As palestras do Padre Léo eram imperdíveis - tenho mais de 100 delas. As do Professor Felipe Aquino, sobretudo quando fala de família, dogmas e história da Igreja, também. Outro orador que há muito tempo tem me cativado é Padre Paulo Ricardo. Quando ele participa de algum acampamento na Canção Nova, transmitido ao vivo pela TV, é bom prestar a atenção.
Em 27 de outubro do ano passado (2012), o sacerdote falou durante um acampamento da Pastoral da Sobriedade. O interessante é que seu discurso abordou Cristo, santidade - especialmente a santidade de Padre Pio - e o amor à Igreja Católica: "Você olha a vida do Padre Pio e vê que Jesus Cristo está vivo na Igreja Católica"; "Cristo era sofrido e padecido nele".
O que me chamou a atenção na palestra foi a orientação que Padre Paulo Ricardo deu àquelas pessoas que gostariam de retornar à Igreja ou que gostariam de incentivar que outros voltem pra ela: "Antes de ir aos Evangelhos, que podem ser lidos como algo histórico, datado, leia a vida dos santos primeiro"; "Se existe uma história que vale a pena ser contada é a história dos santos".
Achei esse seu conselho magistral, porque o coloquei em prática anos antes. Foi exatamente assim que retornei à Igreja Católica: lendo vida de santos entre os anos de 2005 e 2007.
Li, por exemplo, as biografias de Santa Teresa de Ávila, de Santo Antônio e voltei a rezar para Santo Expedito. Costumo dizer que esses três santos me conduziram de volta à Igreja, levando-me pelas mãos, pelos exemplos de suas histórias. (A propósito, escrevi um Post a esse respeito: A mídia devia dar mais espaço à vida dos Santos.) Só então eu busquei a Bíblia, incentivada pelo valiosíssimo método de leitura e estudo do Monsenhor Jonas Abib - conforme relato em outro Post d'A Católica: É fácil ler a Bíblia!.
Há ao menos 1 ponto em comum a todos os santos, cujas biografias eu li: todos viviam de amores pela Igreja Católica. Pensei comigo mesma: "Se santos que eu tanto admiro, cujas vidas são um exemplo eloquente de entrega ao próximo, de dedicação a viver a mensagem de Jesus Cristo, se esses santos amavam tanto a Igreja, defendendo-a, ela só pode mesmo ser digna de ser amada!...".
Pois é justamente isso o que a vida de Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, mostra: a Igreja Católica merece ser amada.
Recentemente, terminei de ler dois livros, um em seguida ao outro: Bento XVI - O Guardião da Fé (Record, 2006), de Andrea Tornielli, e Itinerário Teológico de Bento XVI (Editora Ave-Maria, 2006), de Dom João E. M. Terra, SJ.
Os 2 livros com papéis em neon destacando páginas importantes e o indispensável Dicionário Católico, que auxilia nas leituras Fotografia de Ana Paula~A Católica (acatolica.blogspot.com) |
Embora a biografia do nosso papa seja o assunto principal, cada uma das obras dá ênfase a um aspecto: o primeiro livro, de Andrea Tornielli, desfila as principais discussões teológicas nas quais o cardeal Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, enredou-se. A segunda obra, de Dom João E. M.Terra, SJ, dedica-se a explicar os pontos de vista teológicos de Bento XVI, desde a preparação de suas teses sobre Santo Agostinho e São Boaventura, após ser ordenado sacerdote, em 1951.
Itinerário Teológico de Bento XVI é uma obra mais árida, da qual pessoas graduadas em Teologia tirarão mais proveito, visto que tem passagens intrincadas como esta:
[Povo de Deus] torna-se conceito de Igreja somente por intermédio de um processo de transposição espiritual de todo o asserto vetero-testamentário, por conseguinte, num processo tipológico.
Contudo, é sobre o amor à Igreja que estamos falando. E os dois livros trazem exemplos de quem, mesmo discordando, mesmo decepcionado, mesmo magoado, manteve-se fiel à Igreja Católica. Em Bento XVI - O Guardião da Fé, Andrea Tornielli conta:
Ratzinger recorda que em 1949, um ano antes da proclamação do dogma [da assunção corporal de Maria ao céu], o professor Gottlieb Söhngen se pronunciou decididamente contra. Um outro professor, Eduard Schlink, professor de teologia sistemática (...), lhe perguntou: "O que fará se o dogma de algum modo for proclamado? Não deveria dar as costas à Igreja Católica?".
Söhngen respondeu: "Se o dogma for proclamado, lembrar-me-ei que a Igreja é mais sábia do que eu, e que eu tenho mais confiança nela do que na minha erudição".
Himmelfahrt Mariens (1819), Mariano Salvador Maella |
Em outra ocasião, Andrea Tornielli cita um discurso do ano de 1990 do cardeal Joseph Ratzinger a respeito de outro cardeal, Alfredo Ottaviani, que também fora prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - então chamada de Santo Ofício - anos antes, sob Pio XII, João XXIII e Paulo VI (até 1967):
"... O que mais admiro [...] é exatamente o silêncio dos últimos anos de vida. Quantas coisas, pelas quais ele havia sofrido e combatido, caíram em ruínas! Quantas coisas que lhe eram caras lhe foram tiradas das mãos ou foram dissipadas.
Ele não cessou de lutar e de se empenhar pelas coisas e nas coisas que lhe pareciam essenciais. Porém, ao mesmo tempo, em uma mais alta obediência sacerdotal, aceitou aquilo que a autoridade da Igreja havia decidido, também quando aquilo devia lhe parecer muitas vezes pouco razoável."
Com essas frases, Ratzinger se refere, provavelmente, à reforma litúrgica pós-conciliar, a qual Ottaviani havia abertamente contestado, assinando um livrinho fortemente crítico sobre o Novus Ordo Missae.
Dom João E. M.Terra, SJ, em Itinerário Teológico de Bento XVI, destaca uma passagem que demonstra a fidelidade do próprio Ratzinger à Igreja, não obstante a sua incompreensão e até mesmo desapontamento:
Ratzinger confessa que a condenação injusta, pelo Santo Ofício, [em 1912,] do veneradíssimo professor Maier não deixava de perturbá-lo [Friedrich Wilhelm Maier, professor de exegese do Novo Testamento, defendia a Teoria 'das duas fontes', hoje comumente aceita: o Evangelho de Marcos, junto à fonte Q (coletânea de ditos de Jesus), seria a fonte dos outros dois sinóticos, Mateus e Lucas. A tradição considerava Mateus o mais antigo].
Mas esse tipo de reserva e de sentimentos não comprometia em nenhum momento o profundo assenso ao primado petrino.
San Pietro (1326), Simone Martini |
Confrontando a fidelidade, o respeito e o amor à Igreja que o professor Gottlieb Söhngen, o Cardeal Alfredo Ottaviani e o próprio Papa Bento XVI, então um jovem seminarista em Munique (Alemanha), demonstraram, nós temos a rebeldia do ex-frei Leonardo Boff, do teólogo Hans Küng e do arcebispo Marcel Lefebvre.
O brasileiro Leonardo Boff escreveu o livro Igreja: carisma e poder (1981), cujo núcleo, segundo a citação de Andrea Tornielli, "consiste em uma crítica cerrada ao 'poder piramidal do Vaticano'".
Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, "reprova Boff por lançar 'uma agressão radical e impiedosa' contra o modelo institucional da Igreja Católica e de reduzir a estrutura a uma inaceitável caricatura". Condenado em 1985 a um ano de silêncio, o então frei franciscano acabará deixando o hábito religioso em 1992.
Seu encontro com o Prefeito e Cardeal Joseph Ratzinger no ano de 1984, em Roma, rendeu uma das melhores passagens do livro Bento XVI - O Guardião da Fé:
... Ratzinger pergunta ao seu hóspede: "Está cansado, quer um café?" Durante a pausa, o cardeal louva o hábito franciscano de Boff: "Fica-lhe muito bem, padre. Também deste modo pode dar um sinal para o mundo".
"É muito difícil usar este hábito", responde o acusado, "porque entre nós faz calor."
"Deste modo, as pessoas verão a sua devoção e paciência e dirão: está remindo os pecados do mundo."
"Certamente temos necessidade de sinais de transcendência, mas não passam pelo hábito. É o coração que deve estar pronto."
"Não se veem os corações e é preciso realmente ver qualquer coisa", replica Ratzinger.
"Este hábito pode também ser um sinal de poder. Quando o estou usando e entro no ônibus, as pessoas se levantam e dizem: 'Padre, sente-se'. Mas nós devemos ser servidores."
Religiosos com o hábito franciscano rezam em Jerusalém (2006) Fotografia de Abraham Sobkowski OFM |
O teólogo Hans Küng também escreveu um livro polêmico: Infalível? Uma pergunta. Deixo a palavra com Dom João E. M.Terra, SJ, autor de Itinerário Teológico de Bento XVI:
Nesse livro, Küng desenterra os antigos argumentos de I. Döllinger e J. Frohschammer feitos por ocasião do primeiro Concílio Vaticano, (já centenas de vezes refutados) e procura amontoar uma congérie de supostos erros do Magistério para provar que ele não é infalível.
Esses supostos "erros do Magistério eclesiástico" tais como: (...) o caso Galileu, (...) a condenação da teoria da evolução ou a do heliocentrismo, etc. Toda essa argumentação de Küng é repetida frequentemente no Brasil por alguns teólogos.
Num livro, (...) escrito em colaboração por 15 eminentes professores alemães sob a coordenação de [Karl] Rahner, O Problema da infalibilidade, Respostas à Interpretação de Hans Küng, demonstra-se que todos esses problemas nada têm a ver com o Magistério. São declarações puramente disciplinares emanadas pelo Santo Ofício, pela Comissão Bíblica ou pela Inquisição. Nessas condenações nunca se proclamou nenhum dogma e jamais se falou da infalibilidade a esse respeito.
(...) Na questão de Galileu não foi proclamado nenhum dogma. A condenação foi pronunciada pela Inquisição que é um tribunal civil. (...)
As condenações da Comissão Bíblica ou do Santo Ofício também são disciplinares e não definições magisteriais versando conteúdo da fé crítica, mas apenas medidas prudenciais ou defensivas da Igreja exigidas contra a ofensiva de uma ciência que gerava confusão no momento. Eram medidas que visavam, no momento, à salvaguarda do bem comum, mas que não tinham o caráter irrevogável.
Küng desfia uma série de erros, mas que não dizem respeito à doutrina e não podem ser atribuídos ao magistério infalível.
Galileo Demonstrating the New Astronomical Theories at the University of Padua (1873), Félix Parra |
Por fim, Andrea Tornielli discorre sobre o caso "Marcel Lefebvre". Nas palavras do autor de Bento XVI - O Guardião da Fé:
O arcebispo tradicionalista Marcel Lefebvre, de 83 anos, grande adversário das reformas conciliares, especialmente das litúrgicas, (...) depois do Vaticano II havia manifestado a sua divergência cada vez mais fortemente. Lutou para que fosse mantido o antigo missal de São Pio V, mandado "para o sótão" pelo novo rito.
De acordo com Andrea Tornielii, numa declaração de 1974, o bispo "definia a reforma litúrgica pós-conciliar como 'toda e inteiramente envenenada; ela nasce da heresia e termina na heresia". O autor completa:
A posição intransigente de Lefebvre fez Paulo VI sofrer muito. A Fraternidade São Pio X, que conquista um bom número de fiéis na França, não se limita a contestar duramente a reforma litúrgica, mas contesta também a declaração conciliar sobre a liberdade religiosa, Dignitatis humanae, a qual, pelo contrário, é considerada por João Paulo II "uma chave interpretativa de todo o Concílio".
Andrea Tornielli conta que numa carta do ano de 1988 endereçada a Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, João Paulo II "reafirma, claramente, a fidelidade ao Concílio ('Nutrimos a profunda convicção de que o Espírito de verdade falou à Igreja, de modo particularmente solene e com autoridade, mediante o Concílio Vaticano II...'). No entanto, claramente se distancia, seja das interpretações 'anacrônicas', que enxergam o justo somente no antigo, seja das 'progressistas'".
Dispersion of the Fathers Second Vatican Council (1962-1965) - Sem Data - Fotografia de Lothar Wolleh (1930-1979) |
Enfim, internauta d'A Católica...
... Terminei de ler as duas obras - Bento XVI - O Guardião da Fé e Itinerário Teológico de Bento XVI - perplexa com a rebeldia de quem afronta e se confronta com o Magistério. Com quem se diz católico, mas não reconhece a sabedoria da Igreja, deixando de lhe prestar a obediência devida. O que torna o Catolicismo singular é justamente a unidade, a reunião em torno dos sucessores de São Pedro. Foi o próprio Cristo quem garantiu:
Disse-lhes Jesus: "E vós quem dizeis que eu sou?". Simão Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!".
Jesus então lhe disse: "Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus" (Mt 16, 15-19).
Conforme Joseph Bernhart, no excelente livro O Vaticano - Potência Mundial - História e figura do Papado (Irmãos Pongetti Editores, 1942): "Nessas palavras de Jesus lê a Igreja Católica a Carta de fundação do Papado. Elas tornaram-se fatídicas para o mundo - quer o mundo as aceitasse quer as repelisse".
Christ surrending the keys to St. Peter (circa 1614), Peter Paul Rubens |
Não obstante a surpresa com o comportamento (e os argumentos) dos rebeldes Boff, Küng e Lefebvre, também acabei de ler Bento XVI - O Guardião da Fé e Itinerário Teológico de Bento XVI cheia do desejo de estudar Teologia, de fundamentar a minha fé e de dizer, com os lábios e a minha vida, que eu amo a Igreja, assim como a amam o Papa Bento XVI e o Professor Felipe Aquino e a amaram Gottlieb Söhngen, Alfredo Ottaviani, Santa Teresa de Ávila, Santo Antônio de Pádua...
Termino este Post d'A Católica, ecoando para você, internauta, o convite que Padre Paulo Ricardo fez ao encerrar a sua pregação no acampamento da Pastoral da Sobriedade, em outubro de 2012, na comunidade Canção Nova: "Não fique olhando a Igreja pela janela. Entre na casa, porque ser católico é bom demais!...".
Para saber mais:
1) Concílio Vaticano II - wiki CN, entrevista com Dom Henrique Soares;
2) História do Concílio Vaticano II (Parte I) - agência Zenit;
3) História do Concílio Vaticano II (Parte II) - agência Zenit;
4) Bruno Forte: documentos do Papa renovam valor do Vaticano II - Blog Professor Felipe Aquino.