2 de fevereiro de 2013

As unhas dos meus pés estão grandes

Nas mãos, têm função estética. Nos pés, elas servem pra nada.
(Quem me dera tivessem a habilidade que conferem aos felinos.)

Imagem: fotografia de Malia Autio

As unhas dos meus pés estão grandes. Sempre reparei as do meu marido (quando é nos outros é mais fácil notar). Estou me acostumando com elas - nem dá vontade de cortar. Mas, fica feio nas sandálias. Não demora, vou ter que eliminá-las.

Unhas grandes nos bichos são úteis e admiráveis. (Creio que) graças a elas, os felinos escalam árvores nas savanas africanas pra poderem descansar. Com elas também unham os inimigos e retalham as presas. Nos humanos, não. Unhas compridas só têm função estética.

Fotografia de Broc

Fotografia de Bohuna Mikulicová

Nelas, as mulheres vaidosas deixam cores deslumbrantes - renovadas a cada semana. Uma vez, a viúva do então dono da Rede Globo, Lily Marinho, disse que era exímia pianista e que o marido, Roberto, adorava as suas unhas bem grandes, pintadas de vermelho. Não dava para conciliar o dedilhar no instrumento com elas. Perguntou ao marido o que ele preferia: ouvi-la tocar piano ou vê-la de unhas feitas. Ele escolheu as unhas.

Eu não uso esmaltes.

Mantenho as unhas das mãos aparadas e nuas. Se tivesse disposição, as pintaria. E as exibiria, com os dedos afilados, bem esticados, e um tanto pedantes ao pagar a corrida do táxi ou a conta no restaurante. Ao apertar os botões do elevador e ao segurar a xícara do café (com creme). Não, que eu as esconda, envergonhada de seu despojamento. É que seria legal me lembrar delas mais vezes: quem usa esmalte está sempre de olho nas mãos, pra ver se ele não descascou.

Fotografia de Anna Langova

Fotografia de James Lee

Mas, estamos falando das unhas dos pés. Não há nem mesmo a função estética ao deixá-las compridas. Nos pés, unhas grandes não valem nada. Quem me dera implicassem a habilidade dos leopardos de subir ao topo ou estraçalhar uma presa teimosa. Com minhas unhas enormes, eu alcançaria então a santidade, esmigalhando obstáculos como o orgulho ferido, o egoísmo renitente, o individualismo ferrenho, a ignorância crônica.

Como não sou felino algum - nem mesmo de "gata" me chamam na rua -, a mim resta cultivar garras no caráter, na mente, na alma. Estou cercada de inimigos difíceis e presas fugidias que me obstaculizam o caminho para os Céus. (Depois do banho, prometo me livrar dos unhas grandes nos pés.)

Fotografia de Petr Kratochvil


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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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