Alguns de nós temos a mania de cobrar dos outros a presença e o carinho que somos incapazes de oferecer Imagem: Amor and Psyche, children (1890), William-Adolphe Bouguereau |
Costumo dizer a meu marido, Farney, que somos todos agricultores. A vida é um imenso canteiro e vamos semeando tudo aquilo que, mais tarde ou bem mais tarde, colheremos. Se você não cultivou o meu afeto, ou melhor: se não me cativou lá atrás, quando eu ainda era uma criança ou alguns anos mais jovem do que sou hoje, como pode esperar que eu o tenha em alta conta?
Vejo muito disto por aqui e acolá: gente que não fez o dever de casa, sogra que não cativou a nora; mulher que não cativou a noiva do irmão; tia que não cativou o sobrinho... Mas que depois, anos à frente, reclamam carinho, presença e até - pasme - gratidão. Por que isso ocorre? Resposta: porque fomos (des)educados para receber, e não para dar.
Somos experts em cobrar: "Fulana até hoje não veio me visitar!"; "Beltrano não me telefonou no meu aniversário!"; "Fiquei doente e sicrana nem me procurou para saber como eu estava!". Contudo, na hora de nos fazermos generosos, doadores de calor humano ou de algum calor via celular, enfim, de sermos pessoas que demonstram o mínimo de atenção aos outros... Que é de nós? Não é, porque não estamos nem aí.
Nosso foco, ou o foco de muitos de nós, é este: O que eu recebo?. Quando deveria ser (independentemente de termos ou não um coração cristão): O que eu ofereço a quem está ao meu redor?.
Esta é exatamente a raiz da minha infelicidade: eu, Ana Paula, confesso que me concentro demais no que os outros me dão: seja pura consideração, algum respeito ou bens materiais mesmo. E me olvido de me ater à parte que me cabe: o que ando entregando a Meu Próximo? Eu sei o quê: cobranças de afeto, pensamentos de ressentimento, mágoa... Embaraço-me só de reconhecer isso!
O cristianismo - e desafio algum teólogo a me corrigir, caso esteja errada - se assenta em um pilar: a Imitação de Jesus Cristo. Ele foi O Mestre da doação. Do perdão. Do amor. Hoje, garanto a você, internauta d'A Católica: é impossível para mim abraçar esse ideal. Porém, ele está a minha frente, como a cenoura que segue pendurada diante da mula - cenoura que, num dia, acredita que vai alcançar.
Fotografia de 1946, por Abraham Pisarek - Deutsche Fotothek |
Por ora, desejo rasgar meus boletos de cobrança. E rezo para que todos aqueles que tenham alguns (ou muitos) contra mim façam o mesmo. Afinal, se não cultivei a afeição de certas pessoas, como possa exigi-la delas? Se não me cativaram a amizade, como podem reclamar de mim um carinho que não consigo ter?
O cristão de verdade - na minha concepção - é aquele que elabora todos esses sentimentos e essas falhas dentro de si, e não alguém que "finge" que não as tem.
"Amor é decisão" - concordo com Padre Léo, quando ele afirma isso na brilhante palestra que proferiu na Canção Nova em 2005: Caminhar com Jesus. Entretanto, não acho que seja fácil tomá-la: uma boa decisão, pra valer mesmo, é fruto do amadurecimento. Do tempo. Assim, até que o amor prevaleça, tenhamos compaixão com a ignorância uns dos outros. O que quero dizer é: se não me cativou no passado, não exija de mim gostar de você e demonstrá-lo de uma hora para outra...