Com nossas risadas, promovemos o comportamento destrutivo e negativo de adolescentes, menininhas de 7 anos e até de sexagenários cruéis (Fotografia de Kashif Mardani) |
Basta observar uma criança. Bem Novinha. Novinha mesmo. Ela dá um reboladinho ao som de uma música ou simula que caiu de bumbum no chão, logo depois arranca risadas da mamãe, do papai, dos avós ou de alguma visita e... Está formada a sua plateia. Ela sabe que agradou e, com certeza, estimulada pelos adultos, repetirá o mesmo comportamento. Over and over again - como se diz em bom inglês.
Se você está lendo estas linhas que flutuam na tela do computador, certamente não é mais "uma criancinha". Contudo, quem garante que você e eu não viemos, ao longo desses anos de crescimento e de (suposta) maturidade, ecoando aquele comportamento infantil? Alguém nos elogia e... Estimulados pelo aplauso alheio, repetimos e repetimos e repetimos o mesmo comportamento. Ad infinitum - agora, em bom latim.
Pois é isso o que ultimamente vem me preocupando, internauta d'A Católica.
Muitas vezes, aplaudimos o comportamento de alguém excitados pelo calor da hora, da situação, e sem querer acabamos encorajando uma postura destrutiva diante da vida, que terá repercussões lá na frente, no futuro. É como "morrer de rir" daquele aluno mal-educado, que desrespeita o professor. Incitado pelos colegas de classe, ele fará isso de novo e de novo e de novo, porque "agradou", conseguiu chamar a atenção.
Pois recentemente soube do vídeo de um adolescente, menor de idade, que bastante embriagado, acabou fazendo bundalelê no meio de uma festa. Um grupo se reuniu para assistir ao vídeo e dá-lhe gargalhadas: todo mundo achou muito engraçado. É aí que mora o perigo. Sobretudo se se trata de um adolescente tímido, a filmagem e as risadas posteriores acabam lhe mandando uma mensagem, a qual ele pode interpretar assim: "Quando eu bebo, eu me solto, relaxo e... Agrado as pessoas. Vou fazer mais!".
Fotografia de Dani Lurie from London, United Kingdom |
Já pensou? Podemos, muito sem querer, muito sem achar que "não tem nada demais", estar estimulando o alcoolismo num menino tão novo. Sério. Não estou exagerando. Há outros exemplos.
Numa noite, anos atrás, meu marido e eu aguardávamos o ônibus num ponto na Avenida Silviano Brandão, aqui na minha cidade, Belo Horizonte, quando chegaram uma mãe, suas duas filhas - uma com 5 e a outra com cerca de 7 anos de idade - e outras duas mulheres (tias das crianças?). Na época, a Rede Globo de Televisão exibia uma novela na qual uma atriz famosa interpretava uma dançarina de strip-tease.
Pois então.
Havia um mastro de ferro fincado na calçada onde estávamos e a mãe incitou a filha mais velha a "imitar" a tal personagem stripper. Para o espanto meu, do meu marido e provavelmente das outras pessoas que também aguardavam um ônibus, a menina de 7 anos começou a dançar rebolando e literalmente se esfregando, com as perninhas abertas, naquele mastro - sempre atiçada pela mãe e as (supostas) tias.
Quando nosso ônibus chegou, ainda deu tempo de vermos a mãe levantar a blusa da menina e perguntar: "Cadê o seu mama? Mostra! Mostra o seu mama!". E em seguida: "Mostra, que um dia ele vai ficar bem grande!". Mama, no masculino e no singular mesmo, é como costumamos chamar os seios femininos aqui no Brasil.
Fui para casa perplexa.
Uma plateia de três mulheres adultas estimulando a sexualidade de uma menina tão magrinha, miudinha, novinha. Uma criança de cerca de 7 ou 8 anos! Minha cabeça deu um salto no tempo e imaginei, triste, como ela estaria dali a outros 7 anos. Pelo andar da carruagem, pelos estímulos e aplausos que recebia, não seria improvável cogitar que, aos 14, já teria se deitado com alguém e se tornado, precocemente, mãe.
Crianças de 7 anos de idade deveriam se vestir e dançar assim... Imagem: Between 30 August 1953 and 9 September 1953, by Roger and Renate Rössing - Deutsche Fotothek |
Entretanto, não são apenas os adolescentes e as crianças o alvo do nosso aplauso equivocado.
Quando estamos em bando, em grupo ou mesmo em família, também muito sem querer, também muito sem ver nenhuma maldade nisto, acabamos incitando adultos a incorrerem em erros crassos de comportamento.
Há gente que, diante de um bando, de um grupo ou numa mera reunião familiar, tem o hábito cruel de arrancar risadas alheias, falando mal dos outros. Seja das características de seu corpo (quilos a mais, estatura de menos, falta de beleza, nariz saliente, etc.) ou do jeito que as vítimas de suas piadas escolheram levar a vida.
Algumas vezes, as gozações que esse tipo de gente faz acontecem na ausência das vítimas - elas não estão naquele evento. Noutras, as vítimas estão presentes no mesmo ambiente, na mesma casa, só que basta elas virarem as costas, a fim de irem à cozinha tomar uma água ou darem um pulo no toilette, para a maledicência, os comentários perniciosos e as piadas de mau gosto começarem.
E por que esses adultos cruéis, que adoram chamar a atenção para a fraqueza ou o defeito dos outros, continuam a agir assim? Resposta: Porque eles têm plateia, contam com as gargalhadas garantidas de todo mundo - o que alimenta o seu mau hábito. Tal e qual as risadas da mamãe, do papai, da vovó e do vovô levam a criancinha de tenra idade a repetir o reboladinho ao som da música ou a queda de bumbum no chão.
Fotografia de Father of Don O'Brien |
E você, internauta d'A Católica?
Do que você anda rindo quando está reunido com outras pessoas - seja num ponto de ônibus ou numa festa de aniversário? Que posturas, atitudes e comentários dos outros você vem aplaudindo? Quais comportamentos de jovens, crianças e adultos você vêm promovendo e reconhecendo com as suas gargalhadas?
Alguém disse uma vez: "Nenhum homem é uma ilha". Esteja certo: nós provocamos efeitos no jeito de ser uns dos outros.
Quando atiçamos a bebedeira de um adolescente, a sensualidade precoce de uma menininha ou a crueldade de um adulto de mais de 60 anos de idade, estamos dando a nossa contribuição para que o mundo se torne, cada vez mais, um lugar pontuado de frieza, indiferença e violência. Enfim: um lugar distante, bem distante, do Reino de Deus, daquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo sonhou para cada um de nós.
Se, assim como eu, você que lê estas linhas que flutuam na tela do computador é cristão (evangélico, espírita kardecista...), ou especificamente católico apostólico romano, tem o dever de não pactuar com as risadas histéricas dos que acham hilário um jovem beber e mostrar a bunda, uma menininha se esfregar em um mastro ou um quase idoso tirar sarro das características do corpo, da cara e da vida dos outros.
Não é só no entorno da Praça Sete - ponto central na minha cidade, aqui no Brasil - que devemos nos reunir e demonstrar a nossa indignação.
Não é preciso ganhar as vias movimentadas das capitais, empunhando bandeiras imensas, para "fazer uma revolução". Com o quinhão que nos cabe - aparentemente pequeno -, nós podemos sim ajudar jovens, criancinhas e adultos infantilizados a seguirem um caminho diferente e mais positivo. Mais bonito e frutuoso. Para isso, basta deixarmos as gargalhadas e os aplausos de lado. Simples assim.