21 de junho de 2013

O último livro de Bento XVI


A Católica leu o delicioso A Infância de Jesus e constatou

que Cristo nasceu em uma gruta, de Mãe Virgem
e SIM: a estrela de Belém existiu!

Confira 2 mapas do céu na noite de Natal
e uma seleção dos melhores parágrafos


(Imagem: Das Christuskind - by 1881 -
Melchior Paul von Deschwander)

Em minhas peregrinações pelas livrarias da minha cidade, Belo Horizonte, um vendedor - de nome Wilson - apresentou-me um dos livros mais engraçados que já vi. Se não me engano, era uma edição de bolso (Pocket Book) de autoria do desenhista e humorista Millôr. De que tratava a obra que tanto me fez rir? Era simplesmente - e não mais do que isto - a compilação das "melhores" frases ou dos "melhores" parágrafos de 2 livros de autoria de 2 ex-presidentes do Brasil: José Sarney e Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Por que era tão engraçado? Porque Millôr escancarava, em meio a observações hilárias, como os 2 ex-presidentes do Brasil gostam de escrever usando palavras difíceis, que só moram no dicionário, termos que ninguém mais na face da Terra conhece, a não ser... Eles mesmos!

Ali, folheando aquele opúsculo (aha: também sei usar palavras difíceis, viu só?), bem, folheando aquele livrinho na livraria Travessa, que ficava na Avenida Augusto de Lima, tive a certeza, amparada nas piadas de Millôr que permeiam toda a obra, que não é preciso ser tão pernóstico (aha: outra palavra difícil!) para ser um escritor respeitado, tido como "inteligente", em outros termos, um escritor de valor.

Arrisco a dizer que Joseph Ratzinger também deu uma olhadela na obra de Millôr: Crítica da razão impura ou O primado da Ignorância (L&PM, 2002).

Sim, internauta.

Nosso Papa anterior, agora com o título de Emérito, deve ter lido o livro engraçadíssimo do humorista brasileiro e dito para si mesmo: "Eu não quero ser pernóstico feito o Sarney e o FHC!...". E assim, apesar de toda a sua notória erudição, da sua propalada capacidade como teólogo, de seu currículo extenso como clérigo e professor de universidade, de todas as obras que já escreveu; deparar-se com seu último livro como Papa Bento XVI é como ouvir uma aula gostosa ou o monólogo agradável... De um amigo.

Isto mesmo: o que mais me chamou a atenção em A Infância de Jesus (Planeta, 2012) foi justamente a maneira articulada e fácil de entender com que Bento XVI expõe tudo o que aprendeu e meditou sobre a chegada do Menino Deus a este mundo. Maravilha das maravilhas: degustar uma obra escrita com tanta simplicidade e objetividade, praticamente sem precisar recorrer - a todo o momento - ao dicionário!...

Em A Infância de Jesus, que está dividida em 4 capítulos + um epílogo (desfecho), nosso Papa Emérito argumenta que sim, nós podemos confiar na historicidade e veracidade dos Evangelhos de Mateus e Lucas (os quais narram a primeira parte da vida de Cristo); que Jesus nasceu em uma gruta, que um boi e um jumento contemplaram a cena; que Nossa Senhora era e permaneceu virgem e que existiu a famosa estrela de Belém. Tudo isso embasado pelos estudos mais recentes - os quais ele cita.

A seguir, o Blog A Católica mostra a compilação de alguns dos parágrafos que mais me chamaram a atenção em cada um dos capítulos - são apenas alguns, porque o livro inteiro é pleno de informações marcantes. Com a palavra, nosso Papa Emérito.

Reprodução-Internet

Capítulo 1 - De onde és tu? (Jo 19, 9)

1) "A genealogia, em Mateus, é uma genealogia de homens; nela, porém, antes de Maria - com quem termina a genealogia - mencionam-se quatro mulheres: Tamar, Raab, Rute e 'a mulher de Urias'. Por que motivo aparecem essas mulheres na genealogia? Com qual critério foram escolhidas?

(...) Importante é o fato de nenhuma das quatro ser judia; assim, por intermédio delas, entra na genealogia de Jesus o mundo dos gentios: torna-se visível que a sua missão se destina a judeus e pagãos."


Capítulo 2 - O anúncio do nascimento de João Batista e de Jesus

1) "Na saudação do anjo, impressiona o fato de não dirigir a Maria a habitual saudação judaica shalom - a paz esteja contigo -, mas a fórmula grega khaire, que se pode tranquilamente traduzir por 'Ave', como sucede na oração mariana da Igreja, formada com palavras tiradas da narração da anunciação (cf. Lc 1, 28.42). Mas é justo individuar, neste ponto, o verdadeiro significado da palavra khaire: alegra-te! Com esse voto do anjo - podemos dizer -, começa propriamente o Novo Testamento."

The Annunciation (1898), Henry Ossawa Tanner

2) "... a prioridade do perdão dos pecados como fundamento de toda verdadeira cura do homem.

O homem é um ser relacional; se fica perturbada a primeira relação fundamental do homem - a relação com Deus - , então nada mais pode estar verdadeiramente em ordem. É dessa prioridade que se trata a mensagem e atividade de Jesus: ele quer, em primeiro lugar, chamar a atenção do homem para o cerne do mal, fazendo-lhe ver: se não estiveres curado nisso, então, apesar de todas as coisas boas que possas encontrar, verdadeiramente não estarás curado."

3) "... o que dizemos no Credo - 'Creio (...) em Jesus Cristo, seu [de Deus] único filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria' - é verdade?

A resposta, sem qualquer hesitação, é sim. Karl Barth fez notar que, na história de Jesus, há dois pontos nos quais o agir de Deus intervém diretamente no mundo material: o seu nascimento da Virgem e a ressurreição do sepulcro, donde Jesus saiu e não sofreu corrupção. Esses dois pontos são um escândalo para o espírito moderno. A Deus é concedido agir sobre as ideias e os pensamentos, na esfera espiritual, mas não sobre a matéria. Isso incomoda; ali não é o seu lugar. Mas é precisamente disto que se trata: que Deus é Deus, e não Se move apenas no mundo das ideias. (...)

Se Deus não tem poder também sobre a matéria, então Ele não é Deus. (...) Por isso, a concepção e o nascimento de Jesus da Virgem Maria são elementos fundamentais da nossa fé e um luminoso sinal de esperança."

Madonna (1890s), Wilhelm von Gloeden


Capítulo 3 - O nascimento de Jesus em Belém

1) "Um primeiro problema ainda é bastante fácil de esclarecer: o recenseamento teve lugar no tempo do rei Herodes, o Grande, que, porém, morreu já no ano 4 a.C. O início da nossa contagem do tempo - a determinação do nascimento de Jesus - remonta ao monge Dionísio, o Exíguo (+ aprox. 550), que evidentemente errou alguns anos nos seus cálculos. Portanto, temos de fixar a data histórica do nascimento de Jesus algum ano antes."

2) "De fato, em relação ao nascimento de Jesus, não temos outras fontes além das narrativas da infância feitas por Mateus e Lucas. Vê-se que os dois dependem de representantes de tradições muito diferentes; são influenciados por perspectivas teológicas diferentes, e inclusive as suas informações históricas divergem parcialmente.

Parece que Mateus desconhecia que tanto José como Maria habitavam inicialmente Nazaré. (...) Ao passo que, para Lucas, é claro, desde o início, que a Sagrada Família, depois dos acontecimentos do nascimento, voltou para Nazaré. As duas linhas diversas de tradição concordam na informação de que o local do nascimento de Jesus era Belém. Se nos ativermos às fontes, fica evidente que Jesus nasceu em Belém e cresceu em Nazaré."

Blick auf Betlehem bei Nacht (by 1920), Josef Langl

3) "'Enquanto lá estavam [em Belém], completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na sala' (Lc 2, 6-7).

(...) Para o Salvador do mundo, Aquele para quem todas as coisas foram criadas (cf. Cl 1, 16), não há lugar. 'As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça' (Mt 8, 20). Aquele que foi crucificado fora da porta da cidade (cf. Heb 13, 12) também nasceu fora da porta da cidade."

A Adoração dos Pastores (cerca de 1540),
Giovanni Gerolamo Savoldo

"Tudo isso nos deve fazer pensar, nos deve recordar a inversão de valores que se verifica na figura de Jesus Cristo, na sua mensagem. Desde o seu nascimento, Jesus não pertence àquele ambiente que, aos olhos do mundo, é importante e poderoso; e contudo é precisamente esse homem irrelevante e sem poder que Se revela como o verdadeiro Poderoso, como Aquele de quem, no final das contas, tudo depende.

Por conseguinte, faz parte do tornar-se cristão este sair do âmbito daquilo que todos pensam e querem, sair dos critérios predominantes, para entrar na luz da verdade sobre o nosso ser e, com essa luz, alcançar o justo caminho."

4) "Maria colocou o menino recém-nascido numa manjedoura (cf. Lc 2, 7). Daqui, com razão, se deduziu que Jesus nasceu num estábulo, num ambiente pouco confortável - vem-nos a tentação de dizer: indigno -, que todavia, proporcionava a discrição necessária para o acontecimento sagrado. Desde sempre, na região ao redor de Belém, se usaram as grutas como estábulo (...)."

Christmas (from 1810 until 1893), Grigory Gagarin

"A tradição dos ícones, com base na teologia dos Padres, interpretou teologicamente também a manjedoura e as faixas. (...)

Agostinho interpretou o significado da manjedoura (...), [que] é o lugar onde os animais encontram o seu alimento. Agora, porém, jaz na manjedoura Aquele que havia de apresentar-Se a Si mesmo como o verdadeiro pão descido do céu, como o verdadeiro alimento de que o homem necessita para ser pessoa humana. É o alimento que dá ao homem a vida verdadeira: a vida eterna. (...)"

5) "... no Evangelho, não se fala de animais; mas a meditação guiada pela fé, lendo o Antigo e o Novo Testamento correlacionados, não tardou a preencher essa lacuna, reportando-se a Isaías 1, 3: 'O boi conhece o seu dono, e o jumento, a manjedoura do seu senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, o meu povo não pode entender'. (...)

Bem depressa a iconografia cristã individuou esse motivo. Nenhuma representação do presépio prescindirá do boi e do jumento."

Detail aus dem Waldburg-Gebetbuch,
WLB Stuttgart, Cod. brev. 12, fol. 89v (1486), Anonymous

6) "As primeiras testemunhas do grande acontecimento são pastores que estão de vigia. (...) Parece-me que não seja necessária demasiada perspicácia para superar tal questão: Jesus nasceu fora da cidade, num ambiente circundado por todo o lado de pastagens para onde os pastores traziam os seus rebanhos. Por isso, era normal que os primeiros a ser chamados para ver o Menino na manjedoura fossem os pastores que estavam mais perto do acontecimento.

(...) Coincide com isso o fato de pertencerem aos pobres, às almas simples, pelas quais Jesus havia de bendizer o Pai, porque é sobretudo a elas que está reservado o acesso aos mistério de Deus (cf. Lc 10, 21-22). Os pastores representam os pobres de Israel, os pobres em geral: os destinatários privilegiados do amor de Deus.

(...) O profeta Miqueias fixa o olhar num futuro distante e anuncia que de Belém sairia aquele que havia de apascentar um dia o povo de Israel (cf. Miq 5, 1-3; Mt 2, 6). Jesus nasceu entre os pastores; Ele é o grande Pastor dos homens (cf. 1Pd 2, 25; Heb 13, 20)."

7) "'De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, a louvar a Deus dizendo: 'Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens que ele ama' (Lc 2, 12-14). (...)"

The Annunciation to the Shepherds (1663), Abraham Hondius

"Aquilo que até há pouco tempo era traduzido por 'homens de boa vontade', exprime-se agora, na tradução da Conferência Episcopal Alemã, pelas palavras: '(...) homens da sua graça'. Na tradução da Conferência Episcopal Italiana, fala-se de 'homens que ele ama'. (...) A tradução literal do texto original em grego diz: paz aos 'homens do [seu] agrado'. Naturalmente, surge também aqui a questão: Quais homens são do agrado de Deus? E por quê?

(...) Na narração do batismo de Jesus, Lucas conta que, enquanto Jesus estava em oração, o céu se abriu e veio de lá uma voz que dizia: 'Tu és o meu Filho amado; em ti pus todo o meu agrado' (Lc 3, 22). O homem do agrado é Jesus; o é, porque vive totalmente voltado para o Pai: vive com os olhos fixos n'Ele e em comunhão de vontade com Ele. Portanto, as pessoas do agrado são aquelas que têm o comportamento do Filho: pessoas configuradas com Cristo."

8) "'Quando os anjos os deixaram (...), os pastores disseram entre si: 'Vamos já a Belém e vejamos o que aconteceu, o que o Senhor nos deu a conhecer'. Foram então às pressas, e encontraram Maria, José e o recém-nascido deitado na manjedoura' (Lc 2, 15-16). Os pastores foram apressadamente. De forma análoga, o evangelista narrara que Maria, depois da alusão do anjo à gravidez da sua parenta Isabel, se dirigiu 'apressadamente' para a cidade de Judá, onde viviam Zacarias e Isabel (cf. Lc 1, 39). (...)

E quantos cristãos se apressam hoje quando se trata das coisas de Deus? E, no entanto, se há algo que mereça pressa - talvez o evangelista nos queira dizer tacitamente isso mesmo -, são precisamente as coisas de Deus!"

Biblical illustration of Gospel of Luke Chapter 2 (1984),
Biblical illustrations by Jim Padgett


Capítulo 4 - Os magos do Oriente e a fuga para o Egito

1) "Sabemos, por Tácito e Suetônio, que então circulavam expectativas segundo as quais sairia de Judá o dominador do mundo (...).

Tudo isso podia pôr a caminho somente quem fosse homem duma certa inquietação interior, homem de esperança, à procura da verdadeira Estrela da salvação. Os homens de que fala Mateus não eram apenas astrólogos; eram 'sábios': representavam a dinâmica de ir além de si próprio, que é intrínseca à religião; uma dinâmica que é busca da verdade, busca do verdadeiro Deus e, consequentemente, também filosofia no sentido originário da palavra."

The Journey of the Magi (1894), James Tissot

2) "Assim como a tradição da Igreja leu, com toda a naturalidade, a narrativa de Natal tendo por horizonte de fundo Isaías 1, 3 e, desse modo, o boi e o jumento chegaram ao presépio, assim também leu a narrativa dos magos à luz do Salmo 72, 10 e de Isaías 60. E assim os sábios vindos do Oriente tornaram-se reis e, com eles, entraram no presépio os camelos e os dromedários."

3) "O pensamento decisivo que nos fica é este: os sábios do Oriente constituem um início, representam o encaminhar-se da humanidade para Cristo, inauguram uma procissão que percorre a história inteira. Não representam apenas as pessoas que encontraram o caminho até Cristo, mas também a expectativa interior do espírito humano, o movimento das religiões e da razão humana ao encontro de Cristo."

Birth of Jesus with visiting Magi (undated, ca. 1900),
Heinrich Hofmann

4) "Com o despontar da astronomia moderna, cultivada também por cristãos crentes, colocou-se a questão acerca desse astro [a estrela que, segundo a narrativa de São Mateus, impeliu os magos a porem-se a caminho]. (...)

Johannes Kepler (+ 1630) adiantou uma solução que é substancialmente reproposta também por astrônomos atuais. Kepler calculou que, na passagem entre os anos 7 e 6 a.C. - considerado hoje, como se disse já, o ano provável do nascimento de Jesus -, se verificou uma conjunção dos planetas Júpiter, Saturno e Marte.

No ano de 1604, ele próprio observara uma conjunção semelhante, à qual se juntara ainda uma supernova (com este termo, indica-se uma estrela débil ou muito distante na qual acontece uma explosão enorme, de modo que, durante semanas e meses, irradia um brilho intenso).

Kepler considerava a supernova uma nova estrela; e era de opinião que, à conjunção verificada na época de Jesus, também deveria estar associada uma supernova; desse modo tentou explicar, astronomicamente, o fenômeno da estrela muito brilhante de Belém. (...)

Um dado interessante, nesse contexto, pode ser o que o erudito Friedrich Wieseler de Göttingen parece ter encontrado em tábuas cronológicas chinesas, ou seja, que no ano 4 a.C. 'aparecera e foi vista durante longo tempo uma estrela brilhante' (...)."

O céu na época do Natal: novembro do ano 7 a.C.!

Sky of Jerusalem at 7 BC-11-12 20:00 (local)

heading south The star of Bethlehem?
Fonte: Wikimedia - Public Domain

(CLICK na imagem para vê-la em tamanho ampliado)

"O (...) astrônomo Ferrari d'Occhieppo punha de lado a teoria da supernova. Segundo ele, para a explicação da estrela de Belém, era suficiente a conjunção de Júpiter com Saturno no signo zodiacal de Peixes, e pensava poder determinar com precisão tal conjunção.

A esse respeito, é importante o fato de o planeta Júpiter representar o principal deus babilônico, Marduq. Ferrari d'Occhieppo resume-o neste termos: 'Júpiter, a estrela da mais alta divindade babilônica, aparecia no seu máximo esplendor no momento da sua aparição de noite ao lado de Saturno, o representante cósmico do povo dos judeus' (...).

Deixemos de lado os detalhes. A partir desse encontro de planetas - diz Ferrari d'Occhieppo - os astrônomos babilônicos podiam deduzir um evento de importância universal: o nascimento no país de Judá de um soberano que havia de trazer a salvação."

O movimento do céu em uma noite na época do Natal!

Jerusalem sky on Nov. 12, 7 BC,
looking south at 18:00 - 21:30 local time (15 min. p. frame)
Fonte: Wikimedia - Public Domain

(CLICK na animação para vê-la em tamanho ampliado)

"Que podemos dizer perante tudo isso? A grande conjunção de Júpiter e Saturno no signo zodiacal de Peixes nos anos 7-6 a.C. parece ser um fato confirmado. Podia orientar astrônomos do ambiente cultural babilônico-persa para o país de Judá, para um 'rei dos judeus'. Saber detalhadamente como esses homens chegaram à certeza que os fez partir e os levou, finalmente, a Jerusalém e a Belém, é uma questão que temos que deixar em aberto.

A constelação estelar podia ser um impulso, um primeiro sinal para a partida exterior e interior; mas não teria conseguido falar a esses homens se eles não tivessem sido tocados também de outro modo: tocados interiormente pela esperança daquela estrela que devia surgir de Jacó (cf. Nm 24, 17)."

5) "Na presença do Menino real, os magos fazem a proskynesis, isto é, prostram-se diante d'Ele; esta é a homenagem que se presta a um Rei-Deus. A partir disso, explicam-se também os presentes que os magos oferecem.

Não são presentes práticos, que pudessem talvez revelar-se úteis naquele momento para a Sagrada Família; os dons exprimem o mesmo que a proskynesis: são um reconhecimento da dignidade real d'Aquele a quem são oferecidos; ouro e incenso aparecem mencionados também em Isaías 60, 6 assim como presentes de homenagem, que devem ser oferecidos pelos povos ao Deus de Israel."

The adoration of the Magi (1624), Abraham Bloemaert

Biblical illustration of Gospel of Matthew Chapter 2 (1984),
Biblical illustrations by Jim Padgett

6) "No final deste longo capítulo, levanta-se a questão: Como se deve entender tudo isto? Trata-se verdadeiramente de história que aconteceu ou é apenas uma meditação teológica expressa sob a forma de histórias? (...)

É digna de atenção a tomada de posição, ponderada cuidadosamente, de Klaus Berger, no seu comentário de 2011 a todo o Novo Testamento: '... é preciso supor - até prova em contrário - que os evangelistas não têm a intenção de enganar os seus leitores, mas querem contar fatos históricos (...)'. Não posso deixar de concordar com essa afirmação. (...) Mateus nos narra verdadeira história, que foi meditada e interpretada teologicamente (...)."


Epílogo - Jesus aos 12 anos no Templo

1) "Além da narração do nascimento de Jesus, São Lucas deixou-nos ainda um precioso fragmento da tradição sobre a infância (...). Narra ele que, todos os anos pela Páscoa, os pais de Jesus iam em peregrinação a Jerusalém. A família de Jesus era piedosa, observava a Lei.

(...) A Torah prescrevia que cada israelita, por ocasião das três grandes festas - da Páscoa, das Semanas (Pentecostes) e das Cabanas - devia se apresentar no Templo (cf. Ex 23, 17; 34, 23-24; Dt 16, 16-17). (...) Para os adolescentes, a obrigação vigorava depois de completarem 13 anos; entretanto, valia também a prescrição de que eles deviam habituar-se pouco a pouco aos mandamentos e, para isso, podia servir a peregrinação já aos 12 anos de idade. (...)

Na viagem de regresso, sucede um imprevisto. Jesus não parte com os outros, mas fica em Jerusalém. Os seus pais só percebem isso no fim do primeiro dia do regresso da peregrinação; para eles, evidentemente, era normal supor que o filho estivesse em qualquer parte na grande comitiva (...). O adolescente de 12 anos era deixado livre para decidir se queria juntar-se aos coetâneos e amigos e ficar na sua companhia ao longo do caminho. Mas, à noite, esperavam-no os pais.

(...) O evangelista conta que só depois de três dias é que eles encontraram Jesus no Templo, sentado no meio dos doutores, enquanto os ouvia e interrogava (cf. Lc 2, 46)."

The Twelve-Year-Old Jesus in the Temple,
Carl Heinrich Bloch (1834-1890)

"São dias de sofrimento por causa da ausência de Jesus, dias duma escuridão cuja gravidade se sente nas palavras da Mãe: 'Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos!' (Lc 2, 48). (...) Para Maria, algo daquela espada de dor que Simeão mencionara (cf. Lc 2, 35) torna-se perceptível naquela hora. (...)

A resposta de Jesus à pergunta da Mãe é impressionante: Como?! Andastes a minha procura? Não sabíeis onde deve estar um filho? Não sabíeis que deve estar na casa do pai, 'nas coisas do Pai' (Lc 2, 49)? Jesus diz aos pais: Estou precisamente onde é o meu lugar: com o Pai, na sua casa.

Nessa resposta, são importantes sobretudo duas coisas. Maria dissera: 'Teu pai e eu, aflitos, te procurávamos'. Jesus corrige-A: Eu sou com o Pai. O meu pai não é José, mas um Outro: o próprio Deus. A Ele pertenço, com Ele estou. Porventura se pode exprimir de forma mais clara a filiação divina de Jesus?

Diretamente relacionada com isso está a segunda coisa. Jesus fala de um 'dever', a que Ele se atém. O filho, o menino, deve estar com o pai. (...) Assim torna-se claro que aquilo que parecia desobediência ou liberdade inconveniente com os pais, na realidade é precisamente expressão da sua obediência filial. Ele está no Templo, não como rebelde contra os pais, mas precisamente como Aquele que obedece, com a mesma obediência que O conduzirá à Cruz e à Ressurreição."

Christ and The Pharisees (1874), Alexander Bida

"São Lucas descreve a reação de Maria e José às palavras de Jesus com duas afirmações: 'Eles, porém, não compreenderam a palavra que Ele lhes dissera', e ainda 'sua mãe conservava a lembrança de todos esses fatos em seu coração' (Lc 2, 50.51).

A palavra de Jesus é grande demais por então; a própria fé de Maria é uma fé 'a caminho', uma fé que repetidas vezes se encontra na escuridão e, atravessando a escuridão, deve amadurecer. Maria não compreende as palavras de Jesus, mas guarda-as no seu coração e aqui lentamente faz com que cheguem à maturação.

As palavras de Jesus não cessam jamais de serem maiores que a nossa razão; superam, sempre de novo, a nossa inteligência. A tentação de reduzir e manipular as palavras de Jesus, para fazê-las entrar na nossa medida, é compreensível; faz parte de uma reta exegese precisamente a humildade de respeitar essa grandeza, que muitas vezes nos supera com as suas exigências, e não reduzir as palavras de Jesus com a pergunta sobre aquilo de que podemos 'crê-Lo capaz'. Ele considera-nos capazes de grandes coisas. Crer significa submeter-se a essa grandeza e pouco a pouco crescer rumo a ela.

Nisso, Maria é apresentada por Lucas deliberadamente como aquela que crê de modo exemplar: 'Feliz aquela que acreditou' - dissera-lhe Isabel (Lc 1, 45). (...) Ao mesmo tempo, Maria aparece não só como a grande crente, mas também como a imagem da Igreja, que guarda a Palavra no seu coração e a transmite."

The Virgin Mary (1804-1809), Vladimir Borovikovsky

2) "Concretamente, torna-se evidente que Jesus é verdadeiro homem e verdadeiro Deus, como exprime a fé da Igreja. A profunda ligação entre ambas as dimensões, em última análise, não podemos defini-la; permanece um mistério e todavia manifesta-se de forma muito concreta na breve narração sobre Jesus aos 12 anos (...)."

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É isso, caro internauta do Blog A Católica.

Obviamente, A Infância de Jesus está plena de outras importantes, informativas e belíssimas passagens. Como frisei, dispus apenas algumas.

Tenho quase todos os livros escritos pelo Papa Emérito e lançados por várias editoras aqui no Brasil: Loyola; Planeta; Ecclesiae; Paulinas... Compro todos eles sem medo de me decepcionar: sua linguagem acessível, seu modo límpido de nos apresentar seus argumentos, admitindo quando o seu raciocínio não alcança a dimensão do mistério de seu "objeto" de estudo - Nosso Senhor Jesus Cristo -, é cativante.

A gente sai do mergulho no trabalho de Bento XVI mais sábio do que entramos e com a certeza de que, com uma fé embasada e refletida, fica ainda mais prazeroso acreditar...

... Em Deus e, de quebra, no ser humano. Saúde e Paz!!


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