24 de outubro de 2011

Vamos falar de homens, grosseria e personalidade?

Gritar, ser rude e agredir não tem nada a ver com "personalidade forte".
Aqui, você reflete comigo sobre (alguns) homens e crianças malcriadas


(Fotografia de Vera Kratochvil)

Um dos meus programas favoritos na TV chama-se America's Next Top Model. É um reality show (mais um) sobre 14 modelos selecionadas por uma equipe para viverem juntas em uma casa. Ao longo da temporada, elas realizam cerca de 14 provas, que eliminam - uma a uma - as que tiverem o pior desempenho, até que reste uma única modelo, que receberá o título que dá nome à atração, algo como: "A Próxima Top Model Norte-Americana".

Se não conhece o programa - ou se o conhece bem - deve estar desapontado por uma pessoa religiosa, que se diz católica, interessar-se por algo aparentemente tão bobo, tão fútil, perdendo o seu tempo diante da TV. Acontece, internauta d'A Católica, que temporada após temporada - a atração é exibida por um canal de TV a cabo -, eu me divirto à beça observando como a vencedora é, geralmente, aquela que a maioria das garotas desprezam.

A mais feia, a mais alta, a mais desengonçada, a socialmente mais calada e desinteressante, que prefere ficar isolada num canto, costuma fazer fotos belíssimas. Justo ela tem um dom para ser fotografada, o qual se mostra apenas diante das câmeras e especialmente depois que as poses são reveladas diante dos jurados.

É engraçado que, temporada após temporada, os jurados - encabeçados pela também modelo e criadora do programa, Tyra Banks - cobram das candidatas "personalidade". "Você está bem nessa foto, mas falta... Personalidade!", dizem até mesmo para aquelas que acabam se tornando vencedoras. É angustiante mirar a cara linda das candidatas contorcendo-se para tentar captar o conselho: "Personalidade? Como? Quer dizer que 'eu não sou eu'?...".

Mais engraçado ainda é ver os mesmos jurados, que cobram das moças lindas "personalidade nas fotos", mandarem de volta para casa justamente aquelas concorrentes cheias de... Personalidade! Num dos episódios a que assisti, Tyra Banks diz a uma moça negra, fotogênica e super-simpática: "Você tem 'personalidade demais'. É perfeita para uma carreira de cantora ou de atriz, não de modelo. Tchau e... Boa Sorte!". Vá entender, internauta!...

Personalidade, de acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, é "caráter ou qualidades próprias da pessoa"; "individualidade consciente". Se nos detivermos no primeiro significado, todo mundo tem personalidade - por mais que, às vezes, ela pareça apagadinha... Todavia, vamos no deter no segundo sentido, porque nem todo mundo tem consciência da sua individualidade (embora alguns se achem conscientes dela).

No mundo em que vivemos, confunde-se muito gritaria, grosseria e violência com "personalidade".

Alguns homens, por exemplo, acham que gritar (especialmente palavrões), ser grosso (cuspindo no chão, arrotando alto, soltando puns, dando socos na mesa, sendo ríspidos com outras pessoas) e até mesmo bater fisicamente são sinônimos de "personalidade", de Ser Homem. "Ah, eu sou homem..." Só que, na hora do vamos ver (como dizemos aqui no Brasil), não passam de uns frouxos - assemelham-se a um rato.

Ilustração de Frits Ahlefeldt

Já cansei de assistir de camarote (outra expressão que usamos por aqui) a homem, que se diz e se acha Homem, não honrar com os seus compromissos financeiros ou emocionais; fugir de parentes ou afins na hora dos acertos de conta; jogar para terceiros a responsabilidade de tarefas que cabem a eles; escorar-se nos outros na organização de um evento e até mesmo esconder-se atrás da mulher durante uma discussão.

Isto mesmo: esconder-se atrás da mulher durante um desentendimento em um condomínio - conforme me contaram recentemente. Pasme: eu mesma vi essa figura de cabeça branca gritando e sendo grosso com outras pessoas há um tempo atrás. Na hora de um debate sério, no qual ele encontrou um outro homem que pudesse argumentar e representar a mesma força que a dele, o tal "senhor" ficou literalmente escondido atrás da mulher. Caladinho. (!!)

Aliás, este é um problema ou uma questão que venho encontrando por aí: os "Homens da relação", inúmeras vezes, são as mulheres.

Em um dos Acampamentos para as Famílias promovidos pela comunidade Canção Nova em Cachoeira Paulista (São Paulo-BRASIL), a missionária Eliana Sá, que dava uma palestra junto ao marido, o cantor Ricardo Sá, incentivou as mulheres a "deixarem os homens serem... Homens". A darem "um passo para trás", a fim de que eles possam exercer o seu papel no casamento, a sua autoridade. Segundo ela, nós, mulheres, estaríamos ocupando todos os espaços e perdendo a doçura, ao querer mandar tanto em tudo!...

Fotografia de Vera Kratochvil

Não tiro a sua razão. No entanto, não sei se por culpa das mães modernas (ou também de algumas mães das antigas), que vêm preparando para este mundo rapazes fracos, moles, mimados, que não sabem nem mesmo trocar uma lâmpada ou pôr a cueca usada no cesto de roupa suja, o fato é que as mulheres estão tomando a frente em tudo. Elas é que estão incitando os próprios parceiros a brigarem pelo que é certo, pelos seus direitos!

Isso me fez lembrar Stronger Than Me, da saudosa cantora e compositora inglesa Amy Winehouse. No início da música, ela canta (a tradução é d'A Católica):

Você devia ser mais forte do que eu
Você tem estado aqui sete anos a mais do que eu
Não sabe? Era para você ser o Homem
Nem de perto se compara a quem você acha que eu sou


Você sempre quer conversar sobre isso, eu não ligo
Eu sempre tenho que confortar você, quando estou aí
Mas isto é o que eu preciso que você faça: afague o meu cabelo


Porque eu me esqueci de toda a alegria do amor juvenil
Me sinto como uma dama, mas você é meu "menino-moça"


Você devia ser mais forte do que eu
Mas, em vez disso, você é mais do que um peru congelado
Por que sempre me coloca no controle?
Tudo o que preciso é que o meu homem viva de acordo com o seu papel


Como visto, há homens hábeis em falar palavrão e estapear, porém completamente abobados e nulos na hora de enfrentarem obstáculos por uma causa justa!

Eles gritam com a esposa em casa e humilham os filhos, contudo com o síndico que faz um mau trabalho no prédio onde moram, não. Não cobram prestação de contas do condomínio, não reclamam que o corredor vive sujo, não acusam que o elevador e os portões estragam frequentemente... Só para citar um exemplo. Outro é que esses mesmos homens violentos, muitas vezes, não são Homens o suficiente para "arregaçar as mangas" e gastar toda a sua energia no trabalho, no estudo, a fim de ajudar a promover uma vida melhor à família!...

Enfim: alguns homens (ou seriam vários?) estão pagando para não entrar em uma discussão ou em uma luta - ainda que elas sejam válidas, urgentes, necessárias. Eles simplesmente não encaram! Fogem. Colocaram uma cadeira confortável no "Clube do Deixa Disso" e estão lá, contemplando de uma distância segura as suas mulheres darem a cara a tapa. Por isso, quando vemos um homem agir como Homem é para morrer de susto ou aplaudir. Eu escolho aplaudir.

Fotografia de 1971, por Friedrich Gahlbeck -
Bundesarchiv, Bild 183-K0601-0001-019 / CC-BY-SA

Ainda sobre personalidade, muitas mães confundem-na com a mera falta de educação de seus filhos. Agora posso afirmar, internauta d'A Católica, sem medo de exagerar: o que mais se vê aqui e acolá são crianças temperamentais, malcriadas, de cara emburrada, que gritam ante a menor ameaça de serem contrariadas e que têm todas as suas vontades realizadas por pais, avós e afins. O poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994) uma vez escreveu:

Azar

Quando guri, eu tinha de me calar à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem.

As crianças dão as cartas, não porque sejam "cheias de personalidade", mas simplesmente porque estão cercadas de adultos babões e que têm preguiça de lhes ensinar a controlar o desejo, a reprimir os instintos, a se portar com bons modos. Como é irritante assistir a pais, avós e afins elogiarem uma atitude repreensível de sua criança - não deixar o amiguinho também se divertir com os brinquedos, por exemplo -, como se fosse uma amostra da sua "personalidade forte". (Argh! - desculpe-me.)

Fotografia de Peter Griffin

Uma coisa é estimular a espontaneidade do rebento. Outra, bem diferente, é deixar correr solto um comportamento malcriado dele. Dar um tapa na cara de um adulto que se aproximou para beijar o seu filho não tem nada de "bonitinho". Nem pôr a boca no gargalo da garrafa da qual todos à mesa ainda vão se servir. Pai e mãe (ou avós que agem como tais) servem para repreender isso - e, claro, outras coisas mais.

Para terminar: personalidade é um conceito que gera dúvidas e mal-entendidos. Todos a temos. Entretanto, usamos a palavra para qualificar aqueles, cujo jeito de ser "chama mais a atenção".

Assim, para Tyra Banks e os jurados do America's Next Top Model, uma modelo que não exprime uma emoção no rosto, ou que a exprime muito de leve e bem mal, "não tem personalidade" e "precisa encontrá-la". Para alguns homens, ter personalidade e "ser Homem" implica esbravejar, empurrar e agredir. E, para alguns pais (ou seriam muitos?), o filho sem educação é apenas "cheio de personalidade".

Quanto a mim, internauta d'A Católica, quando o dicionário me diz que o conceito de personalidade quer dizer "individualidade consciente", eu levo isso muito a sério.

Quem fala mais alto ou fere o próximo para "marcar" o seu lugar no mundo não tem consciência de sua individualidade: está somente perdido. Bastante perdido, aliás. Porque quando eu tomo consciência da minha individualidade, chego à conclusão de que sou Ser Humano como todas as demais pessoas e, portanto, porque quero respeito, passo a respeitar O Outro. Isso é personalidade. Isso eu quero para mim, para o meu marido e, num dia, Se Deus Quiser, pretendo ensinar aos meus filhos.

Fotografia de Petr Kratochvil

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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