15 de fevereiro de 2013

Afinal: quem pode escolher o novo Papa?


Quer saber quem está apto a eleger aquele que ocupará o lugar de Bento XVI?
Entenda neste Post como funciona a eleição mais singular do mundo

Imagem: Pope Innocent III (1198-1216) wearing a Y-shaped pallium


– “Quem será o próximo Papa?” Esta pergunta também é para nós...

– Existem outras maiores, mais urgentes! Que diferença faz
quem governa os 2,6 km² no centro de Roma?

– Quem quer que seja ele, será a voz de Deus para um quarto do mundo...

Diálogo do filme: As Sandálias do Pescador - The Shoes of the Fisherman (EUA, 1968)


A conversa acima foi a epígrafe da monografia que escrevi anos atrás, cujo título era mais ou menos assim: É Estado ou não é? O Estado da Cidade do Vaticano no Direito Internacional.

Em As Sandálias do Pescador, a personagem de Anthony Quinn é eleita Sumo Pontífice por aclamação. Nesse tipo de escolha, conforme a descrição do professor Richard P. McBrien, no livro Os Papas - Os Pontífices de São Pedro a João Paulo II (Edições Loyola, 2004), "um ou mais cardeais levantam-se e proclamam um candidato, seguido de outros, até haver um consenso geral para eleger aquele candidato sem votação formal". Pio IV foi eleito dessa forma em 1559, assim como Gregório XV, em 1621.

Papa Gregório XV (1621-1623) - Século 17 - Guido Reni

Nos dias que correm, a eleição por aclamação - retratada de modo emocionante no filme com Anthony Quinn - não é mais possível: ainda segundo Richard P. McBrien, em 1996, o Papa João Paulo II promulgou normas e procedimentos para as votações papais na constituição apostólica Universi Dominici gregis. Ficou estabelecido, então, que "a única forma de eleição é por escrutínio secreto, do qual todos os eleitores participam".

É justamente esta a questão que dá título ao Post d'A Católica: quem são "todos os eleitores"? Quem está apto a eleger um novo Papa? Para responder e expor tintim pot tintim (como dizemos aqui no Brasil) todo o desenrolar do processo que culmina na famosa fumacinha branca saindo de uma chaminé no Vaticano, divido com você, internauta, o resultado da pesquisa que fiz para a monografia que mencionei linhas acima. Acompanhe.

Na obra O Vaticano e a Roma Cristã (Tipografia Poliglotta Vaticana, 1974) vem exposto:

No exercício da sua missão de Pastor Supremo de toda a Igreja, o Papa é diretamente coadjuvado pelos Cardeias e os organismos da Cúria Romana. Os Cardeias são os primeiros conselheiros e os eleitores do Sumo Pontífice.

Os cardeais da Igreja Católica - que somam 182, conforme Fernando Altemeyer Júnior, em Os cinco anos do Papa Bento XVI (Revista Família Cristã, abril 2010) - compõem o Colégio dos Cardeais, o qual, segundo Bart McDowell (O Vaticano, Klick Editora, 1991), está espalhado por inúmeras arquidioceses mundo afora: “Todos os cardeais se reúnem somente quando são chamados a Roma para aconselhar o Papa em assuntos urgentes de política ou para eleger o sucessor de um papa que morreu”.

O padre jesuíta Thomas J. Reese, no livro O Vaticano por dentro - A Política e a Organização da Igreja Católica (Edusc, 1999), explica que, quando eles “se reúnem para eleger um papa, é convocado um conclave. Quando se reúnem para aconselhar o papa, é convocado um consistório”.

Pope Pius IX (1846-1878) surrounded
by clergy members of the Papal Court - Before 1878 - Unknown

Em O Vaticano e a Roma Cristã também se elucida que “Poucos cardeais têm residência fixa dentro da Cidade do Vaticano. Os Cardeais [que lá estão] fazem parte de organismos da Cúria Romana na qualidade de Prepostos (Prefeitos) ou de Membros”. Um esclarecimento: “prefeito”, de acordo com o Padre Thomas J. Reese, é o cardeal que preside uma congregação da Cúria Romana, cujos membros são outros cardeais e bispos.

Só os cardeais com menos de 80 anos - até a data da vacância do papado - e em número de 120, no máximo, de acordo com o professor Richard P. McBrien, podem eleger um papa. Em 2010, Fernando Altemeyer Júnior afirmava que havia 111 cardeais-eleitores. (Em entrevista à repórter Ilze Scamparini da Rede Globo, o cardeal brasileiro João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, falou em 117 cardeais-eleitores.)

O jornalista Nino Lo Bello, autor de O incrível livro do Vaticano e curiosidades papais (Editora Santuário, 2003), frisa: “As eleições para um papa ocorrem quando um papa em exercício falece” e “essas eleições não têm semelhantes no mundo”. Também que “os papas são eleitos por toda a vida e não há nenhuma cláusula que preveja sua substituição ou abdicação”.

Na verdade, o Código de Direito Canônico reconhece a renúncia "livremente feita e devidamente manifestada" de um Sumo Pontífice. Ou seja: o Papa pode renunciar, é legal, como Bento XVI fará em 28 de fevereiro deste ano - confira o Post d'A Católica O Papa não quer mais ser Papa.

Na possibilidade de um Pontífice perder a razão, Nino Lo Bello conta que ouviu de um prelado (alto dignitário) do Vaticano que:

O bom Deus parece proteger a Igreja de semelhante catástrofe. Os papas, ao que a história indica, não perdem o uso da razão ou da mente. Mas se acontecesse o improvável, creio que a burocracia do Vaticano saberia agir como um freio eficaz contra a decadência ou contra ações embaraçosas.

Outro jornalista, J. D. Vital, na obra Quem calçará as sandálias do pescador? (Ed.Autor, 2003), revela que: “O conclave - assembleia secreta, sob chave - somente poderá começar, no mínimo, 15 dias após a morte do pontífice, para que todos os cardeais tenham tempo de chegar a Roma”. O autor explica:

No passado, as eleições papais sofreram interferências externas, da população romana e de monarcas, porque o papa era rei de Roma e administrava riquezas temporais. O processo demorava por causa das negociações, conchavos e vetos. [...]

No século XIII, por exemplo, a cátedra de São Pedro ficou vaga por um ano e meio. Foi preciso o senado e a população de Roma confinar os cardeais no palácio até a eleição de Inocêncio IV em 1243. [...] Foi o papa Gregório X que em 1274 tornou o conclave o processo oficial da eleição do pontífice. Ele próprio só foi escolhido após três anos [...] de interregno no Vaticano.

Noccolo And Maffeo Polo With Gregory X (1272-1276)
- 14th century - Unknown

J. D. Vital observa: “Nos tempos modernos, os conclaves não têm durado mais do que quatro dias”. E como são realizados? O conclave ocorre na Capela Sistina, no Palácio Apostólico, no Estado da Cidade do Vaticano. Durante a eleição, os cardeais-eleitores hospedam-se em uma residência chamada Domus Sanctae Marthae (Santa Marta) e ficam isolados, sem poderem se comunicar com o mundo exterior.

Como dito no início deste Post d'A Católica, hoje, a única forma de eleger o próximo papa, durante um conclave, é pelo voto. O professor Richard P. McBrien relata: “É preciso haver maioria de dois terços do total dos eleitores presentes para a eleição ser válida. Um voto adicional será necessário, se o número dos candidatos presentes não for divisível por três”.

De acordo com o Padre Thomas J. Reese:

Os eleitores usam cartões retangulares como cédulas, com as palavras Eligo in summum pontificem [elejo como sumo pontífice] impressas no alto. Quando dobrado ao meio, o cartão tem apenas 2,5 centímetros de largura. Cada cardeal coloca ou escreve em segredo o nome do seu escolhido na cédula, de tal maneira a disfarçar a sua letra. [...]

No altar há um receptáculo [...] coberto por um prato [...]. Depois de ajoelhar em oração durante um curto tempo, o cardeal se levanta e jura: “Juro por Cristo, Nosso Senhor, que será meu juiz, que o meu voto é dado àquele que diante de Deus eu acho que deve ser eleito”. Então coloca a cédula no prato. Finalmente, levanta o prato e usa-o para deixar cair a cédula no [receptáculo].

O teto da Capela Sistina (pintura de Michelangelo),
onde as votações para eleger o novo Sumo Pontífice ocorrem -
Fotografia de Aaaron Logan

Separando a água dos Céus
(detalhe da pintura do teto da Capela Sistina) -
Michelangelo Buonarroti (1475-1564)

Escrutinadores - que contam os votos e ficam sentados em uma mesa na frente do altar - e três revisores - que certificam se eles realizaram bem a tarefa - participam do processo. Segundo o Padre Thomas J. Reese, um dos escrutinadores, à medida que cada voto é lido em voz alta para os cardeais ouvirem, “fura cada cédula com uma agulha com linha na altura da palavra Eligo e a coloca no fio”. O autor prossegue:

Depois de todas as cédulas serem lidas, as extremidades do fio são amarradas e as cédulas assim reunidas são colocadas em um receptáculo vazio. Os escrutinadores então acrescentam os totais de cada candidato. Finalmente, os três revisores verificam [...].

As cédulas são queimadas pelos escrutinadores com a ajuda do secretário do conclave e do mestre de cerimônias, que adiciona um produto químico especial para tornar a fumaça branca ou negra. Desde 1903, a fumaça branca tem assinalado a eleição de um papa; a fumaça negra assinala uma votação inconclusiva.

Sobre a famosa fumaça, pela qual os católicos do mundo inteiro aguardam ansiosos, Nino Lo Bello é mais específico:

... Os cardeais anunciam cada votação queimando palha ou papel - a palha produz uma fumaça preta e o papel, uma fumaça branca - que anunciam às milhares de pessoas que esperam na praça de São Pedro se foi ou não eleito o papa.

De uma pequena chaminé dentro da Capela Sistina, a fumaça (La Fumata) é expelida de um ponto diante do coruchéu [parte mais elevada] à direita da fachada da basílica. Duas votações são feitas cada dia. Se a fumaça sair preta, não foi eleito nenhum papa. Se a fumaça sair branca, foi eleito um papa [...].

O professor Richard P. McBrien completa:

Nas novas regras de João Paulo II para as eleições papais, será possível um candidato eleger-se papa por maioria simples*, se, após vários dias de votação e orações (33 escrutínios ao todo), nenhum candidato tiver recebido a maioria necessária de dois terços.

Após a escolha, ainda conforme o professor, o cardeal mais antigo pergunta ao eleito: “Aceitas tua eleição canônica como supremo pontífice?”. Se houver consentimento, pergunta de novo: “Por que nome queres ser chamado?”. Depois, o novo Papa é cumprimentado por cada cardeal presente, que lhe presta “homenagem e obediência”.

Em seguida, seu nome é anunciado ao povo reunido na Praça de São Pedro, no Estado da Cidade do Vaticano: Gaudium magnum nuntio vobis: habemus Papam!, que significa: “Uma grande alegria eu anuncio a vocês: temos um Papa!”. Então, o novo papa dirige-se à sacada da Basílica de São Pedro e dá a benção apostólica Urbi et Orbi, do latim, “Para a cidade (Roma) e para o mundo”, inaugurando o seu pontificado.

Habemus Papam! - Pio X (1903-1914) - 1903 - Autor Desconhecido

Habemus Papam! -
First appearance of Pope John Paul II (1978-2005)
in 1978 - Vaticano

O jornalista J. D. Vital esclarece:

A mudança de nome [dos papas eleitos] começou no século X, porque o novo papa chamava-se Mercúrio, um nome pagão. Daí para frente, os pontífices trocaram seus nomes, mas em respeito ao primeiro papa, São Pedro, nenhum deles ousou até hoje se autodenominar Pedro II.

Nino Lo Bello sublinha: “Embora o papa possa ser um homem de qualquer nacionalidade, os homens até hoje eleitos foram sírios, gregos, franceses, espanhóis, um português, um inglês, um polonês, e um grande número de italianos”. Podemos adicionar “um alemão” - nacionalidade do Papa Bento XVI, que se despedirá de todos nós, como dito, em 28 de fevereiro.

O Padre Thomas J. Reese pontua: “Embora durante os nove últimos séculos os cardeais tenham em geral escolhido um deles para ser papa, eles podem procurar alguém fora do Colégio dos Cardeais”. Desse modo, “os cardeais podem eleger quem eles quiserem como papa, contanto que se trate de um homem batizado”. Ainda de acordo com o sacerdote:

Assim que a pessoa eleita consente em ser papa, se ela já é bispo, torna-se imediatamente bispo de Roma e papa com plena autoridade. Nenhuma outra cerimônia é necessária. Se não é bispo, deve ser imediatamente ordenado e então se torna bispo de Roma.

É o professor Richard P. McBrien quem enfatiza: "O papa é, antes de tudo, o bispo de Roma. E porque é o bispo de Roma, a sé** primacial e tradicionalmente associada ao apóstolo Pedro, ele é também o papa".

Deus salve o próximo Sumo Pontífice, sucessor de São Pedro! Saúde e Paz!!


P.S. *Conferir a alteração feita pelo Papa no ano de 2007, conforme a agência de notícias Zenit: As mudanças introduzidas por Bento XVI nas normas do conclave.

P.S.2 **Sé, do latim sedes, "assento", é igreja local ou diocese. A palavra latina refere-se à cadeira do bispo, símbolo de sua autoridade episcopal. (Os Papas - Os Pontífices de São Pedro a João Paulo II, Edições Loyola, 2004)

Papa João XXIII (1958-1963) - Fotografia de 1958 -
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