8 de fevereiro de 2013

Os santos, Bento XVI e o amor à Igreja

Neste Post: 1 conselho do Pe. Paulo Ricardo; 2 livros sobre o Papa.
E mais: Leonardo Boff, Hans Küng e Marcel Lefebvre...

Imagem: Cardinal Joseph Ratzinger (Pope Benedict XVI since 2005) on May 10, 2003 in Poland
Picture taken by Janusz Stachoń and released under CC-BY license by Szamil (www.szczepanow.pl)

As palestras do Padre Léo eram imperdíveis - tenho mais de 100 delas. As do Professor Felipe Aquino, sobretudo quando fala de família, dogmas e história da Igreja, também. Outro orador que há muito tempo tem me cativado é Padre Paulo Ricardo. Quando ele participa de algum acampamento na Canção Nova, transmitido ao vivo pela TV, é bom prestar a atenção.

Em 27 de outubro do ano passado (2012), o sacerdote falou durante um acampamento da Pastoral da Sobriedade. O interessante é que seu discurso abordou Cristo, santidade - especialmente a santidade de Padre Pio - e o amor à Igreja Católica: "Você olha a vida do Padre Pio e vê que Jesus Cristo está vivo na Igreja Católica"; "Cristo era sofrido e padecido nele".

O que me chamou a atenção na palestra foi a orientação que Padre Paulo Ricardo deu àquelas pessoas que gostariam de retornar à Igreja ou que gostariam de incentivar que outros voltem pra ela: "Antes de ir aos Evangelhos, que podem ser lidos como algo histórico, datado, leia a vida dos santos primeiro"; "Se existe uma história que vale a pena ser contada é a história dos santos".

Achei esse seu conselho magistral, porque o coloquei em prática anos antes. Foi exatamente assim que retornei à Igreja Católica: lendo vida de santos entre os anos de 2005 e 2007.

Li, por exemplo, as biografias de Santa Teresa de Ávila, de Santo Antônio e voltei a rezar para Santo Expedito. Costumo dizer que esses três santos me conduziram de volta à Igreja, levando-me pelas mãos, pelos exemplos de suas histórias. (A propósito, escrevi um Post a esse respeito: A mídia devia dar mais espaço à vida dos Santos.) Só então eu busquei a Bíblia, incentivada pelo valiosíssimo método de leitura e estudo do Monsenhor Jonas Abib - conforme relato em outro Post d'A Católica: É fácil ler a Bíblia!.

Há ao menos 1 ponto em comum a todos os santos, cujas biografias eu li: todos viviam de amores pela Igreja Católica. Pensei comigo mesma: "Se santos que eu tanto admiro, cujas vidas são um exemplo eloquente de entrega ao próximo, de dedicação a viver a mensagem de Jesus Cristo, se esses santos amavam tanto a Igreja, defendendo-a, ela só pode mesmo ser digna de ser amada!...".

Pois é justamente isso o que a vida de Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, mostra: a Igreja Católica merece ser amada.

Recentemente, terminei de ler dois livros, um em seguida ao outro: Bento XVI - O Guardião da Fé (Record, 2006), de Andrea Tornielli, e Itinerário Teológico de Bento XVI (Editora Ave-Maria, 2006), de Dom João E. M. Terra, SJ.

Os 2 livros com papéis em neon destacando páginas importantes
e o indispensável Dicionário Católico, que auxilia nas leituras


Fotografia de Ana Paula~A Católica (acatolica.blogspot.com)

Embora a biografia do nosso papa seja o assunto principal, cada uma das obras dá ênfase a um aspecto: o primeiro livro, de Andrea Tornielli, desfila as principais discussões teológicas nas quais o cardeal Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, enredou-se. A segunda obra, de Dom João E. M.Terra, SJ, dedica-se a explicar os pontos de vista teológicos de Bento XVI, desde a preparação de suas teses sobre Santo Agostinho e São Boaventura, após ser ordenado sacerdote, em 1951.

Itinerário Teológico de Bento XVI é uma obra mais árida, da qual pessoas graduadas em Teologia tirarão mais proveito, visto que tem passagens intrincadas como esta:

[Povo de Deus] torna-se conceito de Igreja somente por intermédio de um processo de transposição espiritual de todo o asserto vetero-testamentário, por conseguinte, num processo tipológico.

Contudo, é sobre o amor à Igreja que estamos falando. E os dois livros trazem exemplos de quem, mesmo discordando, mesmo decepcionado, mesmo magoado, manteve-se fiel à Igreja Católica. Em Bento XVI - O Guardião da Fé, Andrea Tornielli conta:

Ratzinger recorda que em 1949, um ano antes da proclamação do dogma [da assunção corporal de Maria ao céu], o professor Gottlieb Söhngen se pronunciou decididamente contra. Um outro professor, Eduard Schlink, professor de teologia sistemática (...), lhe perguntou: "O que fará se o dogma de algum modo for proclamado? Não deveria dar as costas à Igreja Católica?".

Söhngen respondeu: "Se o dogma for proclamado, lembrar-me-ei que a Igreja é mais sábia do que eu, e que eu tenho mais confiança nela do que na minha erudição".

Himmelfahrt Mariens (1819), Mariano Salvador Maella

Em outra ocasião, Andrea Tornielli cita um discurso do ano de 1990 do cardeal Joseph Ratzinger a respeito de outro cardeal, Alfredo Ottaviani, que também fora prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - então chamada de Santo Ofício - anos antes, sob Pio XII, João XXIII e Paulo VI (até 1967):

"... O que mais admiro [...] é exatamente o silêncio dos últimos anos de vida. Quantas coisas, pelas quais ele havia sofrido e combatido, caíram em ruínas! Quantas coisas que lhe eram caras lhe foram tiradas das mãos ou foram dissipadas.

Ele não cessou de lutar e de se empenhar pelas coisas e nas coisas que lhe pareciam essenciais. Porém, ao mesmo tempo, em uma mais alta obediência sacerdotal, aceitou aquilo que a autoridade da Igreja havia decidido, também quando aquilo devia lhe parecer muitas vezes pouco razoável."

Com essas frases, Ratzinger se refere, provavelmente, à reforma litúrgica pós-conciliar, a qual Ottaviani havia abertamente contestado, assinando um livrinho fortemente crítico sobre o Novus Ordo Missae.

Dom João E. M.Terra, SJ, em Itinerário Teológico de Bento XVI, destaca uma passagem que demonstra a fidelidade do próprio Ratzinger à Igreja, não obstante a sua incompreensão e até mesmo desapontamento:

Ratzinger confessa que a condenação injusta, pelo Santo Ofício, [em 1912,] do veneradíssimo professor Maier não deixava de perturbá-lo [Friedrich Wilhelm Maier, professor de exegese do Novo Testamento, defendia a Teoria 'das duas fontes', hoje comumente aceita: o Evangelho de Marcos, junto à fonte Q (coletânea de ditos de Jesus), seria a fonte dos outros dois sinóticos, Mateus e Lucas. A tradição considerava Mateus o mais antigo].

Mas esse tipo de reserva e de sentimentos não comprometia em nenhum momento o profundo assenso ao primado petrino.

San Pietro (1326), Simone Martini

Confrontando a fidelidade, o respeito e o amor à Igreja que o professor Gottlieb Söhngen, o Cardeal Alfredo Ottaviani e o próprio Papa Bento XVI, então um jovem seminarista em Munique (Alemanha), demonstraram, nós temos a rebeldia do ex-frei Leonardo Boff, do teólogo Hans Küng e do arcebispo Marcel Lefebvre.

O brasileiro Leonardo Boff escreveu o livro Igreja: carisma e poder (1981), cujo núcleo, segundo a citação de Andrea Tornielli, "consiste em uma crítica cerrada ao 'poder piramidal do Vaticano'".

Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, "reprova Boff por lançar 'uma agressão radical e impiedosa' contra o modelo institucional da Igreja Católica e de reduzir a estrutura a uma inaceitável caricatura". Condenado em 1985 a um ano de silêncio, o então frei franciscano acabará deixando o hábito religioso em 1992.

Seu encontro com o Prefeito e Cardeal Joseph Ratzinger no ano de 1984, em Roma, rendeu uma das melhores passagens do livro Bento XVI - O Guardião da Fé:

... Ratzinger pergunta ao seu hóspede: "Está cansado, quer um café?" Durante a pausa, o cardeal louva o hábito franciscano de Boff: "Fica-lhe muito bem, padre. Também deste modo pode dar um sinal para o mundo".

"É muito difícil usar este hábito", responde o acusado, "porque entre nós faz calor."

"Deste modo, as pessoas verão a sua devoção e paciência e dirão: está remindo os pecados do mundo."

"Certamente temos necessidade de sinais de transcendência, mas não passam pelo hábito. É o coração que deve estar pronto."

"Não se veem os corações e é preciso realmente ver qualquer coisa", replica Ratzinger.

"Este hábito pode também ser um sinal de poder. Quando o estou usando e entro no ônibus, as pessoas se levantam e dizem: 'Padre, sente-se'. Mas nós devemos ser servidores."

Religiosos com o hábito franciscano rezam em Jerusalém (2006)

Fotografia de Abraham Sobkowski OFM

O teólogo Hans Küng também escreveu um livro polêmico: Infalível? Uma pergunta. Deixo a palavra com Dom João E. M.Terra, SJ, autor de Itinerário Teológico de Bento XVI:

Nesse livro, Küng desenterra os antigos argumentos de I. Döllinger e J. Frohschammer feitos por ocasião do primeiro Concílio Vaticano, (já centenas de vezes refutados) e procura amontoar uma congérie de supostos erros do Magistério para provar que ele não é infalível.

Esses supostos "erros do Magistério eclesiástico" tais como: (...) o caso Galileu, (...) a condenação da teoria da evolução ou a do heliocentrismo, etc. Toda essa argumentação de Küng é repetida frequentemente no Brasil por alguns teólogos.

Num livro, (...) escrito em colaboração por 15 eminentes professores alemães sob a coordenação de [Karl] Rahner, O Problema da infalibilidade, Respostas à Interpretação de Hans Küng, demonstra-se que todos esses problemas nada têm a ver com o Magistério. São declarações puramente disciplinares emanadas pelo Santo Ofício, pela Comissão Bíblica ou pela Inquisição. Nessas condenações nunca se proclamou nenhum dogma e jamais se falou da infalibilidade a esse respeito.

(...) Na questão de Galileu não foi proclamado nenhum dogma. A condenação foi pronunciada pela Inquisição que é um tribunal civil. (...)

As condenações da Comissão Bíblica ou do Santo Ofício também são disciplinares e não definições magisteriais versando conteúdo da fé crítica, mas apenas medidas prudenciais ou defensivas da Igreja exigidas contra a ofensiva de uma ciência que gerava confusão no momento. Eram medidas que visavam, no momento, à salvaguarda do bem comum, mas que não tinham o caráter irrevogável.

Küng desfia uma série de erros, mas que não dizem respeito à doutrina e não podem ser atribuídos ao magistério infalível.

Galileo Demonstrating the New Astronomical Theories
at the University of Padua (1873), Félix Parra

Por fim, Andrea Tornielli discorre sobre o caso "Marcel Lefebvre". Nas palavras do autor de Bento XVI - O Guardião da Fé:

O arcebispo tradicionalista Marcel Lefebvre, de 83 anos, grande adversário das reformas conciliares, especialmente das litúrgicas, (...) depois do Vaticano II havia manifestado a sua divergência cada vez mais fortemente. Lutou para que fosse mantido o antigo missal de São Pio V, mandado "para o sótão" pelo novo rito.

De acordo com Andrea Tornielii, numa declaração de 1974, o bispo "definia a reforma litúrgica pós-conciliar como 'toda e inteiramente envenenada; ela nasce da heresia e termina na heresia". O autor completa:

A posição intransigente de Lefebvre fez Paulo VI sofrer muito. A Fraternidade São Pio X, que conquista um bom número de fiéis na França, não se limita a contestar duramente a reforma litúrgica, mas contesta também a declaração conciliar sobre a liberdade religiosa, Dignitatis humanae, a qual, pelo contrário, é considerada por João Paulo II "uma chave interpretativa de todo o Concílio".

Andrea Tornielli conta que numa carta do ano de 1988 endereçada a Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, João Paulo II "reafirma, claramente, a fidelidade ao Concílio ('Nutrimos a profunda convicção de que o Espírito de verdade falou à Igreja, de modo particularmente solene e com autoridade, mediante o Concílio Vaticano II...'). No entanto, claramente se distancia, seja das interpretações 'anacrônicas', que enxergam o justo somente no antigo, seja das 'progressistas'".

Dispersion of the Fathers Second Vatican Council (1962-1965)
- Sem Data - Fotografia de Lothar Wolleh (1930-1979)

Enfim, internauta d'A Católica...

... Terminei de ler as duas obras - Bento XVI - O Guardião da Fé e Itinerário Teológico de Bento XVI - perplexa com a rebeldia de quem afronta e se confronta com o Magistério. Com quem se diz católico, mas não reconhece a sabedoria da Igreja, deixando de lhe prestar a obediência devida. O que torna o Catolicismo singular é justamente a unidade, a reunião em torno dos sucessores de São Pedro. Foi o próprio Cristo quem garantiu:

Disse-lhes Jesus: "E vós quem dizeis que eu sou?". Simão Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!".

Jesus então lhe disse: "Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus" (Mt 16, 15-19).

Conforme Joseph Bernhart, no excelente livro O Vaticano - Potência Mundial - História e figura do Papado (Irmãos Pongetti Editores, 1942): "Nessas palavras de Jesus lê a Igreja Católica a Carta de fundação do Papado. Elas tornaram-se fatídicas para o mundo - quer o mundo as aceitasse quer as repelisse".

Christ surrending the keys to St. Peter (circa 1614), Peter Paul Rubens

Não obstante a surpresa com o comportamento (e os argumentos) dos rebeldes Boff, Küng e Lefebvre, também acabei de ler Bento XVI - O Guardião da Fé e Itinerário Teológico de Bento XVI cheia do desejo de estudar Teologia, de fundamentar a minha fé e de dizer, com os lábios e a minha vida, que eu amo a Igreja, assim como a amam o Papa Bento XVI e o Professor Felipe Aquino e a amaram Gottlieb Söhngen, Alfredo Ottaviani, Santa Teresa de Ávila, Santo Antônio de Pádua...

Termino este Post d'A Católica, ecoando para você, internauta, o convite que Padre Paulo Ricardo fez ao encerrar a sua pregação no acampamento da Pastoral da Sobriedade, em outubro de 2012, na comunidade Canção Nova: "Não fique olhando a Igreja pela janela. Entre na casa, porque ser católico é bom demais!...".


Para saber mais:

1) Concílio Vaticano II - wiki CN, entrevista com Dom Henrique Soares;
2) História do Concílio Vaticano II (Parte I) - agência Zenit;
3) História do Concílio Vaticano II (Parte II) - agência Zenit;
4) Bruno Forte: documentos do Papa renovam valor do Vaticano II - Blog Professor Felipe Aquino.

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