24 de março de 2014

Nem Stálin nem Lênin

Foto: Plastik Lenins und Stalins auf der Leipziger Herbstmesse
1954 - Autores: Roger e Renate Rössing - Fonte: Deutsche Fotothek‎

As mudanças acontecem
como a queda de uma
folha (seca) da árvore
frondosa de caule (velho)
na esquina
do quarteirão de cima -
na qual, certa vez,
vi duas borboletas
se amando. (Pena
não ter máquina na hora.)

Pranchetas, papéis
desenrolados brancos
com quadradinhos
de linhas azuis,
réguas grandes e pequenas,
compassos, calculadoras
imensas e pretas
na mesa inclinada -
nada. Nada
pode prever como
nem quando
as mudanças acontecem.

De repente, assim,
num almoço
me vi gostando de
quiabo. E também de
azeite.
Parece trivial - indigno
de menção -, mas
até hoje me causa
pasmo
me ver braços e mãos
pondo quiabo no prato.

Ninguém me convenceu.
Não li na revista
que faz bem.
Um dia me vi
pondo quiabo no prato.
E comendo.

Estou aberta
às mudanças.
Digo: "Prazer, entrem".
Eu as recebo, sorrio, sirvo
café, as acolho,
acarinho, abrigo.
Têm passe livre
em mim. Comigo.

A estátua sisuda
é bonita:
mostra a pujança
que se busca em si.
Ai de nós, no entanto,
não ser maleável:
partiremos em três -
pernas, pescoço, peito -
como Stálin ou Lênin
uma vez.

Parte da vida
é isto:
tomar distância longa
do ponto de que partiu.
A mulher que escreve
agora
pouco traz
da de outrora.
Somos duas.
Quem me amou ontem
tem todo o direito
de não me saber mais.

E ignorar,
fingir que não viu,
sair do meu
círculo.
Sem olhar para trás.

Foto: Part of Stalin and Lenin Monument
by Rudolf Doležal and Vojtěch Hořínek
in Olomouc, Czech Republic (2005) - Autor: Jan Jenista


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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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