Este Post do Blog A Católica foi escrito por sugestão
do internauta Fabricio Biela Vassoler,
coordenador da equipe de liturgia em sua paróquia
coordenador da equipe de liturgia em sua paróquia
Hoje em dia está dureza reconhecer um católico. Um cristão. Há muito tempo não vejo um católico fazer o Sinal da Cruz ao passar diante de uma igreja. Seja quando estou a pé, caminhando pelo centro de Belo Horizonte (onde nasci e vivo), seja quando viajo de ônibus. O coletivo passa na Avenida Afonso Pena, em frente à Igreja São José, e dificilmente alguém se arrisca a exibir sua devoção às dezenas de passageiros.
Nos shoppings centers é a mesma coisa. Nas "Praças de Alimentação", diante da bandeja com hambúrgueres, massas ou comida japonesa, pessoa alguma faz o Sinal da Cruz para abençoar a refeição.
Eu era assim, envergonhada em mostrar a minha fé.
Levava a ferro e fogo (como dizemos aqui no Brasil) aquela passagem da Bíblia na qual Jesus Cristo diz que o melhor é orar dentro do quarto, com a porta fechada, "em segredo", sem que ninguém nos veja (Mt 6, 5-6). Contudo, reconhecer que uma igreja é a Casa de Deus, que lá está o Corpo de Cristo, e abençoar a comida antes de degustá-la não é exibicionismo barato nem hipocrisia - aquilo que Nosso Senhor condenava nos fariseus (ver página ABCatólica) -, e sim demonstração de fé.
Pois o dia em que ouvi Padre Léo contar em uma de suas maravilhosas pregações que os muçulmanos, não importam onde estejam, deu determinado horário, se ajoelham voltados para Meca, a fim de orar, fiquei chocada. Quero dizer: admirada. Padre Léo disse que testemunhou alguns muçulmanos tomarem essa atitude ali, no saguão de um aeroporto, na frente de um monte de gente. Eles se ajoelham. Nós temos vergonha do Sinal da Cruz.
Para mim, a ausência desse gesto simples com a mão direita e das palavras Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo - gesto simples e carregado de bênçãos - sinaliza uma fé fria, prestes a se apagar, como a chama trêmula de uma vela derretida, no fim. E foi justamente o contrário disso, a robustez da fé, a falta de pudor em testemunhar a filiação à Igreja, a Nosso Senhor Jesus Cristo, o que me tocou ao conhecer a vida de São Valentim. Ou melhor: a vida de dois São Valentim.
Isto mesmo: há dois São Valentim na Igreja Católica. E ambos são celebrados no mesmo dia: para alguns autores, dia 13 de fevereiro; para outros, no dia 14. Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini, no livro Um Santo para Cada Dia (Paulus, 1996), afirmam:
De nome Valentim são dois os santos canonizados. Ambos viveram no século III. Uma simpática tradição dos países saxônicos diz que a festa de são Valentim assinalava a época dos pássaros fazerem ninhos, o despertar da natureza e do amor. São Valentim tornou-se por isso o patrono dos noivos. Qual dos Valentim? O sacerdote romano que foi martirizado em 268 ou o bispo de Terni [Itália], que foi também martirizado cinco anos depois?
O Santo sem Vergonha
Illustration from the Nuremberg Chronicle - 1493 - Michel Wolgemut, Wilhelm Pleydenwurff (Text Hartmann Schedel) A palma verde na mão é símbolo do martírio de Valentim |
Para Jacopo de Varazze (1226-1298), autor de Legenda Áurea - Vidas de Santos (Legendae sanctorum, vulgo historia lombardica dicta), Companhia das Letras, 2011; em 14 de fevereiro celebra-se o Primeiro São Valentim citado por Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini. O santo era um "venerável padre" que o imperador Cláudio II, que reinou entre os anos de 268 e 270, mandou levar a sua presença:
- O que é isto, Valentino? Por que você não ganha nossa afeição adorando nossos deuses e rejeitando suas vãs superstições?
- Se você conhecesse a graça de Deus nunca falaria assim, mas renunciaria aos ídolos para adorar a Deus que está no Céu.
- Valentino, o que você tem a dizer sobre a santidade de nossos deuses? [Os romanos tinham um "Olimpo super-povoado", onde "os deuses lutavam para achar lugar" - expressão citada pelo escritor Joseph Bernhart]
- Nada, exceto que foram homens miseráveis e sujos.
- Se Cristo é o verdadeiro Deus por que você não me diz isso?
- Somente Cristo é o verdadeiro Deus, se acreditar Nele sua alma será salva, o Estado se ampliará, conquistará vitória sobre todos os inimigos.
- Romanos, ouçam como este homem fala com sabedoria e retidão!
O prefeito interveio:
- O imperador deixou-se seduzir, mas como abandonaremos aquilo que temos desde a infância?
Nesse instante, o coração de Cláudio II se endureceu. Jacopo de Varazze conta que Valentim, então, "foi colocado sob a custódia do prefeito". Ao entrar na casa deste, exclamou:
- Senhor Jesus Cristo, luz verdadeira, ilumina esta casa para nela ser reconhecido como o verdadeiro Deus.
- Fico admirado em ouvir dizer que Cristo é luz; se minha filha que está cega há muito tempo recuperar a visão, farei tudo o que você mandar.
Valentim orou, a filha do prefeito voltou a enxergar e todos naquela casa se converteram. Em seguida, o imperador mandou decapitar o santo.
Saint Valentine kneeling - 1600s - David Teniers III (Flemish painter) |
O monge beneditino Anselm Grün, na sua obra 50 Santos (Edições Loyola, 2005), também considera 14 de fevereiro o dia do Primeiro São Valentim, ou seja, dia daquele que era padre em Roma (Itália). Entretanto, a sua versão destoa da de Jacopo de Varazze em um ponto: segundo Grün, o prefeito teria levado Valentim ao juiz Asterius e teria sido a família deste, e não a do prefeito, a que foi convertida.
[O prefeito] o levou até o juiz Asterius. Valentin pediu a Deus que iluminasse todos os infiéis. O juiz disse que Cristo, sendo uma luz tão grande, deveria dar a visão a sua filha. Valentin assim pediu. E imediatamente a filha passou a ver. O juiz e sua mulher caíram aos pés do santo e quiseram ser batizados. Com toda sua casa - cerca de 14 pessoas -, Asterius recebeu o batismo. Quando ficou sabendo disso, o imperador mandou torturar Valentin e decapitá-lo (...). O ano era 269.
E quanto à associação de São Valentim ao Dia dos Namorados (Valentine's Day) em vários países do mundo? O mesmo Anselm Grün apresenta uma meditação interessante:
A legenda [para saber o significado de "legenda", consulte a página ABCatólica do Blog] parece ter, à primeira vista, pouco a ver com nossos costumes comerciais [de trocar flores com namorados ou amigos durante o Valentine's Day] relativos a Valentin. Talvez os costumes remontem a tradições pagãs. No entanto, não é de todo absurdo que os cristãos liguem esses costumes a Valentin.
Valentin é o homem sábio, que impressiona os outros com sua sabedoria. Ele é capaz de fascinar de tal modo o imperador que o prefeito tem medo de que ele o enfeitice. Valentin, que enfeitiça os outros com seu discurso, é uma imagem do amor encantador, que transfigura nosso olhar e eleva nossos sentimentos às alturas.
O amor joga luz sobre a vida, de tal modo que Valentin não só ilumina os infiéis como também faz a filha cega ganhar a visão. O amor que Valentin anuncia é o amor de Jesus Cristo. Ele é a fonte da qual podemos beber, a fonte que nunca seca. Jesus nos amou até a perfeição. Seu amor abre nossos olhos para que reconheçamos em cada pessoa o anseio pelo amor. (...)
Quem também reconhece o amor nas pessoas cegas e petrificadas, nos "infiéis e juízes", este consegue por meio de sua fé abrir-lhes os olhos, consegue conduzi-los para o verdadeiro amor que nunca se exaure. São Valentin pode nos capacitar para isso.
Shrine of St. Valentine in Whitefriar Street Carmelite Church in Dublin, Ireland - Fotografia de blackfish |
Por fim, o Primeiro São Valentim pode ser invocado pela seguinte oração:
Oração a São Valentim
(Orações Particulares, Editora São Cristóvão)
Ó São Valentim que fostes perseguido por causa da vossa fé em Cristo
e implorastes a cura das doenças, mesmo para quem vivia no paganismo,
concedei-nos a luz da fé, a fidelidade e constância
nos meus compromissos cristãos assumidos no dia do Batismo.
Concedei-me proteção especial contra a doença
que tanto luto para vencer (dizer o nome da doença).
Concedei-me esta graça, pela vossa intercessão e pelos méritos de Cristo,
por quem destes a vida e que vive com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém.
Protetor contra a Epilepsia
Rosary-church in Maria Wörth - Churchyard-portal - Saint Valentin Fotografia de Neithan90 - Public Domain A criança com o santo pode representar alguém que ele curou da epilepsia |
Como dito linhas acima, há um Segundo São Valentim, celebrado igualmente em 14 de fevereiro (ou igualmente em 13 de fevereiro, a depender do autor). Conforme Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini, "o segundo Valentim conseguiu converter o famoso filósofo Crato e alguns discípulos". Padre Adalíbio Barth, que escreveu Orações Particulares (Editora São Cristóvão, 1999), relata que o Segundo Valentim...
... Foi Bispo de Terni, na Úmbria, Itália, por volta do ano 223. Converteu o famoso filósofo Crato e sua família, o que lhe valeu o martírio. É padroeiro da cidade de Terni. É invocado pelos que sofrem de desmaios e ataques epilépticos.
Padre Paulo Scopel, autor de Orações e Santos Populares (Salles Editora, 2007), conta que "antigamente, a epilepsia era também chamada de mal de São Valentim". Em seu livro, ele disponibiliza a seguinte oração:
Oração a São Valentim
(Orações e Santos Populares, Salles Editora)
Ó Jesus Cristo, Salvador nosso, que viestes ao mundo
para o bem das almas dos homens,
mas que fizestes tantos milagres para dar saúde ao corpo,
que curastes cegos, surdos, mudos e paralíticos;
que curastes o menino que sofria de ataques e caía na água e no fogo;
que libertastes aquele que se escondia entre os túmulos do cemitério;
que expulsastes os maus espíritos dos possessos que espumavam;
peço-vos, por intermédio de São Valentim,
a quem destes o poder de curar os que sofrem de desmaios e ataques,
livrai-nos da epilepsia.
São Valentim, peço-vos especialmente
que restituais a saúde a... (dizer o nome do doente).
Fortalecei-lhe a fé e a confiança.
Dai-lhe coragem, ânimo e alegria nesta vida,
para que possa render-vos graças a vós, São Valentim,
e adorar a Cristo, o divino médico do corpo e da alma.
São Valentim, rogai por nós.
Church in Pörtschach am Berg in the community of Maria Saal - Saint-Valentin-altar - Fotografia de Neithan90 - Public Domain |
Valentim, Valentin ou Valentino, nomes que significam "o saudável", "o forte" (de acordo com o monge Anselm Grün) e também "aquele que persevera na santidade", "guerreiro de Cristo" (conforme Jacopo de Varazze)... O bom de se conhecer a vida dos santos é confrontar o testemunho deles, tão forte, com o nosso, invariavelmente tão fraquinho.
Quando vejo que nós, católicos, não fazemos o Sinal da Cruz, falamos mal uns dos outros, sobrevalorizamos os bens materiais, deixamos a Bíblia de lado, não dividimos o que temos - incluindo um sorriso afável, acolhedor -; percebo nitidamente, sem borrão algum, que não houve conversão. Nessas horas, não passamos de católicos da boca pra fora: servimos apenas para entrar nas estatísticas do IBGE.
Especificamente, e retomando o início deste Post do Blog A Católica, quando deixamos de fazer o Sinal da Cruz em público, por vergonha e receio de que os outros nos achem "bobos", uma vez mais me lembro do saudoso Padre Léo: "Que me importa se pensam que sou bobo? Sou bobo sim. Pelo menos não sou bobo da propaganda, das novelas, dos artistas Pop: sou bobo de Jesus!...".
Eis a lição que fica de São Valentim, que não teve medo de afirmar e confirmar a sua fé diante do imperador e do prefeito (ou do juiz): "Sim, Jesus Cristo é Deus, meu Salvador. Eu acredito nele!". Um santo sem vergonha. Como você e eu poderíamos ser.