, em Jesus - A Enciclopédia (Editora Vozes, 2020), "nada nos textos evangélicos sugere que Jesus teria desejado reformar o sistema complexo do Templo, com seus dízimos, seus impostos, seus sacrifícios, suas oferendas, suas festas... Estamos longe da imagem de um reformador do culto. Jesus não tem como meta melhorar o culto judaico radicalizando as exigências de santidade e de pureza do Templo. É, ao invés, o anúncio do Reinado de Deus que Ele propõe a todos, com suas consequências, entre as quais uma relativização das prescrições de pureza".

De acordo com a mesma autora, o gesto de Jesus no Templo de Jerusalém também não representava um motim. Ele não propôs o início de uma insurreição para libertação nacional, pois nem mesmo os discípulos, implicou naquela ocasião. Tratou-se, isso sim, de "uma ação de dimensões relativamente modestas, o que não diminui em nada sua eficácia no plano simbólico".

Conforme o evangelho segundo São João, diante da expulsão dos vendilhões e dos cambistas, os judeus perguntam: "Que sinal nos apresentas tu, para procederes deste modo?".

John Dwight Pentecost, em As Palavras e As Obras de Jesus, analisa: "Ninguém questionou que o Templo precisava ser purificado. Ninguém colocou em questão que o Templo havia sido pervertido por seu uso indevido. Ninguém pôs em dúvida que aqueles que vinham ao Templo estavam seguindo a tradição, e não a lei. Ninguém discutiu que aqueles que sentavam à mesa dos cambistas e aqueles que vendiam animais eram motivados pela ganância egoísta. Os líderes judeus não confrontaram Jesus pelo que Ele acabara de fazer, mas questionaram Sua autoridade para fazer o que eles reconheciam que precisava ser feito".

A audaciosa restrição ao Templo por parte de Jesus suscita a indignação dos sumos sacerdotes e dos escribas. Para Camille Focant, "a relação tensa Dele com o Templo parece ter realmente desempenhado um papel desencadeador nos propósitos mortíferos das autoridades judaicas a Seu respeito. Estas perceberam sem dúvida uma nítida radicalidade na ameaça feita por Jesus ao Templo e seu culto".

Neal M. Flanagan, em Comentário Bíblico (Edições Loyola, 2014), compartilha essa opinião: "É provável que a purificação do Templo tenha ocorrido quase no fim da vida de Jesus, como Mateus, Marcos e Lucas indicam, sendo a última gota que levou à condenação de Jesus. João pode ter transferido a história para a fase inicial da vida de Jesus, porque pretende que a ressurreição de Lázaro seja o incidente que leva à crucifixão".

Giuseppe Barbaglio discorda. Observando que a expulsão dos vendilhões e dos cambistas encontra uma colocação cronológica diferente nos evangelhos - para Marcos, Mateus e Lucas, ela acontece às vésperas da Paixão; para João, muito tempo antes, no início da Sua missão -, aquele autor afirma em Os Evangelhos I (Edições Loyola, 2014): "Não nos é possível determinar o tempo exato em que o fato aconteceu. Talvez se deva excluir uma data tão vizinha à Paixão. De fato, no processo contra Jesus não se lhe faz nenhum aceno por parte dos adversários, que teriam podido encontrar aí algo de que acusá-Lo".

No evangelho segundo São João, em reposta aos judeus que Lhe pediram um sinal de Sua autoridade para expulsar os vendilhões e os cambistas, Jesus desafia: "Destruí vós este templo e eu o reerguerei em três dias". O próprio evangelista sublinha: "Ele falava do templo do Seu corpo".

Neal M. Flanagan pontua: "Muitas das palavras e ações de Jesus não foram entendidas durante Sua vida e se tornaram inteligíveis somente à luz de Sua ressurreição. É dessa perspectiva que o evangelista escreve". 

Em Os Evangelhos II (Edições Loyola, 2006), Bruno Maggioni pondera: "No Antigo Testamento, o Templo tinha substancialmente duas significações: lugar da presença de Deus e lugar de reunião e de encontro das tribos. João dá a entender que o Templo de Jerusalém era provisório sob ambos os aspectos, porque ambos são substituídos por Jesus". De acordo com esse autor, João indica o momento em que o antigo Templo, onde imperavam sacerdotes gananciosos, cambistas e vendilhões, cedeu lugar ao novo: na morte e ressurreição de Cristo. O Templo passa a ser Cristo ressuscitado.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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