Meu marido Farney redigiu um texto de despedida, que nos apresenta uma católica de verdade: de Igreja e de Vida. Enfim, de fato. (Infelizmente, coisa rara de se ver...) Imagem: Fotografia de Nat Sakunworarat |
Meu internauta:
Pela primeira vez desde que o Blog A Católica foi criado, cedo espaço para um texto inédito escrito por um terceiro, uma outra pessoa: no caso, meu marido Farney.
Seu texto é sobre alguém que não conheci. Só sei que ao terminar de ler a sua crônica, redigida com a emoção e as recordações de menino e de adulto à flor da pele, fiquei admirada com aquela mulher, cuja casa e o coração estavam abertos a conhecidos e desconhecidos.
O mais enternecedor é que ela era católica praticante.
Praticante de Igreja e De Fato.
De Fato, porque, de acordo com o testemunho do meu marido, ela punha em prática ensinamentos básicos do Catolicismo que muitos, muitos, muitos de nós (que batemos a mão no crucifixo pendurado no nosso peito, a fim de dizer: "Católicos fervorosos e com orgulho"), enfim, que muitos de nós "Católicos fervorosos e com orgulho" não exercemos, por puro egoísmo.
Mas, vamos ao texto. Com a palavra, Farney.
Dai-lhe, Senhor, o descanso eterno
e a luz perpétua a ilumine.
Descanse em paz. Amém.
A Falta que Dona Lurdes nos faz
Hoje eu recebi a triste notícia de que Dona Lurdes nos deixou! Também conhecida como “Lurdes de Tuta”, com quem conversei bastante há apenas dois meses, deixou 07 filhos, 06 netos e muitos amigos.
Ela era uma pessoa muito generosa e religiosa, então vou fazer uma oração por cada lembrança boa que tenho dela. Vou enumerar as boas lembranças pra saber o número de orações que devo a Ela:
1 - Fazia uma das melhores comidas que já provei;
2 - Era uma super-mãe e defendia os filhos dos rompantes violentos do Marido;
3 - Nunca falou mal dos filhos, mesmo quando aprontavam;
4 - Nunca desistiu da recuperação de um dos caçulas, que teve problemas com a Polícia;
5 - Era uma super-avó e ajudava a criar os netos;
6 - Era a melhor pessoa para se ter na família, pois a sua Casa foi hospedagem de parentes durante anos a fio: lá se hospedaram pessoas com problemas de saúde, grávidas, mulheres de resguardo, desempregados buscando ocupação, sobrinhos de férias, parentes idosos em busca de conforto e atenção. Ela abrigava todos e em todas as oportunidades.
Certa vez, até cedeu a sua Casa para o velório de uma sobrinha, que morreu após a picada de uma cascavel;
7 - Era de uma disponibilidade absurda: Lembro-me de que Eu estava na Casa dela às 10 da noite, jogando damas ou baralho, e chegou um parente de viagem, morto de fome. Não tinha comida pronta, pois Ela foi até o fogão e, praticamente do zero, preparou um jantar pra essa pessoa;
8 - Realizava o milagre da multiplicação dos pães, pois o Marido sempre ganhou pouco, Era um Peão, e, no entanto, a comida dava para os oito filhos e ainda sobrava para os parentes que vinham se hospedar na Casa dela;
9 - Era muito religiosa, ia às Missas, [vivia a] Semana Santa, foi a Bom Jesus da Lapa e tinha um pôster do Padre Marcelo Rossi na parede;
10 - Nunca descuidou da filha caçula, que tem problemas mentais. Sempre levou essa filha a todos os programas assistenciais e médicos de que tenho notícia;
11 - Era uma vizinha maravilhosa, sempre muito prestativa. Da última vez em que estive em Araçuai, há dois meses, emprestou vassoura e pá para o Pedreiro que reformou a Casa dos meus Pais. Sempre que Eu viajava a Araçuai, após a mudança dos meus pais (...), a Dona Lurdes me emprestava alguma coisa;
12 - Fazia pequenos serviços para ajudar o Marido com as despesas da Casa: matava e limpava frangos caipiras, lavava roupa pra fora, torrava e moía café etc.
13 - Fazia um dos melhores cafezinhos de que se tem notícia. Não me lembro de ter chegado na sua Casa e não ser servido de um cafezinho sempre novinho e gostoso;
14 - Superou com muita dignidade e força a morte de um filho, que se foi, aos vinte anos de idade, atropelado por um bêbado irresponsável;
15 - Era caprichosa, pois a Casa e o Quintal eram muito bem limpos;
16 - Era cidadã, mesmo não sabendo o significado dessa palavra, pois viajou anos e anos para votar em sua Cidade Natal, Coronel Murta, em vez de simplesmente justificar a ausência;
17 - Era persistente, pois, para se aposentar, conversou pessoalmente com uma série de autoridades e profissionais: juiz, promotor, advogado, contador, despachante etc. Não tenham dúvidas de que Ela conseguiu!
18 - Foi uma esposa exemplar, tanto na saúde quanto na doença do marido, que morreu em maio de 2007;
19 - Quando o Marido foi trabalhar em uma fazenda distante da Cidade de Araçuai, Ela fazia questão de ir sempre fazer companhia a Ele, seja de ônibus, no lombo de um cavalo e muitas vezes até a pé mesmo;
20 - Sempre deixava os filhos e os amigos dos filhos à vontade para brincar em sua Casa e em seu Quintal;
21 - Era carinhosa com os bichos de estimação: cães e passarinhos;
22 - Fritava, na maior boa vontade, os peixinhos que Eu e seus filhos pescávamos na infância;
23 - Tratava tão bem as visitas, que dava vontade de ir ficando, ficando, ficando. Alguns parentes abusavam e ficaram lá por meses;
Eu vou parar de enumerar, pois há ainda muita coisa pra ser dita sobre essa mulher, que não cabe no papel. Pelo visto, Eu vou ter que orar por Ela o resto da minha vida!
Obrigado, Dona Lurdes, por ter sido tão presente na minha vida e na de todos que tiveram o prazer de desfrutar da sua humilde companhia!
Descanse em paz!
São os votos do amigo dos seus filhos, do amigo do seu Marido, do amigo dos seus sobrinhos e, principalmente, do seu Amigo,
Farney (Filho Do Seu Antônio e da Dona Vilma)
Fotografia de George Hodan |