6 de maio de 2023

Deus não justifica quem basta a si mesmo

Imagem: The pharisee and publican
(1873), Autor desconhecido

Que atitude devemos tomar durante a oração? A resposta está numa parábola contada por Jesus. Para ilustrar qual deve ser o comportamento diante de Deus, Ele usa as figuras do fariseu e do publicano. O primeiro, observante da lei; o segundo um cobrador de impostos. Cobrando taxas em prol dos ocupantes romanos, o publicano era escarnecido e odiado publicamente. Por quê? Porque sua classe costumava exigir em impostos, em proveito próprio, mais do que era estipulado por Roma.

De acordo com a história de Jesus, que consta no evangelho segundo São Lucas, num dia, os dois homens subiram ao templo para orar.

O fariseu, tal qual Rinaldo Fabris descreve em Os Evangelhos II (Edições Loyola, 2006), reza como todos os devotos judeus: de pé, com os braços levantados e a cabeça erguida. Seguindo a forma clássica da oração bíblica e judaica, ele louva e agradece a Deus. Pelo quê? Por não ter os vícios dos demais homens: "Eu jejuo... Eu pago o dízimo...". Ostentando as suas virtudes, o fariseu profere um juízo favorável sobre si mesmo.

E quanto ao publicano? Faz o contrário: profere um juízo desfavorável de si mesmo. Como Rinaldo Fabris interpreta, ele está "desnorteado e confuso no lugar de culto"; incapaz de assumir a postura normal de quem ora, "bate no peito como aquele que está numa situação de desespero". Nas palavras do professor Michel Gourgues, em As Parábolas de Lucas (Edições Loyola, 2005), "o publicano reconhece-se pecador e só pode implorar o favor de Deus, para o qual não ousa levantar os olhos".

Analisando o comportamento dos dois crentes, o professor ressalta: "No fundo, esse homem [o fariseu] basta a si mesmo, pode tornar-se justo sem Deus. De certo modo, ele se substituiu a Deus; nesse sentido, pôs sua confiança em si mesmo, em vez de pô-la em Deus. O publicano, ao contrário, nada tem a fazer valer diante de Deus: só pode assim entregar-se a Ele: 'Tem piedade de mim, pecador'".

Ainda conforme Michel Gourgues, o erro do fariseu, que lhe valerá ir para casa não justificado, foi, de um lado, não colocar sua confiança em Deus e, de outro, desprezar os outros. Quanto ao publicano, Rinaldo Fabris observa: "Exatamente o odiado cobrador de impostos, o pecador, recebeu o dom de Deus, a justiça, isto é, o perdão e a benevolência divina". O autor completa: "O fariseu ostentava a justiça como conquista pessoal! O publicano a recebeu como dom misericordioso de Deus".

Michel Gourgues conclui: "A narrativa nada diz das disposições do publicano de mudar sua vida, porque não é esse o ponto que se quer acentuar. O que importava, antes de tudo, era sublinhar as disposições de Deus para com os pobres, e não as disposições dos pobres para com Deus. Aqui, o que se quer acentuar é o contraste das duas atitudes diante de Deus". O professor continua: "Aquele que vê sua miséria sabe que não pode pôr sua confiança em si mesmo: então Deus pode entrar em sua vida".

Por isto aos pobres e pecadores, àqueles vulneráveis que se parecem com as criancinhas, o Reino dos Céus está reservado: eles se despojam da autossuficiência, pra contar, com confiança, com a graça de Deus.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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