20 de julho de 2012

Não odeie: seja indiferente

A atriz Greta Garbo continua exemplo único de discrição:
largou a carreira em 1942 e viveu sem dar declarações até morrer, em 1990.
Nem todo ódio precisa ser proclamado; nem todo inimigo, anunciado


Imagem: Film poster for Queen Christina (1933) - Employee(s) of MGM

Eu achava que o contrário do amor fosse o ódio. Porém, um professor que tive na faculdade - mais exatamente professor da disciplina "Ética e Legislação no Jornalismo" -, que gostava de fazer meditações antes de sua aula, nos disse que o contrário do amor é a indiferença. Nunca mais esqueci.

Ele explicou: "Amor e ódio estão muito próximos um do outro. São como duas pontas de uma reta. Quando você as une, forma um círculo. Ou seja: um acaba bem perto do outro". O professor continuou: "Se você quer 'matar' alguém, seja indiferente a ele. Não demonstre os seus sentimentos. Não odeie".

Relacionar-se é dificílimo. E não estou falando de relacionamento esposa e marido nem de pais e filhos. É que às vezes, aliás, é que muitas vezes a vida nos impõe a conviver ou mesmo a ver de vez em quando pessoas por quem nutrimos sincera e tremenda antipatia. Seja um colega de trabalho, com quem convivemos, seja um parente com quem nos esbarramos numa visita, num evento de família, vez e outra.

Tive um colega de trabalho intragável.

Soube que me apelidou de "Meio Quilo". Eu me referia a ele, nas conversas com o meu então namorado (hoje, marido), como "Energúmeno" - afinal, eu estava ressentida, com raiva. Em público, diante dos outros jornalistas, o tal colega tentava, tentava e tentava me tirar do sério (como dizemos aqui no Brasil). Nunca cedi.

Ele ficava gritando comigo no meio da Redação, eu saía de perto. Pra quem está de fora, assistindo, o feio fica pra quem está desequilibrado. Era difícil suportar as suas provocações - numa vez, arremedou a minha voz, com desprezo. Contudo, meu Anjo da Guarda está sempre de prontidão. Também, antes de ir para o trabalho, ainda de pé no ponto de ônibus, eu rezava para São Jorge me proteger, para eu ter forças contra "os inimigos". Venci aquele colega não com o ódio, e sim com a minha indiferença.

Essa história me faz pensar que, quando o amor - ainda - não é possível, o melhor é pagar ódio não com ódio, e sim com a indiferença. Afinal, numa briga, o "encardido" (lê-se: o espírito do mal) faz tudo para deixar as coisas piores do que já estão. Ele faz tudo para que a agressividade nos argumentos cresça como bola de neve e a situação termine com duas pessoas magoadas e ofendidas ou, no mais sério dos casos, na delegacia de polícia.

Original studio publicity photo of Greta Garbo for film Ninotchka (1939),
Clarence Bull - studio photographer


Por tudo isso, é inteligente não deixar pessoa alguma nos tirar do sério. É inteligente não dar a quem não gosta de nós "o gostinho" de ver nossas caretas, de ouvir nossos palavrões, enfim, de nos assistir mostrando o nosso lado mais escuro. Por dentro, podemos estar indignados, corroídos, com o orgulho e tudo o mais feridos; porém, por fora, não devemos demonstrar coisa alguma. Isso não é ser falso: é simplesmente o exercício árduo e necessário de manter o controle da situação. O controle sobre nós mesmos.

Mamãe Gali me disse que aprendeu com o pai, meu Vovô Jaime, que a palavra é como pasta de dente: depois que apertamos o tubo, não dá para colocá-la de volta. Ou seja: somos donos da palavra enquanto ela está dentro da boca. Depois que a soltamos ao vento, ela não nos pertence mais. E nos compromete, de acordo com o que dissemos.

Assim, nem todo ódio precisa ser declarado; nem todo inimigo, anunciado. Jamais me arrependi de nunca haver caído nas armadilhas que o "Energúmeno" armava pra mim, naquele emprego que tive. Resisti bravamente com o meu silêncio a suas colocações ora agressivas, ora maliciosas. Não o confrontei. Devo tê-lo deixado encucado: "Por que ela não responde aos meus ataques? Será que ela é boba? Idiota?".

A propósito, nas primeiras edições da revista Superinteressante, da editora Abril, havia uma seção chamada "Dito e Feito", com frases impressionantes de personalidades da ciência e da história. Infelizmente não lembro quem a disse, mas uma frase não saiu da minha cabeça: "É melhor deixar alguém confabular se você é idiota ou não, do que perder tempo em esclarecer".

Como disse no Post d'A Católica Lembranças demais da conta, sô, vivemos num mundo onde registramos tudo da nossa rotina para depois expormos em redes sociais como o Facebook.

Não há mais lugar para a discrição, o mistério. Artistas exibem todo o corpo em revistas masculinas; a própria casa em revistas de celebridades; lavam a roupa suja (como dizemos aqui no Brasil) em programas de TV como o Fantástico, contando intimidades da infância e da vida conjugal; compartilham o próximo passo no Twitter... Não existem segredos. Todo mundo sabe o que todo mundo está pensando, está sentindo.

Quanta diferença da postura da atriz sueca Greta Garbo! A estrela de Hollywood escolheu conscientemente manter a mídia e as pessoas que lhe eram estranhas alheias a suas opiniões e preferências. Ao defender com unhas e dentes a sua privacidade, cercou-se de uma aura de mistério que só fez crescer a sua popularidade.

Publicity photo of Greta Garbo for film Anna Karenina (1935), MGM


Figurativamente, tanta ostentação da nossa vida deixa a nossa guarda indefesa, nossas forças e fraquezas descobertas e, desse modo, sujeitas a investidas dos inimigos.

Ninguém precisa saber o quanto o odiamos. Não manifestar o ódio e manter a indiferença é quebrar o ciclo vicioso da agressividade e, quiçá, dar uma chance para que a simpatia floresça. Não foi só a mim mesma e ao "Energúmeno" que venci naquela ocasião. Foi ao "encardido" também, que adora quando mostramos nossos rancores e ressentimentos, que adora ver o circo pegar fogo, que adora quando transformamos o ambiente onde estamos num lugar quente e violento - cada vez mais parecido com o inferno.

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Para encerrar este Post, deixo com você, internauta d'A Católica, duas orações. Saúde e Paz!

Da vitória sobre o ódio
(Os Cinco Minutos dos Santos, Editora Ave-Maria)

Deus, nosso Pai, Vós dissestes: "Amarás os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem;
desse modo, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos ceús,
porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre os maus e bons
e cair a chuva sobre justos e injustos" (Mt 5, 43ss).

Abrandai, pois, nós Vos pedimos, ó Pai, todo sentimento de revolta,
violência, ódio e vingança que hoje possamos ter.

Somente Vós podeis libertar nossos corações das correntes do egoísmo e do orgulho
que nos levam a ultrapassar as medidas da iniquidade
e assim aumentar o sofrimento de nossos semelhantes.


Espírito Santo, luz das almas
Atribuída a Pedro Damião
(Grandes Orações, Editora Ave-Maria)

Espírito Santo, luz das almas,
Tu que restituíste a vista ao cego de nascença,
iluminai-me!
Tu que ressuscitaste a Lázaro,
vivifica-me!
Vem, Espírito de verdade,
afasta de mim as trevas do erro.
Julga, Senhor, os que me querem mal
e repele os que me atacam
e acorre em meu socorro.

Espírito vivificador,
que dás a vida,
Deus todo-poderoso e eterno,
és fogo que consome.
És o espírito de discernimento e de ardor.
Toma meu coração
e dele extirpa as faltas e vícios
com Teu fogo potente.
Vem banir de meus sentidos
o espírito do mal
que se insurge contra Ti.

Que se levante Deus
e se dispersem Seus inimigos!
Que os que odeiam
fujam diante de Tua face!
Que se esvaneçam como fumaça,
como a cera se derrete diante do fogo.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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