16 de março de 2012

Afinal: o que os sonhos querem dizer?

A liturgia de hoje me mostra que não ouço a voz do Senhor -
por não seguir Seus mandamentos, tenho sonhos recorrentes de "reprovação"

Imagem: Frau im Bett (schlafend) – Schlafendes Mädchen I (1922), Walter Grammatté

você tem sonhos repetidos? que tornam a aparecer? eu tenho. ondas do mar, grandes, imensas ondas, frequentemente povoam minhas madrugadas. outro sonho é que estou em uma sala de aula, repleta de gente (ou melhor: de colegas), e é dia de prova ou da entrega de algum trabalho, porém não estou preparada. não estudei, não fiz a tarefa e certamente "ficarei para trás", serei "reprovada". daí, eu acordo.

sei que sonhos não são literais, e sim, metáforas.

por isso, costumava folhear livros com seus "significados". era um barato. o chato é que não demorou - leitora voraz que sou - para eu descobrir que as interpretações dos sonhos não são generalistas: devem ser individuais. as ondas do mar colossais têm um sentido para mim, para a minha vida, e têm um sentido diverso para outra pessoa - levando-se em conta as particularidades de sua vida, de seus traumas.

mas, mais do que as ondas que varrem o meu sono, os sonhos com salas de aula são os que mais me intrigam. vira e mexe, acordo de manhã me perguntando: "o que será que estou 'devendo'?"; "que tarefa deixei de cumprir?"; "para que 'prova' eu não me preparei?". e vou passando em revista todos os aspectos da minha vida: como filha, como irmã, como afilhada, como neta, como esposa e (agora) como mãe.

não há dúvida, internauta d'A Católica, de que integro a parcela da humanidade que está o mais despreparada possível para a Vida Eterna. se eu morresse hoje (vixe, Maria!) talvez nem mesmo o Purgatório eu mereceria: estou em débito em vários aspectos da minha vida. sobretudo, como a católica apostólica romana que me propus a ser. ou melhor, que eu sou, desde o dia do meu Batismo: 14 de novembro de 1976 (se não me engano...).

desse modo, o período da Quaresma, este mesmo que estamos vivendo desde a Quarta-Feira de Cinzas, é extraordinário: trata-se da ocasião oportuna que a Igreja nos dá, que ela nos propõe, de questionarmos como estamos levando a nossa vida, que escolhas temos feito e que rumo devemos tomar, a fim de ajudar a construir o Reino de Deus aqui e agora. como Padre Vicente, da Comunidade Bethânia, resumiu tão bem na carta que recebi dele neste mês:

Quaresma é esse tempo forte onde Deus nos chama à conversão e mudança de vida. É tempo oportuno para rezar mais, jejuar mais e intensificar a nossa caridade.

Padre Luizinho, da comunidade Canção Nova, também sintetiza esse período na edição de Março de 2012 da revista Canção Nova:

Na quarta-feira de cinzas, iniciamos o Tempo mais rico e profundo da Liturgia, na verdade este Tempo que abrange a Quaresma, Semana Santa e Páscoa até Pentecostes é um grande retiro, centro do Mistério de Cristo e da nossa fé e salvação. Tempo privilegiado de conversão e combate espiritual, de jejum medicinal e caritativo.

Schlafende Hirtin (1912), Franz Marc

talvez meus sonhos recorrentes com salas de aula, provas para as quais não estudei e trabalhos e exercícios os quais não fiz, queiram justamente dizer quão despreparada e negligente estou como fiel da Igreja. como ser humano. talvez queiram me mostrar que o ódio, a indiferença, a intriga e a maledicência andaram criando um toldo de ervas daninhas que abafaram os grumos do meu ardor cristão. e me deixaram "para trás".

penso que a mulher nova, convertida, quer nascer em mim. contudo, eu não a deixo vir. e vou vivendo esta dicotomia triste e dolorosa entre o que eu gostaria de ser e o que eu, por teimosia e apego, me imponho a ser.

assim, como "estudar para a prova" ou "apresentar o trabalho", se me recuso a ouvir o Senhor, nosso Deus (Mc 12, 29)? como ser "aprovada" na "sala de aula", que é a metáfora da minha vida, sem pôr em prática os Seus dois maiores mandamentos: amá-Lo de todo o coração, de todo o pensamento, de toda a alma, de todas as forças e amar o próximo como a mim mesma (Mc 12, 33)? O Salmo da liturgia de hoje profetiza:

No entanto, meu povo não ouviu a minha voz, Israel não me quis obedecer.
Por isso, os abandonei à dureza de seus corações. Deixei-os que seguissem seus caprichos.
Oh, se meu povo me tivesse ouvido, se Israel andasse em meus caminhos!
Eu teria logo derrotado seus inimigos, e desceria minha mão contra seus adversários.
Os inimigos do Senhor lhes renderiam homenagens, estaria assegurado, para sempre, o destino do meu povo.
Eu o teria alimentado com a flor do trigo, e com o mel do rochedo o fartaria (Sl 80, 12-17).


é tempo de ser aprovada. de ouvir e obedecer a Deus, que é um só e que não há outro além Dele (Mc 12, 32). tempo de me converter - como mostra o livro de Oseias, também parte da liturgia de hoje:

Volta, Israel, ao Senhor teu Deus,
porque foi teu pecado que te fez cair.
Muni-vos de palavras (de súplicas) e voltai ao Senhor. Dizei-lhe:
"Perdoai todos os nossos pecados, acolhei-nos favoravelmente.
Queremos oferecer em sacrifício a homenagem de nossos lábios"
(Os 14, 1-2).


é tempo de superar a sensação de fracasso que meus sonhos recorrentes com salas de aula me dão. para poder, enfim, desocupar a minha mente da culpa e dar a ela o espaço necessário, vital para sonhar novos sonhos.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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