18 de outubro de 2013

Gemidos de Menos, Dores de Mais

Um Post sobre sons e ruídos de amor e de violência doméstica,
que ultrapassam janelas, portas e paredes dos vizinhos

(Fotografia de George Hodan)

Morei num lugar onde, vez em quando, dava pra ouvir uma mulher gemer de prazer. Sério. Eu acordava por volta da 1h da madrugada, ouvindo aquele som... No dia seguinte, comentava com uma conhecida, que me dizia: "Pode ter a certeza de que, gritar daquele jeito, só pode ser pra aparecer". Numa vez, houve gritos de socorro. Eu não os ouvi bem. Não sei de onde vinham. O dia estava quase amanhecendo e acordei com meu pai "pendurado" na janela: "Larga ela, senão chamo a polícia!". Alguém já havia chamado. A PM (Polícia Militar) chegou e deve ter feito a ocorrência.

Ter vizinhos - quem não os tem? - é assim. Mesmo um tanto de longe, cercados por paredes, protegidos por portas e atrás de janelas, dá pra acompanhar alguma eventualidade, quando ela se sobressai, quando os ruídos vazam. Sobretudo, se isso ocorre na calada da noite ou no alvorecer.

Acontece, porém, que nem sempre a violência doméstica (ao contrário dos gemidos de prazer) se dá quando a maioria das pessoas está dormindo. Quando se torna comum, parte da rotina de um casal, como se levantar da cama, montar a mesa do café, recolher toalhas do varal, esticar o pano que recobre o sofá, ela ocorre a qualquer hora. Sempre é hora de apanhar. Sempre é hora de "ser enforcada", levar um chute ou ouvir palavras como: "Você é irresponsável!"; "Você não presta!"; "Você é velha!".

Como católica, o que fazer quando você nota que o marido da vizinha é um boçal?

Tocar a campainha e aconselhar essa pessoa a chamar a polícia? A desabafar com "algum parente de confiança"? A sair de casa correndo? A se separar? Qual das opções é a melhor? Qual é a mais sensata?

Quando alguém na família é alcoólatra ou drogado, geralmente procura-se instituições especializadas para orientação e ajuda. E quando alguém é violento? Maltrata uma mulher com as mãos, os pés e as palavras? O que fazer? Artistas, políticos... Vão todos pra TV dizer que a esposa NÃO deve tolerar a violência doméstica, e SIM denunciar o marido. Ora, se Santa Rita de Cássia tivesse feito isso, não teria se tornado o que é. Afinal: quem permanece numa relação assim é uma anta completa ou uma santa?

Sei que dentro dos caixotinhos chamados apartamentos e das amplidões de casas que ainda resistem à verticalização dos bairros, acontecem coisas de entristecer Nosso Senhor. Coisas que esposos como São José jamais seriam capazes de fazer. Existem homens perturbados, boçais desequilibrados, que são leões sob pele de ovelhas, gente que colegas de trabalho, irmãos e pais duvidariam de que seria capaz de pisar numa formiga ou assustar um gato de rua, que dirá encostar a mão na esposa.

Pensa-se e fala-se muito na "solução": xadrez. Divórcio. A raiz ou a causa primeira do problema, ninguém quer abordar, ninguém debate. Onde nasce a violência? Onde ela começa? Onde o marido espancador aprendeu a humilhar, a agredir? Eu tenho a teoria (não verificada, puro "achismo") de que aprendeu em casa, vendo a violência dos próprios pais. Vai ser difícil alguém me provar o contrário. Marido que maltrata a esposa viu na infância, de cadeira V.I.P., o próprio pai fazer isso - inúmeras vezes - com a mãe.

Quanto a mim, quem me dera ouvir gemidos de mais e dores de menos.

A propósito, e para tornar mais leve este Post pesado, numa vez, quando tinha um programa na Rádio Itatiaia (muito ouvida aqui em Belo Horizonte), o político e consultor de comportamento Antônio Roberto respondeu assim a uma ouvinte que lhe escreveu indignada sobre a vizinha que, todas as vezes em que "fazia amor" com o marido, fazia muito "barulho": "Você está é com inveja! Deixe a sua vizinha ser feliz e trate de ser feliz também, que eu duvido que os gemidos dela vão te incomodar!...".

Fotografia de George Hodan


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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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